Recentemente eu fiz uma thread no meu Twitter compartilhando alguns comentários sobre a minha relação com a Epic Games Store. Ou como eu visualizo mentalmente: Epic Games “Store”. Só que não fiquei muito satisfeito com aquele fio. Não exatamente pelas coisas que eu escrevi, mas sim pela forma. Depois de tanto tempo nesse blog eu não consigo mais me expressar plenamente através de tweets. Fico desconfortável com a limitação de caracteres porque eu sempre tenho coisas demais para falar. Até mesmo desnecessariamente! Então cá estou para resmungar mais.
O que me levou para aquelas divagações foi a cobertura da The Verge no processo que a Epic Games abriu contra o Google. O artigo, que é atualizado diariamente, trouxe uma evidência de algo que muita gente já suspeitava: após uns cinco anos desde seu lançamento no final de 2018, a Epic Games Store ainda não conseguiu se tornar lucrativa. Essa informação que veio diretamente boca do próprio VP da loja, Steve Allison. Não há nada demais nisso, algumas empreitadas levam tempo para gerar lucro. O Twiter está aí tentando até hoje.
Mas para mim essa história é particularmente cômica por dois motivos. O primeiro é quando a gente lembra que naquela outra disputa legal que a Epic teve com a Apple, divulgaram documentos nos quais a empresa se mostrava confiante de conseguir metade do mercado de PC gaming pagando por lançamentos exclusivos na sua loja. Uma meta ousada? Sim! Tola, porém ousada. E o segundo motivo da graça pra mim é porque no meu imaginário a Epic Game Store não é uma “store”.
Acho que temos tempo para um rápido esclarecimento, não temos? É só para destacar qual vai ser a abordagem desse texto:
Pois bem, só queria dizer que essa NÃO será uma análise técnica e muito menos econômica do que a Epic tem feito de errado com a sua loja. Quem quiser algo desse nível, eu recomendo o texto que o Linoano fez dois anos atrás que cobre minuciosamente o histórico de presepadas da Epic Games Store. Mas obviamente deixem para ler apenas depois que vocês terminarem esse texto porque titio aqui precisa que vocês gastem mais tempo nas minhas páginas. Enfim, o que pretendo aqui é compartilhar com vocês a minha experiência exclusivamente anedótica com essa loja. Especificamente pensando no porquê que ela não funciona como deveria na minha cabeça.
Começando para valer agora, eu estou há três – sofríveis – anos no Twitter e esse é mais ou menos também o tempo que eu tenho uma conta na Epic. A criei num momento de fraqueza onde tentei jogar Fortnite, mas consegui escapar dessa perdição. Mantive ainda meu usuário porque tempo depois fiquei sabendo do programa para distribuição de jogos gratuitos na loja e passei a voltar lá de semana a semana para resgatá-los.
Hoje eu acho que reuni mais de cem jogos lá. Eu acho! Porque eu só abro a loja no navegador já que não mantenho o launcher dela no meu PC. Se você não é usuário da Epic, acontece que pelo navegador não dá para visualizar a sua biblioteca Inclusive isso tem sido uma piada recorrente numa thread de comentários do Reddit pelos últimos 4 anos. Só com essa informação já dá para ter noção de como é uma plataforma atrasada. Enfim, três anos de Epic Games Store. E sabem quanto eu gastei na plataforma até hoje? Não, deixa essa pergunta para depois. Sabem quantos desses jogos eu cheguei a instalar? Três!
O primeiro, se não me falha a memória, coincidentemente é também o primeiro jogo que resgatei na loja. Um amigo me disse que eles iam dar Enter the Gungeon, então eu peguei de graça e instalei o jogo quase que na mesma hora. Porém não cheguei a zerar porque, como alguns de vocês sabem, desenvolvi um desprezo profundo por roguelikes.
O segundo foi uns meses depois, Frostpunk. Não conhecia, mas como acabei pegando ele de graça e achei a gameplay interessante pensei em jogar. Entretanto essa era uma época em que eu ainda fazia threads sobre os jogos que eu zerava e por isso eu gostava de usar imagens da minha jogatina para ilustrar os pontos que eu fazia. Ao contrário da Steam, o launcher da Epic Games Store não tem um botão para tirar foto da tela. A conjugação verbal está correta porque ainda não existe essa simples funcionalidade até hoje. O botão de Print Screen também não funcionava, gerando apenas uma tela preta quando eu tentava salvar. Desisti de procurar uma alternativa e acabei indo jogar outra coisa.
Se passaram uns dois anos até que eu enfim instalasse um terceiro jogo: Turnip Boy Commits Tax Evasion, que foi dado de graça recentemente. Já deu para perceber um padrão, né?
Dos três jogos que instalei, nenhum deles foi comprado na Epic Games Store e isso estende para toda minha biblioteca na plataforma. Nesses três anos eu não gastei um mísero centavo nessa loja. O problema não é minha condição financeira – que de fato não é muito boa, porém eu ainda consigo comprar jogos em promoção moderadamente – e nem mesmo os preços da loja da Epic. É apenas porque eu não consigo enxergá-la como isso: uma loja. Na minha cabeça ela era apenas um lugar para resgatar jogos semanalmente. A conjugação verbal nessa última frase também está correta e mais para frente vocês entenderão porque.
Distribuir jogos gratuitamente não é nenhuma novidade. A Steam faz isso! A GOG faz isso! A [inserir outra plataforma de distribuição de jogos eletrônicos de sua preferência aqui] faz isso… bom, eu acho. Sei lá que o vocês vão colocar ali. Não precisa ser nenhum profissional de marketing para saber que isso é uma forma de atrair jogadores para a sua plataforma na esperança que eles se tornem usuários ativos e compradores regulares. No caso da Epic Games Store a diferença é que ela distribui jogos gratuitos com muita frequência, pois isso se tornou uma das principais estratégias da loja.
Não dá para saber os números hoje, mas por conta dos documentos mostrados durante aquela disputa com Apple, sabe-se que no seu primeiro ano a Epic gastou cerca de doze milhões de dólares para poder distribuir esses jogos gratuitamente. Com isso ela conseguiu arrematar cerca de cinco milhões de novos usuários. Porém quantos deles de fato gastam dinheiro na loja? O dado mais recente que consegui levantar foi na Game Developers Conference 2023 em que a Epic divulgou que 30% dos usuários que chegaram pelos jogos gratuitos fizeram algum gasto na plataforma.
Eu estou nos 70% e pretendo continuar assim!
Em três anos de visitas frequentes a Epic Games Store, a plataforma não conseguiu chegar próximo de me fazer gastar um centavo sequer lá. Até mesmo quando são oferecidos aqueles cupons de descontos eu acabo deixando todos expirarem. Duvido que isso mudará no futuro, mesmo estando ciente que volta e meia surgem ótimos preços para jogos de PC lá. O motivo é simples e já citei várias vezes no texto: eu não consigo enxergar a Epic Games Store como uma loja.
Eu ficava tão habituado a entrar ali só para resgatar o jogo da semana que passava a ignorar todo e qualquer outro item do catálogo. Nem o mais remoto pensamento de “ah dá pra comprar jogo aqui, né?” cruzava a minha cabeça. Dá nem mais para dizer que eu era um comprador em potencial, eu estava lá apenas para me aproveitar do programa de jogos gratuitos. E acho que existe um aspecto ainda mais grave que é o fato da Epic não conseguir nem me converter nem a um simples usuário da sua plataforma. E o que eu quero dizer com isso?
Tenho um texto no blog falando a minha opinião sobre as análises dos usuários na Steam. Lá cito que, para mim, a grande sacada da Valve foi tratar sua plataforma não apenas como um espaço de compra de jogos, a Steam também é uma comunidade. As pessoas não vão lá só para suas compras mensais, elas a utilizam para jogar e também interagir entre si. Dentro da plataforma você pode compartilhar artes, fazer lives, criar guias, postar análises (ainda que eu não goste tanto dessa última), etc. A Steam não é só uma loja, ela é um microcosmo do PC gaming. Tem uma cultura ali dentro que ajudou a fidelizar muitos usuários.
Mas aí alguém pode argumentar que para a grande maioria dos jogadores isso não importa, afinal eles só querem comprar seus joguinhos e instalá-los. Eu concordo com isso. Eu sou um desses jogadores! Até teve um período que postei análises na Steam, porém ultimamente eu só vou lá para comprar e jogar mesmo. No máximo vou no fórum para reportar ou buscar solução para um bug. Logo, a Epic Games Store serve aos propósitos básicos que busco numa plataforma, certo? O problema é que eu também não a vejo como um espaço para jogar. E isso ficou bem óbvio quando disse que só instalei três jogos da minha biblioteca de lá até hoje.
Não tem nada a ver como uma das reclamações mais frequentes que já esbarrei sobre o launcher da Epic não ter um desempenho muito bom. Ainda mais comparado ao da sua principal concorrente. Contudo isso pouco importa para mim, se o jogo abrir eu já estou satisfeito. Acontece que, como falei, ao contrário do launcher da Steam eu não mantenho o da Epic no meu PC. A última vez que eu o instalei foi agora para jogar Turnip Boy Commits Tax Evasion e desinstalei minutos depois de terminar já sabendo que não iria jogar qualquer outra coisa.
99,99% dos jogos que eu resgatei na Epic eu não tenho o menor interesse neles. Não significa que a Epic só distribui jogo ruim e definitivamente tem uns ali que eu jogaria como vamos ver mais a frente. Ao contrário do Turnip Boy Commits Tax Evasion, eu não peguei nenhum dos outros jogos exatamente porque estava a fim de jogá-los. Peguei-os motivado apenas porque estavam de graça. Na GOG é a mesma coisa, volta e meia eu vou lá apenas para pegar um jogo gratuito que é bem provável que eu jamais jogarei porque até hoje só instalei e zerei um: Ghost of a Tale.
Porém uma coisa que eu vejo que a GOG tem de diferença da Epic é que ela também conseguiu estabelecer uma cultura distinta para si. Muitos jogadores escolhem a plataforma deles pela possibilidade de adquirir jogos livres de DRM – que faz parte de toda uma outra discussão sobre a noção de propriedade na era moderna de vídeo games que um colega também já comentou sobre no Medium – e também por ser um espaço para encontrar jogos mais antigos de PC. Agora quando chega a Epic Games Store eu não consigo pensar em nenhuma outra forma que plataforma consiga se conectar com jogadores além de dar jogos de graça.
Eu tenho comparado o que a Epic faz com uma velha estratégia de marketing que eu lembro que era muito comum em supermercados, mas hoje não se ainda fazem. Quando eu era pequeno, vira e mexe tinha uma marca dando amostras grátis dos seus produtos nos mercados aqui das redondezas. Assim como eu faço hoje com os jogos da Epic, meus parentes também costumavam pegar a amostra grátis quase que no automático – essa é palavra-chave aqui – e nem chegavam a olhar a marca direito. Outras pessoas também fazem isso e assim o produto não entra de fato no seu imaginário e some da sua mente assim que você se afasta do estande.
Óbvio que isso vai funcionar com alguém, porém como esse é um texto pessoal o meu ponto é que não funciona COMIGO. Eu já cansei ver o processo se repetindo: eu entro na Epic Games Store, resgato o jogo, ele vai pro fundo da minha cabeça (e biblioteca) e com com tempo eu vou lentamente abstraindo a memória de ter pego esse jogo. Até que eu o esqueço completamente!
Vejo que isso é muito diferente no caso dos vários jogos que eu comprei, porque ali eu fiz sabendo ativamente que quero jogá-los. Posso até não fazê-lo de imediato por questões de falta de tempo, porém a memória deles está ali na minha cabeça e em algum momento eu os instalo. Zniw Adventure é um que comprei há alguns meses, ficou um tempo parado na minha biblioteca porque eu estava jogando outras coisas, porém esses dias eu o instalei. Quando eu o comprei eu sabia que não ia dar pra jogar naquele momento, porém eu sabia que ia jogá-lo uma hora ou outra. Com meus jogos na Epic Games Store eu não tenho essa certeza porque nem ao menos sei mais que jogos eu tenho lá.
Vou sair um pouquinho pela tangente, mas é porque essa história vai ser útil para uma comparação que farei depois. Eu sempre achei que a reputação da Epic girava em torno de ser uma espécie de “Steam da Shopee”, porém esses dias eu fiquei sabendo de outra história. A loja também já foi descrita como sendo um “buraco negro de marketing”, apelido que vingou entre desenvolvedores e jogadores.
Uma das estratégias que Epic adotou para tentar alavancar a sua plataforma foi de pagar por lançamentos exclusivos. Inclusive ela recentemente “dobrou a aposta” anunciando um novo programa em que os desenvolvedores poderiam receber 100% das receitas de venda dos seus jogos pelos primeiros seis meses na loja se aderirem ao acordo de exclusividade. O que pode soar como um negócio muito vantajoso, sobretudo para os pequenos desenvolvedores, mas como Thanos nos alertou, a realidade tende a ser decepcionante. Isso porque a Epic Games Store adquiriu um histórico de ser um lugar onde muitos exclusivos vão para morrer. Não apenas os indie!
Enquanto eu lia alguns comentários – que gostaria de ressaltar que também não passam de evidências anedóticas – fique surpreso em ver a quantidade de relatos sobre jogos que as pessoas mal sabiam que passaram pela Epic Games Store. Tony Hawk’s Pro Skater 1 + 2 é um deles. A versão de PC foi lançada simultaneamente com os consoles, porém em exclusividade com a Epic. Porém o que mais me surpreendeu foi saber que toda coleção de Kingdom Hearts existe para PC, mas também apenas na Epic.
Indo para o lado dos jogos indie, duas histórias que ouvi foi que quase ninguém percebeu que Darkest Dungeon 2 esteve em acesso antecipado na loja desde 2021 e que Hades, o único roguelike que eu consigo admitir que gosto, que hoje é tão reverenciado só foi estourar mesmo quando chegou a Steam. Enquanto eu lia esses comentários uma luz se acendeu lá no fundão da minha cabeça. A luz ficou mais forte e mais forte até que eu finalmente me lembrei de Salt and Sacrifice. Essa é a sequência de um indie favorito meu, Salt and Sanctuary. Ela foi lançada em 2022 exclusivamente na Epic Games Store e eu já havia me esquecido dela. O mesmo vale para Horizon Chase 2 que só vim a saber hoje que está disponível lá desde setembro.
Já vi muita gente falando que uma das razões é porque a Epic ainda não tem uma base tão sólida de usuários ativos quanto a Steam e que também ela carece de mecanismos que ajudam na visibilidade de alguns jogos. Portanto se você é um pequeno indie obscuro as chances são que você permanecerá assim na loja. Há casos e casos, porém a impressão geral é que tem mais gente se ferrando com os acordos da Epic a longo prazo do que se dando bem. O que é uma posição um tanto ingrata, porque justamente o dinheiro da exclusividade que consegue financiar muito desses projetos menores. De qualquer forma o que importa aqui é algo que os caras Bellular Studios mencionam no vídeo de como parece existir um ponto preto na nossa mente no lugar que a Epic deveria estar.
E acho que essa é a descrição mais perfeita da Epic Games Store, pelo menos para mim. Ela é um vácuo mental. Conscientemente eu sei que ela existe e que há jogos lá, inclusive aqueles que eu tenho grande interesse em jogar. Contudo eu não penso neles. Para comprovar isso, eu acabei fazendo um teste no meio da revisão desse texto. Reinstalei o launcher e fui até a minha biblioteca o que diabos eu tinha nela. O sentimento que me acometeu só pode ser descrito pelo Gandalf:
Fiquei bem surpreso com a quantidade de títulos ali que eu resgatei nesses três anos sem ter a mera noção que foram dados de graça. E não falo de um indie aleatório ou um jogo bem obscuro. São nomes grandes, vários dos quais estão lá na minha lista de desejos na Steam.
O melhor exemplo foi o reboot de Tomb Raider que eu pensei em fazer uma maratona ano que vem. Eu já estava me organizando pra conseguir comprar os três jogos e nesse experimento descobri que tenho a trilogia completa na minha conta da Epic. Além dela, possua a trilogia de BioShock e as duas versões redux de Metro 2033 e Metro: Last Light que também estava pensando em maratonar se conseguisse comprar na Steam. Outros jogos que encontrei pegando poeira digital lá foram Control, Death Stranding, Nioh, The Evil Within 1 & 2 e Wolfenstein: The New Order, citando apenas os que acho mais mainstream. De jogos menores, ou menos conhecidos, vi lá Call of the Sea, Cave Story+, F.I.S.T: Forged In Shadow Torch, Kao the Kangaroo, entre mais alguns. Muitos dos quais eu estava doido para jogar assim que comprasse, alheio ao fato que eu já os tinha.
Sabe o que é pior nessa história toda? Mesmo estando ciente agora que tenho esses jogos eu não acho que vou acabar jogando nenhum deles. Porque no atual momento eu estou novamente ocupado com diversas outras coisas. Quando terminá-las, provavelmente já terei desinstalado o launcher da Epic Games Store e minha mente vai se esquecer de toda essa biblioteca mais uma vez.
Para finalizar, chamo atenção a um detalhe do texto. Se você voltar em alguns parágrafos verá que eu falo muito no pretérito imperfeito quando me refiro a essa plataforma. O que é um tanto poético. Eu digo que frequentaVA a Epic Games Store, não que eu a frequentO. Eu já reparei há algum tempo que nessa ida e vinda automática para pegar um joguinho eu passei a me esquecer até mesmo que a Epic os dá semanalmente. A maior parte das vezes é um amigo meu tem que vir me lembrar que tal jogo vai ser dado para eu ir lá e pegar. E ele só faz isso porque ele segue um perfil que o avisa, caso contrário nós dois ficamos sem entrar lá.
Por isso que não é por malícia que uso aspas ao falar Epic Games “Store” no título desse texto. Não estou negando que ela é uma loja e nem é um deboche com a qualidade da plataforma. É única e exclusivamente que eu não consigo pensar nela mais como uma. Na minha cabeça é apenas aquele lugar para pegar um jogo gratuito e que eu nunca vou jogar mesmo!
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