á mencionei algumas vezes no Twitter que desde a adolescência que eu me tornei um grande fã de terror. Isso se concentra mais na parte do cinema, fora um ocasional livro do Stephen King que eu pego para ler de vez em quando. Mas é claro que eu também adoro quando o terror marca presença nos jogos.
De uns tempos para cá eu tenho procurado conhecer mais títulos do gênero para vídeo games. Principalmente aqueles que fogem um pouco do mainstream de survival horror e outros subgêneros do tipo. Dito isso, vamos para um jogo do mainstream de survival horror e outros subgêneros do tipo: Silent Hill 3!
Não vou gastar o tempo de vocês falando sobre Silent Hill. É uma franquia mais do que conhecida que não carece apresentações. E também porque isso terminaria comigo xingando as decisões dos últimos anos da Konami por 10 minutos direto. Portanto vou pular direto para o tema do texto.
O MAPA MAIS ASSUSTADOR DE SILENT HILL 3
Já disse aqui que quando o assunto é Silent Hill eu gosto apenas de metade da franquia que seria a sua época de ouro. Ela vai do primeiro até o Silent Hill 4: The Room. Cada um dos quatro primeiros jogos é especial para mim de um jeito diferente. E no caso de Silent Hill 3, tem tudo a ver com o arco pelo qual a protagonista da vez, Heather Manson, passa ao longo da trama.
Situado dezessete anos depois dos eventos do primeiro jogo, Silent Hill 3 aborda temas sobre feminilidade, amadurecimento e identidade. Ele utiliza do terror psicológico, que fez a série se destacar, como uma ferramenta para tratar de medos e traumas associados a esses temas.
A razão de eu citar esses temas é porque acho que eles, junto com o fato de agora a protagonista ser uma jovem adolescente e não outro arquétipo do everyman como foram os casos de Silent Hill 1 & 2, são fundamentais para entender o que eu considero ser o cenário mais assustador de Silent Hill 3: a Estação de Metrô de Hazel Street.
“Aí sim, Belmonteiro! Esse mapa é de trancar o c… pera, A ESTAÇÃO DE METRÔ?!”
Se você é uma das cinco pessoas que eu estimo que lerão esse texto no futuro saiba que eu entendo perfeitamente a confusão que estão nesse momento. O mapa da estação de metrô, a primeira vista, parece uma escolha bem estranha para o hiperbolismo que eu fiz. Creio que todo mundo consegue citar pelo menos dois cenários do jogo que acham mais assustadores. Tô partindo só de um achismo mesmo. Suponho que essa parte do metrô de Silent Hill 3 deve ser considerada uma das seções mais chatas do jogo todo. Se não a mais chata, tanto na perspectiva de atmosfera quanto de gameplay.
É fácil imaginar porque as pessoas achariam isso, afinal é um mapa bem curtinho que quase não tem inimigos. E eu gostaria que não tivesse um inimigo sequer em todo esse mapa. Além disso também não tem nem um puzzle que seja minimamente envolvente de se resolver no metrô. Mas então por que eu acho que esse cenário é tão interessante? Ou melhor, tão aterrorizante? Para isso vamos ter que fazer um desvio para eu explicar o que me “assusta” em obras de terror.
A EMPATIA NO TERROR
Eu já estou por volta de uma década e meia consumindo obras de terror de diferentes mídias, épocas e gênero diferentes. Mas não apenas como forma de entretenimento básico do dia-a-dia. Eu gosto de pesquisar sobre os diferentes títulos, ver diferentes interpretações sobre os conceitos abordados pela obra e fazer minhas próprias reflexões. Claro que eu não me aprofundo tanto como canais de video essay tipo o Ryan Hollinger e Acolytes of Horror, contudo gosto de pensar que eu vou um pouco além do que a “audiência média” de obras do tipo.
Pra quem divide esse mesmo hábito comigo, é quase um senso comum que quanto mais você se aprofunda nesse universo mais difícil fica para um filme, ou um jogo, te dar medo ou assustar. Não levar em consideração os jumpscares, digo daquele medo que você nem consegue olhar pra tela.
Isso não tem nada a ver com uma coragem inerente — embora admito que contribui bastante — é mais que, numa forma bem superficial, seu cérebro se “acostuma” com os elementos, cenários e convenções tradicionais do gênero. De tal forma que tudo lhe parece bem familiar e não te afeta tanto quanto afetava quando você começou a assistir. Principalmente no que tange aos sustos mais comuns, lê-se aqui os jumpscares baratos, que costumam empregar em obras de terror. Estou olhando pra vocês, cenas de espelhos. Eu já vi muitas vezes as pessoas alheias a esse processo natural concluindo de forma errada que um filme de terror não é bom porque não ficaram assustadas. Às vezes indo mais longe e dizendo que nem é de terror. Agora estou olhando pra vocês aí que não entenderam o verdadeiro terror do filme Midsommar.
Se eu fosse usar esse parâmetro eu conseguiria dizer que vários dos títulos mais famosos de survival horror não são bons jogos de terror. A maioria deles não me deixou particularmente assustado. Sim, volta ou outra eu tomo um susto e começo a olhar para porta do quarto achando que eu vi um vulto. Mas dificilmente um jogo de terror vai me assustar a ponto de eu parar de jogar e ir dormir de luzes acesas. Entretanto a minha visão do gênero de terror vai um pouco mais além de tomar susto ou ter dificuldade pra dormir depois de jogar/assistir algo.
Antes de continuarmos, não quero dizer que nada me assusta. Em mãos competentes até o cenário comum consegue me perturbar profundamente. Fatal Frame tá aí como um exemplo de um dos jogos de terror que conseguiram legitimamente me deixar ~apreensivo~ do começo ao fim. Entretanto, conforme eu mergulho mais nesse abismo, eu vejo que o terror geralmente é mais efetivo comigo numa questão, hã, reflexiva talvez. Ok, não sei qual é a palavra certa aqui. O que quero dizer é que, geralmente, eu fico assustado quando pego pensando nas implicações dos conceitos apresentados pela obra. Ou então quando consigo colocar na pele dos personagens da trama.
Acho que nem todo mundo para pensar no quão essencial é a empatia para o gênero de terror. Sim, eu disse empatia: a capacidade de você sentir o que uma outra pessoa sente caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela, ou seja, procurar experimentar de forma objetiva e racional o que sente o outro a fim de tentar compreender sentimentos e emoções. Copiei isso tudo descaradamente do Google!
Talvez seja porque muitas obras de terror tratem seus personagens de maneira descartável. A maioria está lá só para ter uma cena de gore quando forem pegas pelo assassino ou o monstro da semana. Porém um bom filme de terror consegue fazer que tenhamos conexão mais significativa com eles.
Hora de citar alguns exemplos que ilustram bem o que eu quero dizer.
Um bom tempo atrás o Red Letter Media lançou um episódio no quadro deles, Re:View, sobre o filme O Exorcista. Não sei quantos de vocês estão cientes, mas esse filme já teve a reputação de ser um dos filmes mais assustadores do cinema. Entretanto, audiências modernas não tem a mesma percepção, alguns acham até o filme mais cômico do que perturbador. Apesar disso, o Jay expõe no vídeo a sua visão do porquê ele considera O Exorcista um filme assustador. Ele toca exatamente no fator da empatia que eu mencionei. O Exorcista é efetivo para o Jay - e para mim também, diga-se de passagem – pelo fato dele conseguir se colocar no papel da mãe da menina Regan. A personagem está vendo sua filha sofrendo por coisas que ela nem acreditava serem possíveis e não pode fazer nada para ajudá-la.
À parte dos elementos sobrenaturais dO Exorcista, o conceito mais verdadeiramente perturbador do filme é essa ideia de você ver um ente querido seu sofrendo e não ter a capacidade para salvá-lo. Nem ao menos minimizar a sua dor. Tudo que você pode fazer é observar, impotente, enquanto ele agoniza.
Num segundo exemplo, esse é mais recente e tem um tema familiar com o de O Exorcista mas sem a questão religiosa, eu gostaria de citar e recomendar Relic, de 2020.
O filme conta a história de uma mãe e uma filha que voltam a morar na casa da avó que desapereceu. Mas mais misteroisamente que ela sumindo é quando ela reaparece logo em seguida como se nada tivesse acontecido. A princípio parece outro daqueles filmes de casa assombrada, porém Relic é bem mais profundo que um mero caso de uma criatura paranormal que atormenta uma família.
O verdadeiro horror vem da trágica experiência vivida pela mãe e sua filha em um parente definhando por conta de uma doença mental e toda angústia de lidar com essa situação. Agora que foram dadas todas essas explicações acho que fica mais fácil entender o porquê de eu achar o mapa da estação de metrô de Silent Hill 3 aterrorizante.
UM MEDO MUITO REAL
Não é que o mapa seja de fato assustador. Ele nem mesmo utiliza em larga escala os visuais perturbadores que Silent Hill emprega para causar repulsa ou inquietação nos jogadores. Porém existe uma sutileza na atmosfera da estação de Hazel Street que tem muito a ver com o fato de estarmos controlando uma personagem feminina. Sendo assim, e com ajuda de relatos que eu já ouvi, o sentimento forte de desconforto começou a aflorar dentro de mim.
Conforme eu caminhava pelos corredores da estação, surgiu dentro da minha cabeça uma pequena paranoia que foi crescendo a cada minuto que se passava. Isso aconteceu porque, por um breve momento, eu me desconectei da minha realidade e tentei me inserir na realidade de Heather. A partir daquele momento eu não era mais um rapaz de vinte e tantos anos com cerca de 1,90m de altura, mas sim uma adolescente de 17 anos andando desacompanhada por uma estação completamente vazia.
Mesmo sabendo que tudo não passava de um jogo, eu não conseguia me desassociar da ideia de estar sozinho, longe de casa e de certa forma vulnerável. E assim eu fiquei imaginava o que podia estar passando pela cabeça da Heather naquele momento. Quanto mais eu fazia isso, mais eu notava que a minha verdadeira preocupação naquela hora não era nem encontrar um dos monstros que já havia enfrentado no shopping, tanto é que quando apareceram os Double Heads me senti aliviado. O que eu temia de fato era esbarrar com alguém, um homem mais velho ou então um grupo de rapazes parados ali na estação perguntando se “a mocinha precisa companhia?”.
É isso que me deixa fascinado e perturbado pela estação de metrô de Hazel Street de tão real que é a atmosfera e o terror que esse cenário cria. Ainda que não seja um tipo de experiência que eu presencio na minha realidade. E para não pensarem que eu estou exagerando, tentem puxar da memória agora se em alguma festa ou encontro com um grupo de amigos você presenciou a seguinte situação: uma das suas amigas avisa que está indo embora. O que geralmente acontece? Quase de imediato outra pessoa diz que irá acompanhá-la até o ponto de ônibus.
Caso você nunca tenha prestado atenção nisso, pergunte agora para sua mãe, irmã, tia, prima, namorada, esposa ou qualquer amiga próxima se algum dia elas ficaram sozinhas num ponto de ônibus ou estação de metrô a noite. Na verdade não precisa nem ser de noite, só precisa ser num horário em que elas estavam desacompanhadas e não tinha uma viva alma ao redor. Se elas responderem que sim, peça para tentarem te explicar como elas se sentiram naquele momento e tente fazer um esforço para se por no lugar delas.
Tenho certeza que o quer que elas te disserem vai ser exatamente o motivo pelo qual eu temi pela segurança da Heather muito mais naqueles breves minutos na estação de Hazel Street do que todas as horas passadas no Otherworld.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Terror vai muito além do de um susto. O terror de verdade mexe com questões mais profundas da nossa existência, nos desconcentra através dos nossos medos mais íntimos e expõe os lados mais sombrios da mente humana. Por isso empatia é uma “ferramenta” tão importante para nos fazer compreender o que há de tão perturbador em determinada obra, porque por vezes o terror parte de uma vivência que nós não temos.
Então se por no lugar daquele personagem, como foi o meu caso com a Heather, e tentar olhar para os elementos de horror através das lentes deles é o que torna essas experiências tão inquietantes. Dessa forma, até uma simples estação de metrô consegue ser terrivelmente assustadora.
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Muito bom. Nessa linha de empatia no horror lembrei logo de A Mosca, do David Cronenberg. Claro, a criatura em si é um milagre dos efeitos práticos e (muito) assustadora por si só, mas o que torna o filme realmente aterrorizante é como nós nos colocamos na pele do Brundle e nos simpatizamos com o todo o sofrimento que ele enfrenta ao decorrer do filme. A atuação de Jeff Goldblum é excelente, o personagem é interessante e o romance do filme é bem construído, e se tem algo que humaniza personagens é uma relação bem construída. A ideia de que aquele monstro nunca deixa de ser capaz de amar é de partir o coração. Bom, falei demais, excelente texto 🙂
Citou um dos meus filmes de terro sci-fi (que não é um gênero que eu costumo assistir muito) favoritos! E é exatamente isso que você falou. A direção do David Cronenberg consegue te colocar na pele do personagem do Jeff Goldblum e entender as suas ações. Agradeço o elogio e também a contribuição ao texto!
Ótimo texto, Belmonteiro!
A sensibilidade pra se emergir na situação do personagem com empatia é a melhor aliada, na minha opinião, pra realmente apreciar uma obra de terror, e você expôs isso de forma contundente na sua argumentação, principalmente por usar ESSE momento de SH3.
Ps: é muito bom ver um blog funcional, vou ler outras paradas desse recinto! Estamos quase em 2025 e basicamente todo O MUNDO só consome vídeo, isso me intriga um pouco.
Hahaha, sim. Tô nadando contra a maré aqui nesse humilde blog, mas é que eu não sirvo pra qualquer outro tipo de formato. Gosto de fazer texto mesmo! Muito obrigado pelo elogio e espero que goste dos outros textos. Vou ver se consigo fazer mais um sobre Silent Hill pra esse mês (mas não prometo nada porque minha agenda está caótica <-- fica jogando Sifu quando deveria fazer outras coisas)