Esses dias publiquei aqui no blog um artigo sobre Monster World RPG, um fangame de Wonder Boy que me instigou a falar sobre a gameplay de RPGs. Por conta desse tema, me peguei pensando numa mania minha da qual tenho ciência há muito tempo. Nos meus vários textos sobre vídeo games, costumo intercalar o uso dos termos ‘jogabilidade’ e ‘gameplay’. Eu fico imaginando se isso causa alguma confusão em quem lê, afinal um é apenas a tradução do outro.
Só que há um porém nessa história. Não estou misturando palavras nas suas versões em português e inglês, é que eu as considero dois conceitos diferentes.
Eu uso essa distinção desde que comecei a falar de jogos na internet, entretanto nunca cheguei a esclarecer meu raciocínio. Então, como é que esses termos funcionam na minha cabeça? Sempre que eu falo de jogabilidade eu me refiro única e exclusivamente ao aspecto mecânico do jogo, ou seja os controles, sistemas, objetivos, etc. Quando menciono gameplay eu estou pensando no lado, digamos, mais artístico desse mesmo jogo, a experiência que ele proporciona ou então o ato de jogar em si. Faz mais sentido para vocês agora?
O problema dessa lógica é que, dependendo da definição que você dá para a jogabilidade, ela pode encapsular exatamente aquilo que penso sobre gameplay. Porque dá para pensar nela como a forma como um jogador interage com o jogo. Outra forma de frasear essa mesma afirmação é dizer que jogabilidade é a conexão do jogador com o jogo e vice-versa. Parece tudo a mesma coisa, mas ao meu ver a primeira forma tende a descrever o que eu penso sobre jogabilidade enquanto a segunda tende pro lado da gameplay. Porque a conexão pode ter um significado mais íntimo e pessoal dependendo do contexto.
Me ajuda um pouco nesse raciocínio que ainda existe uma certa ambiguidade no conceito de jogabilidade. Diversos autores têm suas definições próprias, o que me dá mais segurança em seguir a minha própria. Lendo um pouco sobre essa questão, notei que é comum separar a jogabilidade dos gráficos e dos elementos sonoros colaborando para a minha visão mais ampla do que seria a gameplay. Pois tenho para mim que a ela é resultado da combinação das mecânicas, direção artística, trilha sonora e narrativa do jogo.
Caso ainda não tenha ficado claro, acho válido puxar o exemplo que eu já tinha deixado engatilhado. Teve um jogo em especial que eu acredito que foi a origem dessa minha mentalidade: Shadow of the Colossus.
Se você me perguntasse qual é a JOGABILIDADE de Shadow of the Colossus a minha resposta seria mais ou menos assim:
Em Shadow of the Colossus você controla Wander numa missão de derrotar 16 colossos para ressuscitar uma garota, Mono, sacrificada por acreditarem que ela carregava uma maldição. Wander está acompanhado da sua égua Agro que serve tanto para se locomover pelo mapa quanto ajudar em algumas batalhas.
Wander pode pular, rolar, escalar determinadas construções, além de ter um arco e uma espada. Esta é capaz de focalizar os raios do sol para encontrar o local dos colossos e também seus pontos fracos. O garoto também tem uma quantidade limitada de energia que é gasta para executar ações como escalar e golpear os colossos.
Cada colosso possui um comportamento específico, alguns sendo mais agressivos e outros atacando apenas quando são provocados, e exigem uma estratégia diferente utilizando o ambiente à sua volta para incapacitá-los e permitir que o personagem consiga alcançar seus pontos fracos.
Vejam que a linguagem de quando eu falo de jogabilidade é muito direta, objetiva e diria até sem graça. Não vejo a menor diferença entre um texto desse tipo e uma página da Wikipédia. Eu me presto apenas a descrever as coisas que dá para fazer no jogo quase como se tivesse falando de um eletrodoméstico. É um dos motivos de eu não gostar do formato tradicional de reviews. Mais do que uma preferência pessoal, isso é também uma consequência da forma como eu penso a respeito de jogos.
Agora se você me perguntar qual é a GAMEPLAY de Shadow of the Colossus, a minha resposta seria um pouco diferente:
Shadow of the Colossus constrói um sentimento de “Davi vs Golias” ao colocar seu protagonista, Wander, contra diversas criaturas gigantes. Cada colosso é como se fosse um pequeno puzzle de ação em que precisamos descobrir como alcançar seus pontos fracos.
Você sente todo o esforço para manter o personagem agarrado aos colossos que fazem de tudo para se livrar dele e a dor que cada fincada da sua espada causa neles. É uma experiência altamente sensorial, onde até a vibração do controle consegue transmitir a sensação de ter o chão tremendo com os passos daqueles gigantes.
O jogo também te convida a fazer um exercício de imaginação, já que é minimalista tanto na narrativa quanto nos seus cenários. Pouca informação concreta nos é dada e fica a nosso cargo olhar para as ruínas espalhadas pelo mapa e criar na nossa cabeça como aquela sociedade operava, tal como um arqueólogo estudando os vestígios de uma civilização antiga.
Shadow of the Colossus também traz um turbilhão de emoções diferentes. Ao mesmo tempo que o jogo te empolga com uma trilha épica quando você começa escalar os gigantes, existe uma enorme tensão ao ver a energia de Wander esgotando. Quando você finalmente derrota um, existe aquele pico de excitação pelo gosto da vitória. Só que logo em seguida uma melancolia invade o jogo quando vemos aquela criatura gigante despencando, quase como se tivéssemos cometido um crime contra a natureza. A cada colosso abatido, parece que Wander perde um pouco da sua humanidade também.
Olha como aqui eu já tenho um tom completamente diferente. É bem mais pessoal, onde foco em transmitir as mesmas emoções que o jogo evocou em mim em vez de apresentar uma listinha de mecânicas. Em algum grau eu ainda as cito, porém eu tento pensá-las dentro do contexto geral da experiência de jogo.
Não tô dizendo que o meu jeito de pensar jogabilidade e gameplay é o certo. Só estou dizendo que esse é o MEU jeito de pensar. A distinção funciona para mim e me ajuda a organizar melhor meu raciocínio. O espaço fica aberto aí para falarem o que acham, se também fazem essa separação, se interpretam as duas coisas como iguais, se tem uma definição diferente, o que seja.
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