Quem me acompanha, por aqui ou pelo Twitter, sabe o quanto eu gosto de assistir um ou mais filmes antigos de vez em quando. Minha família também está ciente e tenho três anedotas recentes com ela:
Primeira. Semana passada eu estava num almoço na casa do meu tio. Chegamos bem cedo para começar a fazer o frango com quiabo e uma parte do pessoal ficou na sala conversando. Eu estava no sofá quando esse meu tio me joga o controle da TV e diz para eu ver o quiser. Pois bem, eu escolhi um spaghetti western que eu não tinha visto chamado À Sombra de uma Arma. Uns 30 minutos depois minha prima enfim olha para a TV, percebe a qualidade da imagem e então me pergunta de que ano ele é. Eu, já acostumado com essa nossa cena, falo que é de 1965 e vejo a quase imediata cara de desaprovação dela.
Segunda. Se eu não estou enganado, foi na noite daquele mesmo dia que eu decidi assistir a animação de Um Garoto Chamado Charlie Brown. Uma determinado momento minha tia passa pelo corredor, vê o que eu estou assistindo e também pergunta de quando era esse filme. Resultado similar com o ocorrido com a minha prima: falo que é de 1969 e ela solta uma interjeição de desaprovação. Se bem que nesse caso pode ser tanto pelo fato de ser um desenho ou porque era um filme com mais de cinquenta anos. Talvez até ambos.
Terceira. Isso aconteceu uns dias depois quando eu decidi assistir mais um filme de monstro gigante e fui de Ghidorah, O Monstro Tricéfalo. A protagonista dessa cena agora foi minha mãe, a pessoa que me incentivou a ver filmes antigos mais de uma década atrás ao me recomendar coisas como: …E o Vento Levou (1939), Ben-Hur (1959), Spartacus (1960) e Lawrence da Arábia (1962). Já devem ter imaginado o que aconteceu né? Perguntou de quando era aquele filme, respondi que era de 1964 e acho que recebi a terceira reação de desaprovação consecutiva. Digo acho porque não sei se aquele “Nossa!” estava mais carregado de surpresa ou desagrado por ser mais outro filme velho que eu estava assistindo. Eu quero acreditar que é a primeira, mas ultimamente não ando lá muito otimista na vida.
Enfim, três filmes, três reações. Se me permitem pedir uma música no Fantástico, eu escolho ME LEVA-LATINO-VIDEO ORIGINAL( ANO 1994 ) ( HQ ).
Como puderam reparar nos meus relatos, eu já estou acostumado com o pessoal da minha família estranhar as coisas que eu assisto. Bom, não exatamente as coisas que eu assisto. Eles estranham a DATA das coisas que eu assisto. Tem sido isso pelos últimos cinco anos e a esse ponto acho difícil que haverá alguma mudança. Estou trazendo essas histórias para cá porque algo que eu venho reparado em todas essas interações é que nunca me fazem uma pergunta que julgo ser a mais simples de se fazer: e é bom?
Durante um tempo eu imaginei que era só uma forma de implicância inofensiva comigo, mas é porque eu sou muito narcisista. Nas últimas ocasiões eu percebi que realmente uma implicância, porém com os filmes. Porque ninguém nunca tem nem um pouquinho de curiosidade de ver os filmes por uns minutos e nem mesmo fazem essas perguntas habituais que eu vejo eles fazerem quando são outros filmes visivelmente mais modernos.
Então eu passei a concluir que eles nem ao menos consideram a possibilidade de um filme de 50, 60, 70 anos atrás ser remotamente bom. Foi assim que surgiu na minha cabeça esse termo de “etarismo de mídia”. Nessa hora eu poderia adicionar um comentário de que é um comentário bobo ou apenas uma expressão cômica para usar nessa situação, porém não. Eu estou sendo 100% SÉRIO dessa vez.
Não acho nem minimamente um exagero porque depois de tantas ocorrências ficou muito óbvio que a desagrado instantâneo com esses filmes é em razão da idade. Tem nem espaço para defesas como “ah é que eles são muito lentos”, ou “os efeitos não envelheceram bem”, “os diálogos são estranhos”, etc; porque para fazer isso as pessoas teriam que ter assistido pelo menos um pouco dos filmes para poder desaprová-los.
Agora para minha real surpresa, não é a primeira vez que toco nesse assunto. Eu tinha uma longínqua memória de ter cunhado essa ideia de etarismo de mídia em algum momento. Pesquisando no meu histórico eu encontrei uma thread em que falei sobre essa exata questão:
Acho que pela forma que me expresso eu passo a impressão que não consigo aceitar as pessoas que não consomem qualquer coisa antiga. Mas não é bem isso. O meu incômodo vem de perceber que boa parte da rejeição quase instantânea ao velho é apenas por isso, por ser velho.
Belmonteiro, também conhecido como eu mesmo
A pessoa já assume que não vai gostar ou que não vai conseguir consumir algo só porque foi feito décadas atrás do seu nascimento. Nem ao menos dá uma chance. Não ousarei a falar o termo “etarismo cultural”, porém é bem isso mesmo. E acho que não é nem incômodo a palavra certa, é mais um desapontamento porque as pessoas estão se privando de ter ótimas experiências só por preconceito bobo e comodismo de consumo.
Porque assim, eu acho que a beleza da vida é estar sempre tento contato com coisas novas, mas boa parte interpreta isso como coisas atuais, do momento, tendências recentes. Parecem não perceber que olhar pro passado também pode ser uma novidade. É o que eu tô passando agora vendo esses filmes antigos, pois estou tendo contato com uma linguagem de cinema que eu nunca experimentei antes.
Porque, assim, eu acho que a beleza da vida é estar sempre tento contato com coisas novas, mas boa parte interpreta isso como coisas atuais, do momento, tendências recentes. Parecem não perceber que olhar pro passado também pode ser uma novidade. É o que eu tô passando agora vendo esses filmes antigos, pois estou tendo contato com uma linguagem de cinema que eu nunca experimentei antes.
Enfim, só pondo para fora uns pensamentos aqui porque toda vez que eu menciono pra qualquer pessoa do meu dia-a-dia sobre um filme antigo que eu assisti elas me olham como se eu fosse um alienígena (e eu sou mesmo, mas aí é outra história)!
Olha, não tenho nem muito que acrescentar. Esses tweets sintetizam muito bem o que eu acho, então não vejo para quer chover no molhado. A única mudança de pensamento que tive foi substituir o “cultural” por “de mídia” porque descreve melhor a ideia central desse conceito.
A definição de etarismo é “discriminação ou preconceito em razão da idade, nomeadamente aversão a pessoas mais velhas ou à própria velhice”, mas para o caso do etarismo de mídia acho que dá para remover discriminação ou preconceito da equação. Preconceito até se aplica, mas aversão já engloba muito bem o sentimento que percebo da minha família, e por extensão público médio, com os filmes antigos.
Só vale destacar que embora eu esteja falando especificamente de cinema, essa noção de um etarismo de mídia é muito mais abrangente. Dá para ver as mesmíssimas reações com séries, animês e, acho que mais forte ainda, jogos. Apenas livros que eu vejo sendo uma exceção porque ler clássicos ainda é visto como um símbolo de erudição. Ninguém vai torcer o nariz se ver você lendo um Machado de Assis ou um Dostoiévski. Alguns vão até criar a percepção que você possivelmente é uma pessoa bem culta. Mas se te pegam assistindo um filme em preto e branco de 1940, aí você é só estranho mesmo.
Pois bem, não tenho muito no que me expandir aqui e só quero dizer que tô mais convencido que esse não é um conceito tão ridículo do que alguns vão pensar. Provavelmente alguns até ser orgulharão de serem etaristas de mídia. Agora deixa eu baixar 101 Dálmatas aqui, que é de 1961, pra minha cachorra me julgar também!
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Pois é, você falando sobre “etarismo de mídia” me lembra de que, na comunidade otaku, a maioria tem aversão à animes muito antigos. Enfim, gostei do texto.
Tem um colega lá no Twitter, o Yhan, que tá sempre passando raiva com isso. Eu tô fora da comunidade de animês & mangás, então só acompanho as coisas através dele e pelo que eu pude reparar realmente também rola muito desse preconceito com animações antigas, incluindo algumas fenomenais da década de 80 e 90.