Na segunda metade de 2022 eu decidi voltar a assistir animês e ler uns mangás que era um hábito que eu nunca cheguei a ter de fato. Em relação aos mangás a gente sabe como essa história se desenrolou, porém no caso animês eu não cheguei a falar muita coisa. E tem um motivo! Ao contrário dos mangás, que eu li uma gama bem variada de obras, nos animês eu fiquei praticamente preso a uma franquia única da qual tenho me tornado fã: Gundam!

Gundam, uma das melhores franquias já feitas pela humanidade
RX-78-2, o primeiro Gundam

Salvo pontuais exceções, como Serial Experiments Lain e Mazinger Edition Z: The Impact, eu passei os últimos meses assistindo uma penca de títulos de Gundam. Desde as séries clássicas até vários OVAs, passando por uns o dois filmes e até um mangá. E ainda tem muito chão para trilhar! Por enquanto eu tenho focado nas séries mais antigas de Gundam que seguem na linha do tempo principal, Universal Century (UC). Tenho planos de assistir mais outras linhas dos tempo ao longo desse ano, mas nada confirmado ainda.

Lógico que depois de investir tanto tempo nessa franquia eu não deixaria de aproveitar a oportunidade para fazer algum texto pro Backlogger. Ou melhor, alguns textos!

Tive a ideia de fazer uma série com três textos – que talvez eu extenda para quatro – falando sobre a minha impressão de cada um dos títulos de Gundam que eu assisti nesses meses. Eles devem sair ao longo do primeiro semestre de 2023 e o quarto, se eu decidir fazer, virá só mais pro fim do ano.

Pois bem, para não virar bagunça, já que é muita coisa, resolvi dividir os textos em categorias diferentes.

Nesse aqui que será o primeiro da série, eu vou falar do começo de Gundam. Então ao longo do texteo teremos críticas sobre o Mobile Suit Gundam original de 1979, Zeta Gundam, ZZ Gundam e o filme de 1988, Char’s Counterattack. Houve a adição também do mangá de Mobile Suit Gundam: The Origin, escrito por Yoshikazu Yasuhiko que trabalhou junto com o Yoshiyuki Tomino, criador de Gundam, nas duas primeiras séries.

E antes de entrarmos no temas, vou adiantar sobre o que serão os próximos textos. O segundo focará em algumas das OVAs de Gundam e possivelmente será o maior da série. Isso porque nesse texto eu falarei de Gundam 0080: War in the Pocket, Gundam 0083: Stardust Memory, The 8th MS Team e, por fim, Gundam: Unicorn (que ainda não assisti) e eu tenho muita coisa para falar deles. Pessoalmente eu considero as OVAs muito superiores as primeiras séries, tanto a nível de produção quanto de roteiro.

O terceiro texto sem dúvidas será o menor porque nele falarei apenas do filme Gundam F91 e a série Victory Gundam que tentaram jogar a série para o futuro do UC. Ainda não assisti nenhum deles, porém estou curioso porque parece que foi uma empreitada que não deu muito certo. Por fim, o quarto texto, se eu o fizer, será sobre as linhas alternativas do universo de Gundam. Porém até hoje eu só vi uma delas que foi Iron-Blooded Orphans. Por enquanto não sei se chegarei a ver mais outras séries de Gundam. Esse ano quero dar chance para uma variedade maior de animês. Logo não tem garantias desse quarto texto.

Ufa! Não queria fazer mais uma introdução longa – já virou um hábito nos meus textos – contudo eu precisava esclarecer todos esses pontos. Agora sim podemos partir para as impressões que tive de cada uma das séries da origem de Gundam. Ah! No caso do Gundam de 1979 e o Zeta Gundam eu vou falar das séries originais mesmo, ok? Ambas possuem uma trilogia de filmes compilados só que não assisti nenhum deles.

Agora bora para os robozões!

1. MOBILE SUIT GUNDAM (1979)

A trilogia dos filmes compilados do Mobile Suit Gundam de 1979
A série original de Mobile Suit Gundam foi cancelada, conseguindo ter sucesso com a
trilogia de filmes compilados produzidos no ínico da década de 80

Falar de Gundam original de 1979 não é difícil. Recomendar sim! Mesmo não sendo a minha série favorita de tudo que assisti, ele pra mim é a obra mais essencial da franquia. E é de meu entendimento que qualquer pessoa que queira entrar nesse universo deve assistir. É a gênese de Gundam, não só porque é o primeiro. É aqui que vemos todos os conceitos que criaram as fundações da franquia se estabelecerem e acho importantíssimo para entender a “filosofia” de Gundam. O problema é que esse é um desenho do final dos anos 70!

Eu sou uma pessoa que gosta de coisas antigas, eu tenho um texto que deixa isso bem claro, mas tenho consciência que essa realidade não se aplica a grande parte do público. Portanto, por mais que eu ache que o Gundam de 1979 é um dos mais “must watch” da franquia, eu entendo que vai ser complicado para o espectador médio, em especial os mais jovens, lidar com alguns “probleminhas” da produção. Por exemplo, por questões de custo os animadores precisavam repetir várias sequências. Virou até um jogo mental meu em que eu tentava identificar quais frames foram repetidos. Num dos exemplos mais notáveis, em determinado episódio mostram por duas vezes a mesma cena do protagonista sendo sacudido na cabine do robô.

Entretanto os problemas de Gundam vão além de algumas animações repetidas.

Cena de batalha de Mobile Suit Gundam (1979)
Apesar da limitação, Mobile Suit Gundam (1979) ainda consegue ter
ótimas sequências de ação

Via de regra, filmes e séries mais antigas tendem a ter um ritmo muito mais lento do que a gente está acostumado a ver em produções modernas. Então a trama do primeiro Mobile Suit Gundam se move bem devagar. A série tem uma abordagem metódica (e por vezes repetitiva) mostrando cada ação dentro de uma batalha. E um telespectador acostumado com um ritmo acelerado com mais foco nas ação terá maiores dificuldades de tolerar. Até mesmo se ele estiver ciente que Mobile Suit Gundam como um todo não tem tanta ênfase assim em ação. O ponto forte dessa franquia é sempre a história e como cada título aborda temas relacionadas a guerra. E por isso acho que assistir o Gundam de 1979 seja tão importante.

Aqui somos inseridos numa versão alternativa e futurista da Terra onde a humanidade já iniciou seu processo de exploração e expansão espacial. Nesse universo, duas facções entram num conflito bélico que fica conhecido como a Guerra de Um Ano e extermina metade da população humana. Os dois lados do conflito são a Federação da Terra e o autoproclamado Império de Zeon que visa conquistar a independência das colônias. Para conquistar esse objetivo Zeon criou os chamados Zakus, robôs de guerra pilotados por soldados, que até a chegada dos eventos da série lhe davam a vantagem no conflito.

A maior parte da história e vista pela perspectiva de Amuro Ray, um jovem brilhante vivendo numa pacífica colônia espacial. Porém um grupo de soldados de Zeon ataca a colônia tentando colher informações sobre uma suposta arma secreta desenvolvida ali. Por conta desses eventos, Amuro acaba sendo obrigado a entrar na guerra mesmo sendo nada mais que um adolescente. A arma em questão é o homônimo Mobile Suit Gundam, o RX-78-2. Amuro se torna o seu piloto e passa atuar com a nave da Federação, White Base, no combate contra as forças de Zeon.

Amuro Ray em meio a um surto depois de uma batalha
Um dos principais temas de Gundam são os danos psicológicos da guerra

Os primeiros episódios dedicam-se a fuga da White Base para a Terra, na tentativa de entregar o Gundam para a Federação. Durante todo o processo eles são ferrenhamente perseguidos por Zeon. E nesse período que nos familiarizamos com os principais personagens dessa jornada além de Amuro. Temos Bright Noa que é forçado a tomar o papel de líder quando o comandante morre. Fraw Braw, amiga de infância de Amuro que perde os parentes na guerra. Mirai, Hayato, Ryu entre outros personagens que nos permite a ter perspectivas diferentes dos efeitos da guerra nas pessoas. Também seguimos o ponto de vista do próprio Império de Zeon e suas principais liderenças. Nesse lado se destaca o personagem de Char Aznable, um super soldado de Zeon que se torna o principal rival de Amuro.

Mas eu diria que o principal protagonista de Mobile Suit Gundam é a guerra. Não a Guerra de Um Ano, e sim o próprio conceito de guerra. Gundam se interessa muito em discutir as consequências que ela traz para todos, até mesmo aqueles que não estão diretamente envolvidos por ela. Amuro é que vemos mais sofrer com os efeitos do conflito, pois ao longo dos episódios ele deixa de ser um jovem inocente e cheio de esperanças para o seu futuro e se transforma num soldado cujas experiências da guerra vão minando pouco a pouco a humanidade que lhe resta. A letra da música de encerramento do animê, Amuro Forever, evidencia bem todo o sofrimento psicológico e físico que o personagem passa durante essa jornada.

Há temas políticos fortes em Mobile Suit Gundam que representam a visão do seu criador, o Tomino, a cerca da guerra. Ele discute esses temas com parcimônia e de vez em quando acaba se repetindo muito para reforçar a sua mensagem. Eu não vejo isso como um problema, mas não dá para negar que afeta o aproveitamento da série. Inclusive na sua época de lançamento essa abordagem não chegou a vingar como deveria. Os patrocinadores decidiram cancelar a série quando ela ainda estava em andamento. Se não fossem os filmes compilados que chegaram as telas de cinema no início dos anos 80, Gundam possivelmente não existiria.

Tomino também entra em caminhos mais metafísicos ao criar todo o conceito dos Newtypes. Isso é introduzido mais ou menos na metade da série de 1979 e que vai ganhar mais proeminência na sua sequência. Portanto vou deixar para abordar esse conceito mais a frente.

Apesar de todos esses problemas, eu continuo defendendo que essa é uma das séries mais importantes para se compreender Gundam. Todos os conceitos mais fundamentais da franquia começam a ganhar forma ali e, apesar das limitações da produção de animês da época, os animadores conseguiram fazer um bom trabalho para tentar executar as ideias de Tomino.

2. MOBILE SUIT GUNDAM: THE ORIGIN (2001-2011)

Coleção de mangás Mobile Suit Gundam: The Origin
Aos fracos de coração, não olhem o preço dos volumes

Eu tinha pensado em incluir o mangá como uma mensão honrosa, porém pensando bem ele serve como ótimo complemento ao original como vocês irão ver. The Origin é de autoria Yoshikazu Yasuhiko, o principal designer de personagem das duas primeiras séries de Gundam, e sua contribuição para o sucesso da franquia talvez seja tão importante quanto a de seu criador.

O mangá reconta todo o arco da série de 1979, episódio por episódio, só que na perspectiva do Yasuhiko. “Filsoficamente” falando, a visão dele não difere muito da visão de Tomino. Por isso, grande parte do mangá parece apenas uma tradução da série para esse formato de quadrinhos. Existem diferenças, mas elas são bem pontuais. A ordem de alguns eventos e o destino que é dado para determinados personagens tem pequenas mudanças.

A arte em si não há muito que se comentar além de elogios, principalmente nas sequências de batalha em que o Yasuhiko consegue criar um fluxo compreensível e que não se arrasta. Fica evidente que ele conhece Gundam tanto quanto o Tomino, desde seus personagens até seus temas principais, e assim ele consegue recontar a história com uma tremenda facilidade. A versão colorida, então, é uma maravilha e para quem veio da série as cores acabam se tornando essenciais até mesmo para enfatizar as diferenças estéticas de cada lado da história.

Paginas do mangá: Mobile Suit Gundam - The Origin
Mesmo que o foco da história não seja a ação, Yasuhiko cria sequências carregadas
de efeitos dramáticos que funcionam tão bem que acabam enfatizar as batalhas

Mas então, já que a trama é a mesma, por que motivo, razão ou circunstância você deveria ler esse mangá? A resposta vai da metade do capítulo 35 até o final do capítulo 60, que se não me engano são três volumes da edição americana.

Um problema da série original de Mobile Suit Gundam é que começamos a história numa trégua que acontece no meio da Guerra de Um Ano. Por conta disso, a gente nunca vê o início do conflito entre a Federação e Zeon. Os eventos que levaram até a guerra até são pincelados em alguns diálogos mais para frente no animê, porém na maior parte do tempo a gente só sabe que o conflito existe. E isso é exatamente o que o Yasuhiko corrige no seu mangá.

A partir do capítulo 35, a história dá uma pausa para fazer um extenso flashback que volta cerca de uma década antes dos eventos da série original. Ao fazer isso, o autor nos dá finalmente o panorama das relações políticas entre a Federação e as colônias, especificamente a de Zeon, mostra as tensões que levou a rebelião. Nesses 25 capítulos nós vemos a ascensão da família Zabi, o passado de Sayla e Char, ambos vivendo em lados bem diferente do conflito, o surgimento dos Zakus e os primeiros meses da Guerra de Um Ano.

Parece muita coisa para aglutinar em três volumes, mas a narrativa do Yasuhiko é tão boa que ele consegue desenvolver todo esse arco na medida certa. Não parece que ficou com poucos e nem detalhes demais. Você entende perfeitamente como o conflito entre as duas frentes se organizou e, de quebra, os personagens da Sayla e do Char ficam mais fortalecidos após você compreender melhor o seu passado e o que fez com que cada um seguisse por um caminho distinto em relação a guerra.

Francamente, se o mangá fossem apenas esses capítulos já estaria de muito bom tamanho. E se você não tiver muito interessado em ler os seus 100 e poucos capítulos, eu recomendo a menos que leia os referentes a esse arco. Tem até mesmo um OVA dividido em seis episódios que escolhe adapta exclusivamente essa parte do mangá

Char, Sayla e sua mãe no velório do pai
PS: eu não assisti esse OVA, então não posso atestar sua qualidade. Então não considerem uma recomendação, apenas uma nota de rodapé que existe essa adaptação

E nessa pegada eu gostaria de fazer uma menção honrosa também ao filme animado que lançou em 2022, dirigido pelo próprio Yoshikazu Yasuhiko, chamado Cucuruz Doan’s Island. O filme reimagina a história de um infame episódio da série original que nunca chegou a sair do Japão. Isso foi um pedido do próprio Tomino que achou que esse episódio ficou muitíssimo abaixo da qualidade. Por eu já ter feito uma crítica sobre Cucuruz Doan’s Island eu não irei entrar em mais detalhe, então quem quiser saber mais dá uma conferida no texto depois.

Mobile Suit Gundam: The Origin agrega bastante ao Gundam de 1979 mostrando o início do conflito entre Zeon e a Federação. Para mim, o Yasuhiko conseguiu melhorar imensamente a história original então talvez ela seja um ponto de partida até melhor do que a série já que ela tem qualidades menos datadas.

3. MOBILE SUIT ZETA GUNDAM (1985)

Kamille Bidan
Kamille Bidan, protagonista de Mobile Suite Zeta Gundam

Para muitas pessoas, Zeta Gundam é umas das melhores, senão a melhor, séries da franquia até hoje. E eu não sou nenhuma delas! Concordo que dentre os primeiros animês de Gundam, Zeta é a versão mais interessante de se discutir por bons e maus motivos. Eu não acho ela ruim, pelo contrário, mas também não considero tão fantástica assim. Deve-se dar o devido crédito as melhorias que trouxe para a franquia, porém ainda acho que o original o mais forte dos dois.

Existem qualidades notáveis em Zeta Gundam, como a qualidade maior da animação e algumas escolhas criativas que fortaleceram em muito os temas que o Tomino abriu na série anterior. Tendo um clima bem mais violento e sombrio, sobretudo no desfecho que é completamente desolador, o animê consegue ter um impacto bem forte ao criticar novamente a guerra.

Só que Zeta Gundam, para mim, peca por várias vezes no roteiro e na forma como trata alguns de seus personagens, principalmente as femininas. Não que o primeiro Gundam fosse um primor da representatividade feminina, porém as decisões tomadas com várias das personagens mulheres em Zeta são, no mínimo, questionáveis. E ainda há mais defeitos para se pontuar.

A trama carece de um bom direcionamento para situar o espectador para onde o animê vai e às vezes parece que não está indo a lugar algum. É como se de dois em dois episódios começasse uma nova linha narrativa sem dar a conclusão devida para anterior. Personagens parecem ter personalidades inconstantes que os levam a ações sem sentido e que afetam o seu desenvolvimento. Uma das decisões que me deixa mais perplexo é o fato de uma personagem simplesmente mudar de lado e ajudar a promover um genocídio apenas porque o seu interesse amoroso não correspondeu aos seus sentimentos.

Paptimus Scirocco & Reccoa londe
Reccoa londe tinha o potencial de ser uma das melhores personagens de Gundam
e é completamente sabotada pelo próprio animê no desenrolar da trama

É sabido que durante os anos 80 o Tomino, criador de Gundam, passou por um período terrível na sua vida lidando com depressão. Esse é o tipo de experiência que, com toda certeza vai afeta,r profundamente a sua visão do mundo e, por consequência, a sua escrita. Saber desse fato ajuda a explicar alguma das decisões tomadas nessa série, embora não as torne menos passíveis de crítica.

De qualquer forma, apesar de todas as minhas ressalvas, eu acho que Zeta Gundam é uma ótima sequência do original! E o que faz ela ela interessante de se discutir é exatamente porque você consegue ver muitos acertos acima desses erros.

A história a princípio tem uma trama parecida já que temos mais uma vez um jovem adolescente, Kamille, tendo que sacrificar a sua inocência ao entrar num conflito entre duas outras facções. Mas dessa vez as duas frentes de batalha são formadas pelo Grupo de União Anti Terra (AEUG) e os Titans. E é aqui que Zeta Gundam mostra seu real valor. Um problema do Gundam original é que os dois lados da guerra são representados muito no preto e branco. A Federação da Terra é claramente retratada como os mocinhos da história e suas ações, no geral, não são questionados. Enquanto isso, o Império de Zeon, ainda que possua figuras mais humanas, são os vilões que já para o final da série até começam a adotar uma retórica nazista.

Bask Om, um dos antagonistas de Zeta Gundam
Bask Om, comandante dos Titans, é um dos exemplos que nos faz questionar as ações da Federação

Em Zeta Gundam temos um conflito mais cinzento, pois o surgimento dos Titans mostra um lado mais obscuro da Federação evidenciando o seu autoritarismo. Na história, os Titans surge como uma força de elite criada pela própria Federação para caçar os insurgentes de Zeon restantes. Naturalmente beligerante, o grupo se torna extremamente autoritário e passa por cima de qualquer convenção em ordem a atingir seus objetivos, promovendo até mesmos genocídios pela mínima suspeita de haver apoiadores de Zeon nas colônias. Assim as ações do AEUG se tornam mais legitimadas do que anteriormente as do Império de Zeon que começa como um suposto movimento de independência e termina numa forma de imperialismo espacial.

É também interessante como a história desenvolve alguns dos personagens antigos. Vemos os efeitos da guerra passada em Amuro, Bright Noa é obrigado a questionar seus ideais em relação a Federação e Char acaba deixando de ser um antagonista e vira um anti-herói se aliando ao próprio Amuro. É uma pena que enquanto alguns personagens recebem um ótimo tratamento, outros tem desenvolvimentos questionáveis como o caso já citado acima. Sem contar a tendência do animê de introduzir personagens femininas com o único propósito de servirem de escudo humano, se sacrificando por um dos personagens masculinos.

Four Murasume
Four Murasume, um dos experimentos da Federação que mostra que até mesmo os “mocinhos” são capazes das mais cruéis atitudes para manter o poder

Tomino toma mais liberdade para expandir o conceito dos Newtypes que ele introduz na segunda metade do Gundam de 1979, que seria uma nova etapa da evolução humana promovida pela vida no espaço. Aqui ele coloca os Newtypes sendo usados como máquinas de guerra e mostra mais uma vez a natureza corrupta da humanidade, capaz de usar até mesmo de pessoas sem qualquer escrúpulo na corrida pelo poder.

O anime vai ficando progressivamente mais violento, o próprio Kamille é um protagonista muito mais abrasivo do que Amuro na série anterior, é a trama é construída de forma a deixar bem evidente o quanto a guerra não produz nada além de tragédia. Se ao menos o roteiro fosse melhor direcionado, eu não hesitaria em dizer que é um dos melhores Gundams feitos.

Mas de qualquer forma é uma boa série, apenas com algumas decisões que poderia ter sido evitadas.

4. MOBILE SUIT ZZ GUNDAM (1986)

Mobile Suit ZZ Gundam, uma porcaria!
Nas palavras de J. Jonah Jameson: lixo, lixo, super lixo!

Quando eu estou de bom humor eu digo que Mobile Suit ZZ Gundam é uma bagunça. Porém hoje não estou de bom humor então vou dizer que Mobile Suit ZZ Gundam é uma merda! Eu não vou tentar nem segurar o quanto eu detesto essa série e ela é o motivo que esse texto foi movido da categoria de lista para de crítica porque eu não quero recomendá-lo a ninguém.

ZZ Gundam é o tipo de sequência eu particularmente odeio que são aquelas que parecem existir como uma resposta ao seu título anterior. Zeta Gundam, como dito, é notavelmente uma tomada mais sombria do que o original. ZZ Gundam, todavia, tenta ser o extremo oposto ao adotar uma pegada mais cômica. Isso não deveria ser um problema per se, mas se torna quando a série é uma sequência direta aos eventos de Zeta Gundam.

Havia um tremendo potencial a ser explorado com o novo protagonista, Judau Ashta, que ao contrário de Amuro e Kamille vem de uma família mais pobre que permitiria um olhar de como a guerra afeta pior as classes sociais menos favorecidas. Contudo, o que ZZ Gundam faz é desperdiçar tudo que foi construído anteriormente com um dos pastelões mais sem graça e vergonha alheia possível. A mudança de tom é muito abruta e alguns personagens quem vem da série anterior parecem nem ser os mesmos.

Uma tentativa fracassada de ZZ em fazer piadas
Humor e piadas…

Zeta tinha preparado o terreno para ZZ dar continuidade, criando a excelente antagonista de Haman Karn que lidera o novo movimento de Zeon, Axis. Mas a série coloca a vilã em segundo plano, pondo capangas no lugar para rivalizar com o protagonista e que nunca chegam ter a mesma imponência que a personagem tem na série anterior. Quando ela de fato aparece é decepcionante como roteiro decide usá-la. Ah, e nem me perguntem sobre a Puru!

ZZ Gundam desperdiça seu elenco – o que fizeram com meu Bright Noa, meu Deus? – numa tentativa forçada de criar uma atmosfera mais leve que diminui o peso dos eventos anteriores. E o próprio animê reconhece isso quando a partir da segunda metade ele tenta mudar de tom novamente e voltar a ser uma série dramática. Não funciona. Os momentos soam trágicos no papel, mas sua execução parece uma farsa, uma tentativa desesperada de arrumar o desastre que foi a primeira metade. Um personagem clássico é trazido de volta só para ser morto no mesmo episódio e você não sente nada de tão ruim que essa série é para criar momentos marcantes.

Eu nem vou me alongar nesse tópico porque eu simplesmente não tenho a menor vontade de falar dessa série. ZZ Gundam é um desperdício de tempo!

5. MOBILE SUIT GUNDAM: CHAR’S COUNTERATTACK (1988)

O filme MOBILE SUIT GUNDAM: CHAR'S COUNTERATTACK
O final épico entre a Federação e Zeon

Refletindo agora eu não sei dizer se eu realmente gostei desse filme ou se é porque depois do ZZ Gundam qualquer coisa seria boa. Porque, de fato, comparado ao título anterior Char’s Counterattack é uma obra prima. Isso não exime o filme de cometer alguns tropeços que já haviam sido feitos nos seus antecessores, porém assim como Zeta Gundam no final o salto fica mais positivo do que negativo.

E chega até ser uma surpresa qual é o maior defeito desse história, porque ele foi um dos pontos mais fortes das séries que participou: Char Aznable!

O Mobile Suit Gundam de 1979 e o Zeta Gundam dividem um certo empecilho narrativo que é a gente nunca ver os eventos que levaram ao conflito atual da história. Ainda que seja mencionado em diálogos aqui e acolá, não dá para gente pintar um quadro geral de como chegamos até aquele exato momento. E Char’s Counterattack é talvez o que mais sofra com esse mesmo problema porque ele é intensificado pelos caminhos adotados em Zeta e ZZ Gundam.

Se você chegou até essa parte do texto é seguro admitir que já assistiu as séries então eu vou me dar direito a um spoiler. Char é dado como morto após a última batalha em Zeta Gundam, contudo em ZZ fica implícito que ele sobreviveu e tem atuado nas sombras ainda ajudando o AEUG agora contra as forças do grupo de Neo Zeon. É quando Char’s Counterattack começa o personagem já está liderando mais um novo movimento de Neo Zeon mais uma vez contra a Terra e revivendo sua rivalidade com Amuro.

Char Aznable em  CHAR'S COUNTERATTACK
Isso aconteceu, aparentemente

Existe uma lacuna enorme entre a última aparição dele em Zeta Gundam até o filme e o roteiro nem ao menos tenta explicar o que aconteceu, é algo que a gente simplesmente precisa aceitar houve. Claro que dá para argumentar que o Char nunca foi muito chegado a Terra e é uma filosofia pessoal do personagem que a humanidade deveria mudar para o espaço. Mas forma como ele é introduzido na história, já numa nova guerra contra a Federação parece mais uma convenção do roteiro que não tem mais ideias de como criar conflitos para essa linha do tempo.

Mas eu não consigo nem culpar tanto o filme por isso. Olhando as primeiras séries de Gundam, nota-se que elas são uma bagunça de sequenciamento. Se Char’s Counterattack fosse uma sequência direta do Gundam de 1979 haveria uma coerência maior nos eventos, mas depois de Zeta e ZZ Gundam, reintroduzir o Char no papel de um vilão parece forçado. Até mesmo porque no Zeta ficou estabelecido que ele e o Amuro haviam colocado suas diferenças de lado. E era importante fazer nem que o mínimo de construção para esse novo conflito porque toda a história de Char’s Counterattack gira em torno do choque de visões desses dois personagens.

A parte disso, a animação é impecável, isso não te o que criticar. É bem perceptível a diferença de qualidade do filme para as séries. Do ponto de vista da animação, creio que vocês não encontrarão sequências de ação melhores para essa fase da franquia do que no filme. O ritmo também é um fator importante aqui, já que é evidentemente é a história que se move mais rápido dentre todas as discutidas nos outros tópicos. A tensão vai crescendo muito bem e o Char se mostra um estrategista tão brilhante quanto ele foi um soldado.

MOBILE SUIT GUNDAM: CHAR'S COUNTERATTACK
Inegável que o bonito o filme ficou pra cacete!

Contudo, enquanto se dedica muito tempo nessa conflito de ideais entre o Amuro e o Char, o elenco de apoio não consegue ficar tão desenvolvido quando deveria. Por isso eu questiono a inclusão desse novos personagens já que o filme não teria o mesmo tempo necessário para desenvolvê-los tal como as séries fazem.

O final pode ser anticlimático. Até hoje eu ainda não consegui me posicionar a favor ou contra ele. Eu entendo que toda essa filosofia metafísica dos Newtypes é importante para o Tomino e ele se torna parte essencial de vários personagens, inclusive moldando a visão do próprio Char. Aqui o Tomino eleva isso a décima primeira potência para resolver de uma maneira mais simbólica toda a rivalidade entre Char e Amuro. Só que também parece uma resolução meio preguiçosa que eu arriscaria de chamar newtype ex machina.

Então, assim, acho que é complicado. Eu curti bastante o filme enquanto o assistia, mas depois de um tempo alguns problemas dele foram se tornando muito evidentes para mim. Talvez melhore conforme eu revisite ele mais algumas vezes. Por enquanto consigo afirmar que não é um desastre como vocês-sabem-quem e ao menos termina com um sentimento de conclusão para a história do Amuro e do Char.


Com isso eu encerro as minhas impressões dos primórdios de Gundam. Posso ter soado muito crítico, mas de verdade eu mais gostei do que desgostei de todas essa obras em conjunto. Exceto aquele desastre chamado ZZ Gundam.

E dá para relevar alguns problemas porque o início é sempre mais conturbado pois a franquia ainda estava tentando se entender. Talvez seja por isso que os OVAs, que serão os protagonistas do próximo texto que ainda não tenho data para iniciar, sejam tão superiores pois veem num período em que Gundam já tinha solidificado suas fundações.

Recomendo bastante darem uma atenção ao período mais clássico da franquia, exceto vocês-sabem-quem. E, para quem já conhece Gundam, gostaria de saber quais são as suas impressões das primeiras séries e recomendações para assistir no futuro. Então deixa aí nos comentários!


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3 thoughts on “A (minha) saga Gundam: a origem”
  1. A minha lista de coisas para assistir não para de crescer, Belmonteiro, e a culpa é sua!

    Brincadeiras à parte, eu já assisti os OVAs de Origin e achei excelentes, ainda que com certeza eu não tenha aproveitado 100% por não ter consumido nenhum outro material de Gundam.

    1. Se bobear você começou até pelo melhor lugar que é a origem da origem hahaha. A vantagem que de Gundam que é uma franquia tão diversa que dá pra você entrar nela por várias portas diferentes. Eu, pessoalmente, recomendo agora ou o Origin (mangá ou OVA) ou então o War in the Pocket que é facilmente uma das melhores produções da franquia toda

  2. Talvez seja viés meu, visto que eu considero Zeta Gundam uma das piores obras que eu já vi (ZZ eu nem dei chance), em boa parte pois eu me “forçava” (Entre parênteses pois aparentemente eu não percebi que eu odiava a serie até a metade da mesma, onde eu fui escrever um texto falando positivamente e acabei fazendo um diluvio de criticas sem perceber) a ver quatro episódios por dia.
    Nesse sentido, discordo de você no sentido de que 0079 é “preto no branco” e Zeta não é, eu diria justamente o contrario. 0079 nos mostra a federação tomando atitudes “questionáveis” a serie inteira (O manga do The Origin leva isso um passo adiante ao nos mostrar literalmente crimes de guerra na batalha de Jaburo), e igualmente há momentos de “humanização” de Zeon (Possivelmente o melhor sendo aquela cena onde a mãe e o filho encontram dois soldados).
    Zeta simplesmente faz todos os vilões serem “moustache twirling” “for the sake of it”. Se Zeon agia por uma mistura de ressentimento e nacionalismo exacerbado, os Titans agem pelo simples “Eu sou mal buahahahaha”. Toda e qualquer exceção a isso é um personagem que ou sofreu lavagem cerebral, ou irá eventualmente trai-los em favor dos nossos mocinhos (As vezes ambos).
    “Ah, mas tem uma outra exceção”: Sim, aquele soldado em Dakar que morre e depois é como se nada tivesse ocorrido. Nenhum exemplo é pior que o Jared, já que nunca sabemos o porque dele achar que os Titans terem razão (Ou, se ele sequer acha isso, o porque de estar na organização mesmo assim). Se a rivalidade dele com o Kamile fosse puramente pelo desencontro no começo da serie e a subsequente morte do Kacricon, já seria ruim, mas seria “servivel”. Infelizmente a serie vai um passo alem pro mesmo personagem dizer que a rivalidade com o Kamile não é por vingança… então é por que?
    O maximo que da pra forçar é o mini info-dump que o Sirocco da nos episodios finais sobre as proprias motivações, mas mesmo assim…

    A pior característica, porem, é possivelmente a sensação de que o verdadeiro enredo está sempre ocorrendo “em off-screen”, enquanto perdemos tempo vendo batalhas sem stakes pessoais nem relevantes (Tenho quase certeza que tem quatro episódios seguidos que são o Kamile apanhando o episódio inteiro, acertando um golpe e então o adversario fugindo… definição de “blue balls”).
    Zeta Gundam sofre do mesmo problema de um jogo que eu também odeio: “Detroid: Become Human”. Nele, a opinião da sociedade sobre os androides não é mostrada ao jogador por meio de interações com personagens na obra (Se algo, humanos quase não aparecem nela), mas por uma barrinha no canto da tela que te fala se ela aumentou ou diminuiu.
    Zeta é a mesma coisa: Quase nunca vemos a visão popular sobre o conflito, sobre a AEUG, sobre os Titans, e das poucas vezes que vimos, acabou não levando a nada.

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