Sem dúvidas o maior evento da última semana – e provavelmente das próximas – foi o vídeo “Adultização” que o youtuber Felca publicou no seu canal. Somando mais de 40 milhões de visualizações somente no YouTube, eu não preciso falar nada sobre ele. Se você clicou nesse texto já sabe muito bem do que o vídeo trata, pois tivemos milhares de comentários dentro e fora da internet. Essa última sexta-feira eu voltava da academia e passei perto de umas pessoas que definitivamente não eram do público do Felca comentando sobre o caso. Sim, eu presto atenção em conversa alheia.
Se você pesquisar “adultização” na busca do YouTube agora já nem encontra mais o vídeo original. São dezenas de reacts, cortes de veículos jornalísticos, outros youtubers dos mais variados nichos falando sobre esse tema. E cá estou eu também, porém não tenho nada a contribuir sobre a adultização. Até porque, acredito que como muitos de vocês, eu fui conhecer o termo por causa do Felca. A ideia que ele exprime eu já conhecia, mas essa palavra em específico foi entrar no meu vocabulário a partir do vídeo. O que eu vim aqui compartilhar com vocês é um pensamento que tenho sobre a relação dos nossos pais e adultos em geral com a internet e como ela parece ter mudado de um tempo para cá.
Mas é importante que todos estejamos partindo do mesmo ponto, então será necessário um pouco de contexto. Para começar, acho que seria bom definirmos o que é essa tal da adultização e pra isso eu vou me utilizar de um artigo, acredito que publicado recentemente, que encontrei do Instituto Alana.
A adultização precoce acontece quando crianças e adolescentes são expostos a conteúdos, comportamentos, responsabilidades ou padrões estéticos típicos da vida adulta antes do tempo. Esse processo pode acontecer de forma direta, quando há incentivo explícito a essas práticas, ou indireta, por meio da exposição constante a referências e valores que antecipam etapas da vida.
A exposição precoce de crianças à internet tal como a exploração desses menores nesses ambientes são pautas discutidas há anos. Tal como largamente se critica a conivência das big techs – como a Meta, dona do Instagram e do Facebook – em deixar que tais conteúdos circulem livremente nas suas plataformas enquanto não chamar muita atenção. O caso daquele verme do Hytalo Santos é emblemático porque ele está há anos fazendo vídeos explorando e sexualizando menores de idade sem sofrer qualquer punição. Mesmo ele sendo investigado pelo Ministério Público desde 2024, suas redes sociais só foram cair depois que o Felca holofotou o caso no seu vídeo sobre adultização.
Por isso que mais uma vez entra na pauta a responsabilidade dos pais em monitorar o que seus filhos consomem e quando é que deveríamos permitir que crianças tivessem livre acesso a internet. No que tange a participação delas na produção de conteúdo eu sou bem radical, deveria ser proibido e os responsáveis pelo menor devidamente punidos. Já em relação ao acesso, eu deixo para profissionais competentes definirem qual seria idade ideal. Para mim ninguém com menos de 16 anos deveria ter rede social, mas reconheço que é uma opinião minha baseada em porríssima nenhuma.
Enfim, a coisa que me deixa mais perplexo é o quanto parece que os adultos não têm muita noção do que é a internet de fato.

Eu nasci na década de 90 e o meu contato com a internet começou a partir dos anos 2000. Porém esse era um cenário da internet totalmente diferente do que temos hoje. Havia uma vasta gama de fatores que impediam que passássemos por essa adultização. Não havia nem um décimo dos recursos, plataformas e conteúdo que existem hoje e, pelo menos no meu caso, minha mãe nem mesmo precisava limitar o meu acesso a internet. O acesso era limitado por si só.
A ideia de ficar 24 horas conectado surgiu muito mais tarde na minha vida. Só para vocês terem uma noção, o primeiro celular que dava para acessar internet tão como num computador eu só fui ter quando me encaminhava para a faculdade. Hoje já tem pai dando um smartphone que nem mesmo cabe no bolso do guri e tem conexão de não-sei-quantos-G que ele pode entrar em qualquer lugar mesmo que não tenha internet em casa. Quando eu era menor, isso parecia coisa de ficção científica!
Durante toda minha infância tivemos aqui em casa a famigerada internet discada. Portanto eu só conseguia acessar sites em horários bem específicos. Mesmo no final de semana eu só podia ficar online por pouco tempo para não deixar que a conta de telefone viesse quilométrica. Logo, quando eu entrava na internet, tinha que ser um jogo rápido. Eu acessava para fazer trabalhos escolares, ver dicas de jogos e baixar ROMs de Super Nintendo, Mega Drive e Game Boy que era o que a velocidade de conexão permitia. A rede social da minha época, o Orkut, foi uma plataforma que usei muito pouco por esse mesmo motivo. Jogos online eu também levei muito tempo para ingressar porque quando tivemos internet via rádio eu já estava no Ensino Médio.
Acima de tudo isso, ainda tinha intervenções por parte da minha mãe. Ela olhava o histórico do navegador, as buscas que eu fazia, eu tinha que pedir permissão para poder conectar o cabo de internet e o computador ficava num cômodo onde ela ou minha tia podiam sempre ver o que eu estava fazendo. Não era apenas comigo, mas eu lembro de como a maior parte dos adultos via a internet como um ambiente potencialmente perigoso. A minha impressão agora é que muito desse público mais velho já não tem mais essa preocupação. Deveria ser positivo, afinal a gente não precisa tratar a internet como um bicho de sete cabeças. O problema é que cruzou um limite em que pais acham que a internet não apresenta perigos nem mesmo na sua superfície.
Isso me faz voltar a uma experiência pessoal que tive há uns anos com uma prima minha. Estava na casa de parentes quando ela chegou com a sua filha que, se não me falha a memória, deveria ter em torno dos cinco anos. Eu, por outro lado, já estava na casa dos 20 e tantos. Em dado momento essa minha prima começa a falar que a menina ia criar um canal de YouTube para ela. Todos os adultos na sala riam e achavam aquilo fofo, afinal era uma criança muito brincalhona. Porém eu olhava horrorizado para minha prima pensando “A senhora ficou louca?!”. Não entrava na minha cabeça que um adulto responsável fosse capaz de permitir que uma criança que mal sabia escrever tivesse uma plataforma na internet.
Foi então que eu percebi algo fundamental nessa história: o YouTube que eu conhecia era muito diferente do YouTube que a minha prima conhecia. Para ela, o site era um lugar cheio de vídeos engraçadinhos. Porque é exatamente isso que o algoritmo entregava, já que estava condicionado a mostrar conteúdo que uma mãe de uma menina de cinco anos procurava para filha. Já eu sabia de todas as dinâmicas tóxicas que permeiam essa e outras plataformas, bem como casos seríssimos envolvendo a exploração de menores. Enquanto minha prima achava que os comentários em vídeos de conteúdo infantil estavam desabilitados desde o início do site, eu sabia exatamente o porquê do YouTube ter implementado essa medida de segurança.
Esse foi o primeiro de muitos outros episódios que eu passei a ter mais consciência ao longo da vida. Um recente foi com a minha tia quando eu resolvi explicar para ela o que era a infame machosfera da internet. Ela me encarou como se eu tivesse descrevendo um universo paralelo. Não é difícil entender o porquê. Se você olhar pras redes sociais da minha tia é só fotos de família, receitas, novelas e animais fofinhos. O mesmo se aplica a minha mãe que consome conteúdo voltado a artesanato, fofoca sobre celebridades, espiritismo, filmes e séries. As duas têm uma visão muito mais positiva da internet do que eu tenho. Meu pai é outro. Ele assume que os vídeos que assiste no TikTok são os mesmos vídeos que eu assisto aqui em casa.
Admito que pode até ser uma falsa impressão minha por conta do meu círculo social. Mas é algo que me deixa muito encucado e esses últimos eventos só reforçam a minha ideia que muito que conhece a internet, porém não conhece a internet. Eles podem saber o que é um Instagram, um Facebook, um YouTube, mas eles desconhecem as diferentes culturas que se estabeleceram nessas plataformas.
Vamos lembrar da série Adolescência que foi também um fenômeno desse ano e trouxe muito desse tema da adultização sem citá-lo nominalmente. Uma cena que me vem sempre na cabeça é quando o filho do detetive Luke fala como eles estavam entendendo errado os perfis das crianças. Enquanto o detetive achava que as mensagens trocadas pelo menino Jamie e a vítima Katie indicava que eles tinham alguma amizade, o rapaz explica que os comentários eram ofensivos. Ou seja, o pai até poderia saber como as redes sociais funcionavam, porém não tinha a menor noção da linguagem que os jovens utilizavam nelas. Da mesma forma que os pais de Jamie não sabiam que tipo de conteúdo que o filho consumia na aparente segurança do seu lar.
Essa é a consequência imprevista que aconteceu depois que a internet se tornou tão massificada. Nossos pais, que outrora olhavam para ela com muito temor, passaram a achar que ela se resumia àquilo que viam nas suas redes sociais. São apenas memes, apenas coletâneas de vídeos de animais de estimação, apenas dancinhas de TikTok. É tudo tão inofensivo! Eles não têm a menor ideia do que aquele GIF de “link on bio” que apareceu na postagem dos filhos deles significa. Mas por que deveriam suspeitar, né? Olha aqui mais outro vídeo engraçadinho…
PS: Reforço que esse texto não isenta as redes sociais da sua ENORME parcela de culpa na situação atual da internet. Minha intenção foi apenas dividir esse meu achismo de como muitos dos responsáveis por essas crianças ainda não tem uma compreensão mais ampla do que acontece dentro dessas plataformas. Ao mesmo tempo que devemos exigir uma regulamentação dessas redes, também precisamos conscientizar adultos que a internet não é um ambiente para crianças frequentar sem a devida supervisão. E já estou chegando num ponto de achar que não deveriam frequentar em hipótese alguma!
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Muito bom o seu texto. De fato, essa é uma outra parte muito relevante dos problemas causados por terem permitido que as big techs façam o que bem entenderem sem nenhuma regulação por tanto tempo.
Quem nunca teve que explicar pros mais velhos que a mensagem/link que enviaram na verdade é um golpe? Ou que aquela corrente ou notícia que ela repassou é falsa? Para mim ao menos parecem serem outros sintomas desse mesmo mal.
Diria inclusive que manter os usuários leigos e alheios a como as coisas realmente funcionam não é uma mera coincidência, mas algo pensado propositalmente pelas plataformas e que faz parte do seu design e modelo de negócios.
Opa, obrigado! Passo perrengue direto aqui com a minha tia e às vezes com meu pai. A minha sorte é que minha tia é medrosa então tudo ela me pergunta antes e meu pai é desconfiado de tudo então qualquer coisa ele já me repassa pra confirma, haha. Mas notícia falsa tá sendo um problema complicado com um tio meu que acha que a realidade é o que ele vê no TikTok.