Semanas atrás um colega meu do Twitter e seguidor assíduo aqui do blog me marcou numa corrente. A ideia era citar os jogos que foram mais influentes na sua “formação gamer”. Gosto desse tipo de corrente porque me dá chance de recomendar alguns jogos mais antigos que, como vocês podem ver pelos textos que eu faço, quero manter a memória deles viva e apresentá-los a uma nova geração de jogadores.
Pois bem a minha lista foi composta de: Claw, Phantasy Star IV, The Secret of Monkey Island, Dino Crisis 2 e Shadow of the Colossus. Na thread eu explico o motivo de cada uma dessas escolhas e aqui eu reafirmo que todos esses cinco foram bem importantes pra me empurrar mais um pouco para dentro da mídia dos jogos. Desde que eu fiz a thread eu tenho pensado um pouco nela e cheguei a conclusão que existia mais um título que não só deveria ter entrado na lista como também tem uma influência muito maior do que cada um dos citados. Talvez ele fique atrás apenas de Phantasy Star IV no quesito de carinho que eu nutro por determinado jogo.
E o título era ninguém menos que:


Mas afinal, quem é Brave Fencer Musashi? Já aviso de antemão que essa será uma introdução bem longa.
O jogo é uma produção da Square quando ela ainda era a Squaresoft e a primeira impressão que Musashi passa é que ele seria mais um jogo de ação-aventura tentando ser o The Legend of Zelda: Ocarine of Time para o PlayStation. Eu mesmo costumo a me referir a Brave Fencer Musashi como o “Zelda do PS1”. Porém esse é um leve engano, uma vez que o que separa o lançamento desses jogos são poucos meses, com Musashi vindo até antes que o Ocarine of Time. De qualquer forma, ambos são exemplos da guinada para os gráficos 3D que vinha acontecendo há algum tempo naquela época.
Falando estritamente em jogabilidade, Brave Fencer Musashi é mais um representante dos jogos de aventura dos anos 90 com uma gameplay orientada para ação, adicionando também alguns elementos de RPG na evolução do seu protagonista homônimo. Outros detalhes que daria para pontuar seria a inclusão de um sistema de dia e noite, além de dias da semana, que tem efeitos em algumas das missões bem como no funcionamento das lojas do jogo. No mais, você pode imaginar o restante da gameplay. Você explora dungeons, consegue novos ataques, consegue itens que lhe dão acesso a novas áreas, interage com NPCs para saber o que tem que fazer e, no final de cada capítulo, enfrenta um chefão.


O maior diferencial que a gente poderia citar aqui é a personalidade de Brave Fencer Musashi. O jogo tem o mesmo tom leve que víamos em aventuras noo estilo de Zelda daquela década, contudo há uma grande ênfase na comédia. Não são piadinhas aqui ali, o jogo todo aposta numa atmosfera cômica. Isso vai desde as dezenas de trocadilhos com tipos de comida e bebidas nos nomes dos personagens – e o próprio reino do jogo, Allucaneet, que é uma piada com restaurantes do tipo “coma tudo que puder” – até o jeito do protagonista Musashi que tem toda a energia de um personagem desenho matinal. A abordagem mais lúdica também é muito aparente tendo o jogador a possibilidade de comprar action figures dos personagens e inimigos que você pode deixar na embalagem ou brincar com eles no quarto de Musashi.
Brave Fencer Musashi gozou de um moderado sucesso nas vendas e teve uma recepção positiva da crítica. Se você perguntar para alguém que chegou a jogá-lo no auge do PlayStation, as chances são que ouvirá muitos elogios. E possivelmente muito carinho. O jogo tinha o potencial de virar uma franquia, mas infelizmente a Square largou de mão e foi fazer uma sequência, um tanto decepcionante, somente 7 anos depois e assim perdendo o timing para serializar o jogo e assim o que restou foi apenas a memória do primeiro jogo.


Eu sou uma dessas pessoas que teve a sorte de jogar Brave Fencer Musashi na época que o PlayStation estava em alta aqui no Brasil. E as memórias que eu criei do jogo naquela época estão marcadas a ferro na minha cabeça. Tanto é que vira e mexe eu me pego lembrando de algum momento do jogo no meu dia-a-dia. Eu não tenho um hábito tão frequente de voltar aos jogos que já zerei, reservo isso a apenas raras exceções como Chrono Trigger. Brave Fencer Musashi também é uma delas que em algum momento eu volto a jogá-lo. Mas diferente de Chrono Trigger ou até mesmo Phantasy Star IV, há algo especial no caso desse jogo.
Eu visitei Brave Fencer Musashi em três momentos distintos da minha vida: na infância em torno dos meus 8 ou 10 anos, na adolescência durante o Ensino Médio é há alguns dias agora como adulto. E a impressão que eu tenho do jogo não mudou significativamente nesse período, pois eu continuo achando Brave Fencer Musashi um bom jogo. E toda vez que eu jogo, há sempre um sentimento gostoso de nostalgia em reviver as memórias mais inocentes de quando eu era uma criança e contrastar com as impressões de um adolescente e então adulto mais experiente com jogos. Então hoje queria dividir um pouco mais com vocês como tem sido a minha experiência com Musashi ao longo da minha vida.
INFÂNCIA: O PRIMEIRO CONTATO


De todas as fases da minha vida com Brave Fencer Musashi essa certamente é a que tem o maior impacto. Até porque foi onde desenvolvi esse laço emocional com o jogo que eu tenho hoje. E tem vários fatores que estimularam essa forte conexão com Musashi.
Era um dos poucos jogos que eu tinha no meu PlayStation, herdado de uma antiga locadora da minha prima, que foi um dos consoles que eu mais estimava. E como eu disse, era uma pessoa mais inocente e com muito menos experiência em jogos portanto muita coisa me maravilhava com facilidade. Também tem as memórias de conversar e jogar Brave Fencer Musashi com meu melhor amigo, que também me acompanha desde a infância, e memórias são sempre melhores quando você tem alguém pra compartilhar.
E para mim esse talvez seja o ponto chave para eu gostar tanto desse jogo. Eu considero Brave Fencer Musashi muito bom – acho até que ele foi subestimado por não ser um nome tão grande como um The Legen of Zelda – mas eu não tô pensando exatamente nessa qualidade quando falo dele. O que eu penso é em todas essas memórias que eu criei e para minha surpresa eu ainda consigo me lembrar quase que 100% delas.


Por exemplo, eu lembro de que eu tinha um caderno que usei durante tempo porque uma professora do fundamental achou que seria bom eu fazer um pouco de caligrafia. E nesse caderno eu anotava várias dicas de coisas que eu ia descobrindo no jogo. Era praticamente um detonado não-estruturado. Inclusive eu lembro do detalhe de que, como nas caixas de diálogos de Musashi algumas palavras eram destacadas em vermelho, eu criei o hábito de fazer o mesmo no caderninho.
E isso me ajudava horrores porque ao destacar as palavras eu conseguia identificar com mais facilidade quais eram as informações importantes do jogo. Lembro também de toda a dificuldade que eu tive com o jogo. Ora porque eu tinha um total de zero conhecimento com inglês então passava metade do tempo explorando o mapa tentando descobrir aonde ir e o que fazer. E ora por alguma parte do jogo que eu agarrava por falta de coordenação motora mesmo.
Tem uma parte de Brave Fencer Musashi, para citar outro exemplo, em que uma usina próxima ao casto vai explodir e você precisa correr contra o tempo para despressurizar os canos para liberar o vapor. Então você tinha que subir três andares da usina e interagir com 8 válvulas diferentes, precisando apertar o botão no momento exato em que o cursor estava zona correta do medidor. Mais uma vez eu me recordo de toda a ansiedade que eu ficava nessa parte e como minhas mãos suavam ao chegar na última válvula que era a mais difícil de se certar o tempo certo.


São essas coletâneas de memórias, memórias felizes, que eu criei lá no passado que eu consigo acessar até hoje e sentir aquela alegria inocente de quando eu era criança. Poucos jogos daquela época conseguem causar o mesmo sentimento e até mesmo os que conseguem não o fazem com a mesma intensidade que eu sinto com Musashi.
ADOLESCÊNCIA: REENCONTRANDO UM AMIGO


Eu não estou tão certo do período em que joguei Brave Fencer Musashi. Acredito que foi em algum momento dos três anos que passei no Ensino Médio porque foi quando eu renovei meu interesse por emulação de jogos. E a decisão de voltar ao Musashi foi motivada por uma pendência da infância que eu precisava resolver.
Apesar de eu ter gostado tanto do jogo naqueles anos, eu nunca cheguei a zerá-lo. Eu fui até o último chefão, mais de uma vez até, entretanto não cheguei passar dele. E olha que não era difícil, é que simplesmente nunca me recorreu que o jeito de causar dano era atirar a espada nele e usar a habilidade de absorver o poder dos inimigos. E esse negócio de pendências é algo que eu tô resolvendo até hoje porque anos atrás baixei Claw também pelo único e exclusivo motivo de derrotar o chefão da fase do porto.


Mas enfim, esse reencontro com Brave Fencer Musashi foi graças aos emuladores já que eu nem faço mais ideia em que lugar o meu antigo PlayStation foi parar. E uma das coisas que mais me chamou atenção ao voltar pro jogo foi o quanto eu me lembrava dele. Sabe quando você viu um filme tantas vezes que começa a repetir as frases dos personagens? Foi um pouco isso que eu senti. Parte por parte, eu conseguia lembrar exatamente o que era necessário ser feito sem me preocupar muito com as falas dos NPCs.
E não é nem que eu tenha uma boa memória. É porque, como eu falei, eu consegui lembrar de todos os perrengues que passei ao longo de Brave Fencer Musashi e isso fortaleceu tais recordações. Por exemplo, numa dada parte do jogo você precisa ajudar a consertarem a gôndolas. Para isso, o conselheiro do castelo diz que você precisava encontrar “3 carpinteiros e um Gizmo”. Sendo uma criança que manjava nada de inglês, e o pelo fato do personagem ter falado Gizmo com letra maiúscula, eu imaginei que aquele se tratava de ou de um dos vários NPCs que eu tinha que resgatar ou então um dos moradores da vila. Então eu gastei um grande tempo na vila, testando cada horário do dia e da semana em cada casa para ver se encontrava o tal do Gizmo.


E foi só depois de decidir explorar os mapas que eu já tinha visitado que eu descobrir que Gizmo na verdade era um item. Gizmo em inglês significa engenhoca e bastava eu descer até a mina para encontrar o lugar onde havia vários dessas engenhocas estocadas.
Por lembrar disso tudo, e também por ter um pouco mais de experiência com jogos de ação-aventura, eu avancei bem rápido no jogo. Quando eu era criança levei mais de 200 dias do jogo até chegar na última dungeon. Já como adolescente foi algo em torno dos 70-80 e isso porque fiquei fazendo grind para deixar todos os atributos no máximo. Também corri um pouco porque eu queria chegar no chefão logo para acertar as contas.
Depois de finalmente zerar Brave Fencer Musashi pela primeira vez eu senti um novo tipo de alegria. O jogo divertiu bastante e eu tinha um pouco mais de consciência para reconhecer suas qualidades de fato, ainda que como adolescente eu não pensava em jogos nesse sentido de decidir se era bom ou não, só queria meu entretenimento. E acho que foi daí que veio a alegria. Não foi por ter zerado, não foi por estar jogando algo bom, é por ver o quanto eu conseguia me divertir com Brave Fencer Musashi na mesma intensidade de anos atrás.
Dado o feliz reencontro, eu me despedi do meu velho amigo e segui com a minha vida sem saber se um dia voltaria a revê-lo. E aí chegamos a semana passada!
VIDA ADULTA: A CRIANÇA INTERIOR AINDA VIVE


No final do ano passado, acredito que em dezembro mesmo, eu fiz uma lista de jogos que pretendia jogar em 2022. Alguns eram títulos que eu conhecia de nome e queria finalmente testá-los e outros eram jogos da minha infância e adolescência que eu estava a fim de rejogar. Obviamente Brave Fencer Musashi teve sua vaga garantida. Acontece que eu enchi a lista de RPG de forma que tomaram tanto do meu tempo que eu acabei me esquecendo de alguns itens.
Até que um belo dia, 10 de novembro pra ser exato, uma postagem sobre o aniversário de 24 anos de Brave Fencer Musashi passou no meu feed e a vontade de jogá-lo me encontrou de novo. Enrolei mais um tempo porque tinha algumas coisas que precisava terminar, como Hollow Knight, Quest64 e Brok: The InvestiGator, mas deu tempo de jogá-lo antes das minhas férias.
E como foi bom revisitá-lo… de novo!
Agora que eu estou bem mais velho do que quando joguei Brave Fencer Musashi, tanto na infância quanto adolescência, eu tenho um pouco mais de conhecimento sobre vídeo games. Por conta disso, várias coisas do jogo que eu não costumava pensar passaram a ficar mais aparentes para mim. Agora eu vejo que a dublagem de Brave Fencer Musashi não é das melhores para boa parte do elenco, a rotina dos NPCs dentro do sistema de dias é bem rudimentar, alguns personagens são introduzidos e o jogo não aproveita eles em nada até aparecerem de novo para um luta. Alguns desses personagens inclusive simplesmente são esquecidos no final do jogo.


Esse tipo de detalhes passavam direto sobre a minha cabeça, mas dessa vez eu não consegui deixar de reparar neles. E isso fez eu gostar menos do jogo? Nem um pouco!
Um dos benefícios da vida adulta é perder um pouco daquela emoção extremada da juventude e perceber que nem tudo é preto ou branco. Um jogo ter defeitos não vai necessariamente deixar ele pior quando existem outras características que podem compensar. E considerando o contexto, algum dos defeitos acabam não ficando tão graves. Tendo Brave Fencer Musashi um tom mais puxado pra comédia, a dublagem acaba virando parte da graça. Os NPCs não tem uma rotina muito elaborada, mas também estamos falando de uma época que a própria tecnologia limitava o que você podia fazer. E os personagens que somem… isso não tem jeito, é problema do roteiro mesmo!
Não quero parecer que estou passando pano para os pequenos problemas do jogo, mas de fato eles não impactam tanto a gameplay. Todo o espírito do jogo se mantém, ele ainda te entrega boas lutas com chefões, sempre tem um minigame pra quebrar o gelo. Inclusive um chefão acaba sendo um minigame que vai na linha dessa personalidade mais cômica do jogo.


E existem até momentos que hoje causam um impacto muito maior em mim como adulto do que causaram como adolescente. Um em particular em nem percebi como criança. No jogo tem uma velhinha, a Sra. Lacter, que constantemente te confunde com o neto dela, Bob. Ela que sempre te atende na casa dela enquanto o marido, Sr. Lacter, fica trabalhando na horta. A partir da segunda metade da história, a Sra. Lacter começa a tossir muito e num dos diálogos ela menciona como esqueceu de comprar um brinquedo para você.


Quando chegamos no final do jogo, um dos NPCs que costumava ficar na hora junto com o Sr. Lacter nos diz que ele sumiu da horta. Quando você bate na porta quem te atende é ele e não a esposa. O senhorzinho então te entrega um boneco, dizendo que foi um presente da Sra. Lacter. O Musashi pergunta onde ela está porque ele gostaria de agradecer e o marido responde: eu falo para ela. Cuida bem desse brinquedo!
O jogo não precisava adicionar essa pequena história. Não afeta a trama principal. Mas nos afeta! Depois de passar tanto tempo naquela cidadezinha você acaba criando uma conexão com aqueles personagens. Você se sente parte daquele local. Então a morte de um dos habitantes acaba te afetando também. E hoje adulto, já tendo que lidar com a perda de entes queridos, é um momento que deixa uma marca muito mais profunda do que quando eu era mais jovem.
Eu volto pra Brave Fencer Musashi por momentos como esse. Pequenos detalhes que antes eu não percebia ou não conseguia compreender e que fortalecem a experiência que eu tive. Mas não apenas isso, ao mesmo tempo eu ainda consigo rever e sentir novamente aquela alegria mais pura de quando eu jogava por jogar, eu ainda consigo me lembrar de como me maravilhei com várias partes desse jogo naquela época. Então mesmo que agora eu tenho uma visão mais adulta sobre o jogo, aquela criança que o jogou nos anos 2000 ainda está aqui dentro.
E O FUTURO?


Não tenho dúvidas que daqui talvez uma década ou menos eu venha jogar Brave Fencer Musashi. Passado mais algum tempo eu irei revisitá-lo. Depois farei isso de novo. De novo. E de novo! Quantas vezes o tempo e a vida me permitirem. E eu espero que em todas essas futuras revisitas eu consegui sentir a mesma felicidade que eu senti há vinte anos, depois dez e agora uma semana e pouca atrás. Esse é um jogo que certamente vai me acompanhar em memória e sentimento.
Brave Fencer Musashi não me fez mudar a minha visão de mundo. Tão pouco me fez encarar vídeo games de uma forma diferente. Essas mudanças aconteceram paralelo a ele. E ainda assim eu sinto que ele é o talvez o jogo da minha vida pois me diverti com ele quando criança. Me diverti novamente como um adolescente. E continuo me divertindo com ele ao chegar na vida adulta. Todas as três fases com a mesma intensidade, talvez até mais conforme eu fiquei mais velho.
E não dá pra eu por em palavras porque especificamente eu me sinto tanto conectado com esse jogo. Tentei ao longo desse texto, porém não acho que consegui dar uma razão definitiva. Até porque acho que razão tem muito pouco a ver com isso e sim emoção. Não tem como vocês saberem o porquê de eu gostar tanto dele da mesma forma que eu não vou entender o porquê de vocês gostarem tanto dos seus jogos da vida. E está tudo bem, porque isso são experiências pessoais. Elas importante única e exclusivamente para nós mesmos. E fico feliz de continuar sendo feliz com Brave Fencer Musashi!
Acho que o jogo que melhor representa pra mim o que Brave Fencer Musashi representa pra você é God of War 2. Joguei ele há algumas semanas e senti a mesma nostalgia que você, inclusive lembrando de boa parte das coisas que precisava fazer no jogo. Não tem como, poucas coisas são mais fortes que memória afetiva.
Memória efetiva e Vampire Survivors são as únicas coisas mais fortes que o crack