O aumento do Xbox Game Pass e a insustentabilidade da cultura do hype

Meme satirizando o aumento do preço do Xbox Game Pass com uma mulher fazendo cara de surpresa e dizendo "It's so fucking big"

Direto ao assunto porque foi a pauta de quarta-feira: o Xbox Game Pass Ultimate passou a custar de R$59,90 para R$119,90 aqui no Brasil. O aumento gerou uma imensa reação negativa pelo público e, por consequência, ontem muitas pessoas cancelaram suas assinaturas. A página chegou até a cair! Algo no mínimo compreensível. Ainda que esse seja um mundo com uma quantidade significativa de otários, ninguém em sã consciência vai aliviar para um aumento de 100% vindo assim sem carinho e sem cuspe.

Ao contrário do que alguns gamers que adoram ser vira-latas nessas horas, na gringa a reação é a mesma. O aumento de U$14,99 para U$29,99 também não agradou os americanos. Entretanto o golpe foi mais duro para nós, brasileiros, uma vez que o preço dos vídeo games sempre foi um problema histórico nosso. Tanto que nos últimos anos o que fez Xbox ser visto como o console visto de melhor custo-benefício foi o Game Pass. Mais especificamente o plano Ultimate que permite acesso a lançamentos no famigerado “day one”.

Muito já se comentou, muito já se criticou e muito já se xingou nessas últimas 24 horas e vocês não precisam de mais um fazendo as contas de quanto o Game Pass vai custar por ano agora. O que acho mais interessante de falar no momento é como me parece que não é exatamente o preço que causou toda essa comoção. Para mim, o real motivo é uma constatação, para uns talvez inconsciente, de como a cultura do hype se mostra cada vez mais impossível de se sustentar na comunidade gamer.

Já tem bastante tempo que eu digo que o que define a relação da comunidade gamer com a sua mídia não são os jogos, mas sim o consumo. A experiência construída na interação entre o jogador e o jogo fica em segundo plano. É muito mais importante para o gamer marcar aquele item no seu Backloggd ou expô-lo na sua biblioteca virtual da Steam. Em outras palavras, aquilo que você tira do jogo é muito menos importante do que poder mostrar que você jogou. Zerá-lo também fica em segundo plano, talvez até terceiro.

Mas tem um detalhe: precisa ser imediato. De nada adianta você jogar daqui um ou mais anos quando ninguém mais fala daquele jogo. Você precisa estar no hype do momento. E não é apenas as campanhas de marketing pesadíssimas dos grandes estúdios que vão martelar essa ideia. Os principais veículos de comunicação e criadores de conteúdo se moldam ao redor desses lançamentos. Isso cria a ilusão de que todo mundo está jogando ou ao menos todo mundo deveria estar jogando aquilo. Não basta você apenas consumir, você tem que consumir AGORA.

Não é uma questão exclusiva dos vídeo games e a cultura pop em geral se tornou uma imensa cultura do hype. Mas o que pega nessa mídia é por se tratar de um dos hobbies mais onerosos que alguém pode ter. Até mesmo se você for apenas um consumidor casual. Os consoles são caros e os jogos, dependendo do que você tenha interesse, também são caros. Só uma parcela enxuta dos gamers podem se dar ao luxo de acompanhar lançamentos sem precisar recorrer a pirataria (isso quando ela é uma possibilidade).

Nesse cenário, o Game Pass parece uma solução em que todos os lados supostamente saem ganhando, né? Jogadores têm acesso a um grande catálogo de jogos e, se tiverem o Ultimate, vão poder aproveitar os mais recentes no dia de lançamento. Tudo isso, até então, por apenas R$59,90 mensais. Me parece um acordo muito bom, não? Como CONSUMIDOR eu faria esse acordo! Só que quando a gente para pra pensar, algo não fecha. Como é que uma empresa pode continuar oferecendo tantos jogos por um valor quatro ou até cinco vezes menor do que preço de um único AAA padrão? Desde lá atrás que eu me deparo com gente falando que o Game Pass não era um modelo de negócios sustentável e em algum momento a conta chegaria. Bom… chegou!

Eu nunca assinei o Game Pass. Mais de um amigo já me recomendou, sempre batendo na tecla do custo-benefício, o catálogo, os jogos “day none”, etc; e eu desconversava por não ter o menor interesse no serviço. Mas não é porque eu achava que aquilo não tinha futuro a longo prazo, nem mesmo pensei nesse aspecto. O que acontece é que o meu hábito de jogar torna o Game Pass completamente irrelevante para mim.

Basta pegar qualquer uma das minhas listas de Jogospectiva que dá para ver como eu estou fora desse circuito do hype. É pouco comum eu jogar qualquer coisa no seu ano de lançamento porque eu me recuso a gastar mais do que R$80,00 num único jogo e porque tem algo que puxa meu interesse. Por exemplo, eu ia comprar Hollow Knight: Silksong no lançamento, porém eu comecei a jogar Lufia II, um RPG do Super Nintendo e desisti da compra. Daqui um ano quando meu backlog estiver vago eu vou lá e compro.

Acredito que tem bastante gente assim como eu aí pela comunidade gamer no sentido de não se importar tanto com lançamentos. Mas é evidente que nessa bolha de internet existe uma galera picada pelo mosquitinho do hype e precisa jogar o quanto antes para fazer parte do discurso público. Aproveitando que citei Silksong, uma anedota especial que presenciei no dia do lançamento dele foi um cara que exatamente três horas depois do jogo ficar disponível nas plataformas já estava criando uma postagem para perguntar quais eram as impressões sobre o jogo. Se essa gana pelo consumo imediato é tão visível para nós, pessoas comuns, pode ter certeza que as empresas estão mais cientes ainda.

O Game Pass então consegue juntar a fome com a vontade de comer. Ele é perfeito para esse tipo de gamer que está desesperado em consumir, mas carece do dinheiro para tal. De novo, R$59,90 para ter um Indiana Jones and the Great Circle, DOOM: The Dark Ages, Clair Obscur: Expedition 33, entre muitos outros disponíveis “day one” parece algo bom demais para ser verdade. Porque é! Acredito que os assinantes imaginavam que alguma hora haveria um aumento, só não esperavam que seria um de 100% assim do nada.

Ou melhor, “do nada”.

Eu acho ingênuo pensar que a Microsoft decidiu mês passado que teria que dobrar preço do Game Pass Ultimate. Existe planejamento para esse tipo de ação. Só não tem como a gente saber exatamente quando isso foi decidido. Mas se me perguntarem, eu não duvidaria que desde o começo a marca dos U$29,90 fosse a esperada para o serviço. Alguns comentários que me deparei nessas últimas horas falavam como o preço do Game Pass era baixo porque a empresa queria conquistar um mercado rápido. Em sua maior parte eu imagino que seja isso mesmo.

Porém também tenho para mim que o principal objetivo do Game Pass foi sempre acostumar o maior número de consumidores com a ideia de ter lançamentos disponíveis no “day one”. O Xbox ajudou a alimentar mais um pouco essa cultura do hype, oferecendo uma certa segurança e criando uma dependência pelo modelo. Assim é muito mais fácil você convencê-los a pagar mais para manter esse hábito de acesso imediato que foi construído nos últimos anos. E eu acho que vai funcionar!

Claro que nesses primeiros dias haverá um alto número de assinaturas canceladas. Porém vocês acham que vai ser algo como 30%, 40% da base atual? Olha, se o Game Pass perder uns 10%, algo por volta de 3,5 milhões de usuários, vai ser muito. Parte vai migrar para um dos modelos mais baratos e outros devem continuar no Ultimate como se nada tivesse acontecido. Mas abandonar completamente o serviço? Poucos! Talvez eu esteja sendo apenas pessimista porque fico lembrando das 33,2% pessoas que responderam uma pesquisa e disseram que achariam justo se GTA VI custasse R$600,00.

Não me surpreenderia se dentro de alguns dias surgisse alguém com uma planilha listando todos os lançamentos que estiveram disponíveis no Game Pass Ultimate e o preço real deles em outras plataformas na mesma época. Tudo para mostrar o quanto a gente ainda teria economizado se o plano custasse esses R$119,90 já em janeiro e que esse modelo compensa. Porque se por um lado a cultura do hype é insustentável, do ponto de vista financeiro ou do tempo hábil para jogar, do outro lado ela já se enraizou o na comunidade. O suficiente para deixar o gamer suscetível a aceitar qualquer solução mágica que promete lhe dar a chance de aproveitar todos os seus joguinhos por um preço supostamente acessível.


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