A duração de Hellblade II foi motivo de críticas (injustas) e revelam a angústia do gamer num mundo de jogos cada vez mais caros
Alguns textos eu só faço por causa da thumb

BO da Semana que não é dessa semana já é uma tradição do blog. Eu comecei meu último artigo falando sobre Hellblade II então vamos recapitular os eventos:

A sequência relativamente bem aguardada (?) da saga de Senua teve seu lançamento há algumas semanas. O clima não era dos melhores com a Microsoft anunciando o fechamento de estúdios queridos como a Tango Gameworks e pouco marketing que Hellblade II teve. Quando saíram as primeiras reviews, alguns veículos trataram o jogo como uma obra-prima enquanto outros criticaram sua jogabilidade. Não que opinião fosse polarizada, mas dá para dizer que ele foi menos consenso do que o primeiro. Até aí eram eles por eles, mas quando o público finalmente pôs as mãos no jogo surgiu um novo foco de discussão: a duração da gameplay.

Cada pessoa tem um ritmo diferente de jogo, portanto não dá para tratar isso como uma ciência exata. Mas precisamos partir de algum ponto de referência, então vou usar o HowLongToBeat. Segundo o site, Hellblade II teria cerca de sete horas de gameplay na história principal, com um máximo de nove horas para completar o jogo 100%. Já vi gente falando que a campanha dura até menos, em torno de cinco horas. No fina isso não importa tanto porque não estou aqui para discutir qual o tamanho ideal para um jogo. Primeiro porque isso também não é uma ciência exata e, segundo, porque eu não acho que foi Hellblade II ter entre 5-7 horas de gameplay que incomodou as pessoas de verdade. Se formos comparar com o jogo anterior, ele é até um pouquinho mais longo. O que acho que pegou aqui é o fato dele custar uns 230 reais.

Agora uma rápida anedota sobre o lançamento de outro jogo, Final Fantasy VII Rebirth. Lembro que em algum momento viralizou um tweet de um cara que reclamava sobre o Cloud pular na água e não ficar molhado. Olhando em retrospecto eu quase sinto vergonha de ter comentado esse assunto. Sim, é uma reclamação besta, só que não é uma reclamação besta sincera. O OP só estava fazendo um trocadilho com precipitação e Cloud (nuvem). Mas por que eu digo que quase sinto vergonha? É que apesar de ter sido um tweet cômico, ele gerou alguns comentários curiosos que são de fato sinceros:

Alguns comentários correlacionando o preço de Final Fantasy VII com o grau de perfeição gráfica que ele deveria ter
São evidências anedóticas, claro, mas já dão para ilustrar um cenário

O que me chamou atenção nesses comentários é que todos envolvem a questão do preço de Final Fantasy VII Rebirth que não foi mencionado no tweet original. O cara falava coisas como “é 2024, é exclusivo do PS5”, entretanto ele não aludiu ao preço. Quem trouxe esse ponto foram os comentários, fazendo essa ponte com os gráficos e estabelecendo a lógica de: se o jogo é caro ele precisa ter o máximo da qualidade gráfica que a tecnologia atual permita alcançar.

Quando começou o discurso sobre a duração de Hellblade eu me lembrei na hora desse caso. Então, por curiosidade, resolvi dar uma olhada na reação sobre o preço de Hellblade II. Pesquisando nas postagens mais recentes, encontrei outros comentários igualmente curiosos e igualmente anedóticos:

Algumas reações sobre o tamanho de Hellblade II em relação ao preço do jogo
Dessa vez eu lembrei de ligar a tradução do Google para os “fala português, alienígena filho da puta”

Não foi nenhuma surpresa encontrar uma lógica similar a anterior. Claro que eu sei que isso não comprova a “tese” desse artigo já que eu reconheço que não é uma coleta de dados sistemática. Dá para contrariar isso com facilidade um cherry picking maroto. Inclusive um dos primeiros comentários que me deparei na minha busca foi uma usuária dizendo que estava satisfeita pela experiência que o jogo proporcionou mesmo com esse preço. Mesmo assim é notável que algumas pessoas correlacionam o preço de um jogo a sua quantidade de horas.

Não é primeira vez que me deparo com esse tipo de reclamação. Preço de jogos é um tópico muito recorrente na comunidade gamer. Vamos recordar aqui o quanto que Gollum foi ridicularizado pela audácia de tentar se vender a 60 dólares. 70 caso você quisesse dublagem em élfico. É um caso até compreensível porque é um consenso o quanto esse é um jogo ruim. Só quando a gente pega Hellblade II que as coisas ficam mais nebulosas. É um jogo aparentemente muito bom dentro da sua proposta, contudo algumas pessoas não sentem que vale o preço atual.

Como eu falei no texto de Grimm’s Hollow, valor é um conceito subjetivo e eu sempre vejo alguém tentando objetivá-lo segundo alguns critérios. Atualmente, o que eu acho é que essas pessoas fazem isso por causa de uma angústia que assombra a comunidade gamer há anos quando o assunto é preço.

Considerando a experiência brasileira, vídeo game nunca foi algo barato. Fossem os consoles, fossem os jogos. Depois do fenômeno do PlayStation 2, movido pela pirataria, a gente não chegou a viver um período em que houvesse um sentimento mais generalizada de vídeo game estar mais acessível. Ainda que fosse por um “método alternativo”. A experiência mais comum de alguém que goste de vídeo games no Brasil é de conseguir um comprar um console só depois muitos anos depois daquela geração iniciar. Então sim, a gente já está acostumado com a mídia não ser das mais financeiramente acessíveis. Contudo a sensação é que isso só se agrava a cada nova geração. Pior, a cada ano. Com isso o gamer segue obrigado a encarar a realidade que os jogos não irão baratear tão cedo. Se é que um dia irão!

Até já começou papinho de subir preço base para além das margens dos 70 dólares.

Por conta dessa perspectiva que jogos seguem caros e seguirão caros, eu fico com a impressão que os gamers vêm buscando formas de convencer a si mesmos que aquele jogo vai valer o dinheiro deles. Não dá mais para ser apenas um bom jogo, tem que ser O jogo para custar duzentos, trezentos, quatrocentos reais. Aí ficamos circulando entre dois critérios principais: perfeccionismo gráfico e horas de gameplay.

O primeiro é um que eu acho particularmente ridículo e o que mais denota o desespero gamer. Reviro os olhos ao ver gente comparando que jogo tem a íris mais detalhada e batendo palma pra física do cabelo Stellar Blade para fingir que aquilo transforma a experiência de jogo. Ou, como o gamer gosta de dizer, “aumenta a imersão”. A exigência desse hiperrealismo gráfico para mim é uma Ouroboros que já engoliu metade da cauda.

Quando apenas os gráficos não são o bastante, e já não é o bastante há um tempo, vem a cartada da duração do jogo. Esse é um critério que me deixa um tanto preocupado.

Vez ou outra eu tropeço numa discussão, seja no Reddit ou no Twitter, com pessoas sugerindo definir uma relação de preço x hora de gameplay. Lógica bem simples, para jogos terem um tal preço eles precisam ter uma quantidade tal de horas. Algumas pessoas concordam, outras discordam e nesse meio eu acho a mera sugestão dessa ideia uma extrema imbecilidade. Reconheço que ela parte de um lugar que mistura a angústia e o desespero gamer com um pouco de boa vontade, mas ainda assim para mim é uma extrema imbecilidade.

Porque na prática essa lógica acabaria criando uma forma para, por exemplo, a Ubisoft justificar o preço de CENTO E TRINTA DÓLARES pela edição Ultimate de Assassin’s Creed Shadows. A edição normal está custando o novo padrão de qualquer jogo AAA que é de 70 dólares. É só ela por umas centenas de horas de gameplay e uns recursos extras que está tudo certo, não é? Só que eu quero chamar atenção para um detalhe. Odyssey e Valhalla têm, pelo site do HowLongToBeat, campanhas de 45 e 61 horas respectivamente. Porém, se você decidir completar tudo que o jogo tem a oferecer, ambos sobem para mais de 140 horas. Sacaram a maracutaia?

Não sei o quanto algumas pessoas estão cientes disso, mas é muito fácil inflar artificialmente a duração de um jogo. Bastava você criar essa ilusão que tem muito coisa que dá para fazer ali dentro. Porém o jogador está apenas gastando muito tempo com tarefas e side quests repetitivas, caçando centenas de colecionáveis e percorrendo um mapa que é três vezes maior do que ele precisava ser de verdade.

Batman Arkham Knight é um exemplo de jogo artificialmente inflado para criar a ilusão que se tem muito conteúdo para o jogador gastar seu tempo
Imagem MERAMENTE ilustrativa, ok?

Só que nessa questão do tamanho do jogo ainda tem algo que me deixa em conflito. Não gosto de criticismo rasteiro sobre jogos e coloco tanto as reclamações sobre gráficos e duração como formas de criticismo rasteiro. Contudo eu ainda me compadeço dessa angústia que o gamer sofre. Mesmo não jogando lançamentos e tendo a disposição todo um catálogo de jogos antigos pelas vias da emulação, também tem coisa que eu evito comprar porque não estou seguro pelo seu preço. River City Saga: Three Kingdoms é um dos jogos que mais tenho vontade de jogar, porém os seus 160 reais me deixam com um pé atrás de efetuar a compra.

Mesmo assim ainda discordo que criar um critério de horas de gameplay mínimas para um jogo custar determinado valor seja uma solução. Para mim, isso é dar de bandeja para as empresas um jeito de cobrar mais com um jogo que só aparenta estar nos entregando mais.

Então isso significa que eu acho que o preço de Hellblade II seja apropriado? Claro que não! Só que faço isso por conta da minha crença pessoal que jogo algum vale mais do que cem mangos. Eu não gasto isso nem com livros. Sendo que literatura é uma mídia pela qual eu tenho respeito, ao contrário dos vídeo games. Se é para reclamar do preço do jogo, vamos reclamar do preço do jogo. Me junto ao coro sem problema algum. Mas se for para fazer isso em cima desse critério besta dele ter apenas 5-7 horas de gameplay, aí eu solto a mão de todo mundo e vou lá jogar outro projetinho de RPG Maker que geralmente duram a metade desse tempo.


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