Ontem eu fui assistir Deadpool & Wolverine com meu amigo. Duas horas e sete minutos depois, enquanto saíamos da nossa sessão, eu viro para ele e digo: eu não sei o que pensar desse filme!
É um roteiro sólido com sequências de ação são suficientemente empolgantes. Ryan Reynolds e mais ainda o Hugh Jackman estão bem confortáveis em seus respectivos personagens que interpretam há anos com seus altos e baixos. Além isso, são dois atores muito entrosados cuja química sustenta o filme do começo ao fim. Inclusive eu acho que seria melhor se tivéssemos apenas os dois num “road movie” clássicão, vindo diretamente de uma comédia do anos 80/90. Porém vivemos num mundo pós Vingadores: Ultimato que demanda um carnaval de personagens ao redor. Tem boas piadas, até uns momentos dramáticos que funcionam e está longe de ser um filme ruim.
Então qual é o problema de Deadpool & Wolverine? Refletindo um pouco a conclusão me veio clara como os olhos da máscara do Wolverine que com toda certeza não funcionam nesse contexto. O problema se chama Marvel Cinematic Universe!
A noção que Deadpool está agora dentro desse projeto de quase duas décadas de construção tira parte da graça. Ela acaba removendo o personagem da sua irreverência e deixa a brincadeira com um tom muito mais artificial. Não só no humor, mas até em outros elementos da sua história. Porque a todo momento fica um questionamento sobre o que tem alguma intencionalidade artística – e sim eu vou usar arte dentro do MCU – da equipe do filme ou o que é apenas uma decisão vinda de cima para baixo de Kevin Feige & Cia.
Você tem um enorme ponto de interrogação sobre cada escolha do filme. Existe uma piada aqui de fato? Ou um algoritmo disse que esse personagem, essa linha, esse uniforme vai render mais umas centenas de milhões na bilheteria? Na maioria das vezes eu me pegava pensando na segunda possibilidade. O que a gente tem em Deadpool & Wolverine é o um cinismo que não está aqui para confrontar o status quo. É um cinismo empresarial que sabe capitalizar em cima das suas críticas. Por isso que o personagem acaba falhando em ter uma contundência cômica se tornando apenas um palhaço a serviço de um estúdio.
Dá para ilustrar isso muito bem com duas piadas cujo impacto é notoriamente diminuído pelo filme se inserir no MCU:
O Deadpool e a Al Cega estão no sofá conversando sobre como querem usar cocaína, mas como esse é um filme da Disney ele sabe que não pode. Então eles ficam usando outras expressões para se referir a droga e a cena tenta passar a ideia que eles estão zoando a caretice da empresa. Mas a gente sabe que não é isso, né? Tal como a She-Hulk falando com o K.E.V.I.N, não existe uma afronta legítima nessas cenas. Nenhum roteirista ou diretor conseguiu colocá-las malandramente no corte final. Se estão ali é porque foram revisadas e aprovadas pela Dona Disney™️ e pelo Seu Marvel Studios™️.
Depois temos outra piada a custas de um cameo. A internet já fez questão de spoilar todos, então não hesitarei em mencionar o retorno do Chris Evans. Não como Capitão América e sim como Tocha Humana da versão de Quarteto Fantástico de 2005. O Deadpool acaba causando a morte do personagem levando a uma discussão com o Wolverine. Nessa hora ele tenta se defender com uma quebra de quarta parede dizendo que o Chris estava “estourando o orçamento do filme”. Uhum, sei! Não tem como uma piada dessa surtir efeito dentro de uma franquia que já soma mais de 30 bilhões de bilheteria.
Pela segunda vez, a gente sabe o motivo. O ator desempenhou seu papel de fazer uma ponta para excitar a audiência e assim já pode ser descartado da história. E para piorar ele não é o único. Mais para frente abre uma passarela para dezenas e dezenas de referências. Temos aparições como o Blade do Wesley Snipes e até um Gambit interpretado pelo Chaning Tatum que só existiu no campo das ideias.
O filme até tenta jogar um verniz por cima para dizer que está tentando dar uma chance para esses personagens já esquecidos. Mas, pela terceira e última vez, a gente sabe qual é a verdade. É apenas o MCU percebendo o quanto o conceito de multiverso é ótimo para engajar com as afetividades do público. Ainda que se encaixam no contexto geral da trama, é evidente que esses personagens estão ali para um grupo que foi condicionado a se sentir satisfeito por reconhecer os elementos na tela. A cultura pop, sobretudo os filmes de super-heróis, viraram um dos maiores, e mais rentáveis, experimentos behavoristas da história humana.
Quando o Deadpool diz como a Marvel vai usar o Hugh Jackman para interpretar o mesmo personagem até os 90 anos não é uma piada, não é uma crítica. É o MCU cuspindo descaradamente na sua cara e dizendo: é, a gente vai fazer isso mesmo e vocês vão gostar. Não precisa ser nem mesmo interpretando o mesmo personagem. Quando você entende esse padrão, nenhuma das gracinhas conseguem surtir mais o mesmo efeito. Não dá para ficar apenas no “me engana que eu gosto”.
Enfim, Deadpool & Wolverine teoricamente é um filme muito divertido que peca não pelo seus méritos próprios e sim por quem dá as ordens. Eu acho que entretenimento puro e simples é uma proposta válida, mas o MCU consegue fazer isso com tamanha artificialidade e com armadilhas afetivas que simplesmente não dá para engolir. Eu aceito filme pipoca, mas também não precisa ser pipoca de micro-ondas, né?
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