Hunter Schafer, rumores e a transfobia na comunidade gamer

Foto da atriz trans Hunter Schafer sobreposta na capa do  jogo The Legend of Zelda: Echos of Wisdom

Deve ser o terceiro dia consecutivo que eu vejo alguém fazendo uma postagem no subreddit gamer que participo sobre o rumor de que a Hunter Schafer – atriz que ficou conhecida pelo seu papel em Euphoria – está sendo cotada para interpretar a Zelda no live action americano de The Legend of Zelda. A informação chegou através de um insider famoso, Daniel Richtman, o que por si só não deveria significar qualquer coisa. Ele já acertou algumas datas de trailers por aí, mas isso o faz tão confiável quanto qualquer outro insider.

Não descarto a possibilidade do nome da Hunter Schafer ter sido mencionado nos bastidores da produção do filme. Quando o live action foi anunciado uma das primeiras coisas que fãs de The Legend of Zelda começaram a fazer é o conhecido fancasting. Naquele mesmo período o filme Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes chegava aos cinemas. Numa das entrevistas nesses eventos de estreia a atriz confirmou que viu algum dos fancastings que a colocavam no papel de Zelda e disse que seria muito legal interpretar a personagem.

Então, ainda que não exista qualquer informação oficial sobre qualquer pessoa do elenco, já tem alguns artigos circulando na internet. Além disso, você também vai encontrar várias postagens e vários comentários de vários usuários questionando uns aos outros sobre o que acham dessa “notícia”. Para mim, toda essa história destaca alguns problemas tão comuns na comunidade gamer.

Um rumor virar a pauta do(s) dia(s) não é nenhuma exclusividade da bolha gamer e está presente em toda história da cultura pop. Mas eu sinto que com os gamers é mais forte pois essas comunidades sofrem grande influência de uma cultura de hype. Positivo ou negativo. O sentimento de metaforicamente querer ver uma bomba explodir é tão comum quanto o de se entusiasmar por um anúncio. Desse modo, sempre precisa haver uma novidade para atiçar as emoções do gamer que cada dia está com menos assunto. Quando não se tem uma, fabrica-se outra. Quando estou sem criatividade para fabricar, requenta-se uma antiga.

Ontem naquele mesmo subreddit tinha gente discutindo que o Xbox talvez integre a loja da Steam no seu sistema. Esse rumor já está em circulação desde o ano passado e voltou essas semanas depois de um suposto vazamento. Eu também já cansei de contar as postagens que vi falando sobre a especulação de que o orçamento de GTA VI foi em torno dos 2 bilhões de dólares. Como se isso dissesse qualquer outra coisa além de que gastaram muita grana no jogo. Mas admito só estou sendo ranzinza com esse ponto, não chega a ser problema de fato. Só acho um pouco cansativo como o gamer precisa estar o tempo todo formando uma opinião em cima de um rumor. Infelizmente, não é por aí que termina a história sobre o filme de The Legend of Zelda.

Um detalhe que eu deixei de mencionar no primeiro parágrafo é que a Hunter Schafer é uma mulher trans. Se você passa bastante tempo na internet e em alguns círculos gamers, essa informação é o suficiente para imaginar o que é que aconteceu logo que o rumor passou a circular.

Se você digitar o nome da atriz no Google, uma das primeiras fotos que aparecem é uma que faz você pensar que talvez existam elfas entre nós. Por isso não dava para o gamer embarcar naquela discussão cretina sobre se a atriz parece com ou não com o modelo 3D do joguinho. Mas olha que tentaram.

Mais cedo esbarrei com uma postagem se valendo de um daqueles hábitos inceloides de rabiscar foto para destacar postura ou parte do corpo. A pessoa tentou forçar que a atriz não parecia tanto com a Zelda porque seu queixo era quadriculado demais comparado ao queixo triangular da personagem. Essa não é uma anedota qualquer que eu resolvi trazer para cá. A pessoa não desenha um queixo quadrado, um traço que comumente associam a homens, à toa. É o mesmo motivo de ter tantas postagens sobre a Hunter Schafer: transfobia!

Dias atrás eu lancei um artigo falando sobre o caso dos ataques que a Bella Ramsey vem recebendo nessa última temporada de The Last of Us. Lá eu comento como o gamer, desde os dias dos fatídico Gamergate, sempre usa um pretexto para atacar minorias sem ter que admitir que é por puro preconceito. Apesar que no caso da Hunter tem vários que nem mesmo tentam esconder. Mesmo assim, é preciso ter uma justificativa que crie o mínimo de dúvida razoável para eles agirem. Não importa o quanto mequetrefe seja essa desculpinha.

Foi anteontem, se eu não me engano, que um rapaz soltou um “sei que vou levar uma chuva de downvotes” – o equivalente do Reddit para o gesto de olhar para trás e ver se tem alguém escutando antes de falar uma besteira – para dizer que preferia uma mulher cis no papel. Todo transfóbico de plantão vai dizer que não tem problema nenhum com pessoas trans (nunca tem, só quando tem), mas já que a Zelda é uma mulher cis ela também deveria ser interpretada por uma mulher cis.

A narrativa vai ser essa e não me surpreende sua obviedade. Dá mais uns dias para essa galera que eles vão soltar o infame “você ia achar ok se um ator branco interpretasse o Pantera Negra?”. É o mesmo “argumento” cínico que eles repetem há quase dez anos. Também não me surpreenderia se alguns transfóbicos profissionais como a J. K. Rowling e Graham Linehan começassem um pânico moral falando que isso é um exemplo de que mulheres trans estão tirando o espaço das mulheres cis na mídia. O que me surpreende é não terem começado assim.

Eu tenho consciência que nessa última parte eu estou agindo antecipadamente aqui. Faço isso porque tenho certeza que daqui uns meses toda essa história irá sumir quando saírem notícias oficiais sobre o elenco. O live action de The Legend of Zelda vai querer apelar para o maior público possível. Portanto eu duvido muito que a Sony Pictures teria essa coragem de escalar uma atriz trans para o papel. Nem por todo o pink money do mundo. Vai ser um filme tão seguro quanto Super Mario Bros.: O Filme. Acho mais fácil colocarem uma peruca loira na Jenna Ortega e deixarem que ela seja a Zelda, caso a Anya Taylor-Joy esteja sem agenda.

Enfim, apesar da boataria, é importante deixar registrado que esse foi outro episódio da transfobia gamer habitual. Como não saiu nenhum jogo com pronome neutro esses dias, os caras precisam ser mais cretinos dando ataque de pelancas com um rumor.


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