Eu torço para que o One Piece da Netflix flope

Imagem promocional de One Piece, série live action da Netflix com colaboração da Shueisha e Tomorrow Studios
*sigh*

Eu não preciso apresentar One Piece. É simplesmente o mangá de maior sucesso da história com mais de meio bilhão de cópias vendidas nos seus 26 anos de publicação e que ainda está em andamento. As aventuras de Luffy, Zoro, Nami, Usopp, Sanji, Chopper, Nico Robin – e só até ai que eu me importo de nomear personagens – são conhecidas até mesmo por pessoas que não estão nessa bolha dos mangás e animês. Eiichiro Oda já é consagrado como um dos mangakás mais influentes da atualidade e One Piece é um marco inquestionável da história da sua mídia. Não só no Japão como no mundo!

Nunca cheguei a ler One Piece. Foi só “recentemente” que eu passei a explorar alguns mangás. Porém a adaptação em animê da Toei Animation foi parte da minha adolescência até o início da minha vida adulta. Me diverti muito com os mais de 500 episódios que vi até cansar de acompanhar a série porque, né, paciência tem limite. De qualquer forma, é uma obra que eu ainda nutro muito carinho por ter assistido. Não tenho a mesma estima por ela do que tenho por Fullmetal Alchemist, mas ainda teve sua importância para mim.

Dito isso, eu espero que o One Piece da Netflix seja um fracasso total!

Já sabíamos que a nova adaptação estava em andamento há anos. Meses atrás, depois de muita especulação e curiosidade – diria que mórbida – nós recebemos o primeiro trailer. As reações foram diversas, com muitas pessoas ficando entusiasmadas para ver a série e outras mais receosas sentindo que seria o famigerado flop.

No meu caso, eu já me opunha a existência dessa adaptação desde o começo e o trailer não mudou em nada esse sentimento. Vejam bem, não é um mero caso de “não gostei/não tenho interesse“. Eu torço contra essa adaptação. Nem mesmo vou me dispor a assistir a primeira temporada porque não quero dar audiência. E não estou falando sobre qualidade, ainda que essa série da fique relativamente boa, eu espero que ela flope.

Uau! Quanto rancor, não é mesmo? Sim, bastante. E a razão pela qual eu desejo o fracasso do One Piece da Netflix tem nome: live action!

No final de 2021 tivemos o desastre de Cowboy Bebop que a justiça divina fez o favor de o cancelar na primeira temporada. Porém ainda não estamos seguros. Além da adaptação de One Piece que virá ao ar amanhã, no futuro também teremos Avatar: O Último Mestre do Ar, o live action de uma das melhores séries animadas ocidentais que foi A Lenda de Aang. Isso tudo faz parte de uma tendência que observo há anos, principalmente com um outro estúdio.

Dá para rastrear isso lá em 2010 com a adaptação do Tim Burton de Alice no País das Maravilhas. Contudo o fenômeno começou para valer mesmo a partir de 2014 com o filme de Malévola. Desde então, a Disney passou a lançar anualmente remakes live action de vários dos seus maiores clássicos de animação. Em menos de dez anos já tivemos novas versões de: Cinderela, A Bela e a Fera, Dumbo, Aladdin, Mulan e, a mais recente, A Pequena Sereia. Também teve Mogli, mas geralmente não penso tanto nele porque fora o protagonista todo o resto do filme é feito em animação. Da mesma forma vou ignorar o remake criminoso fotorrealista de O Rei Leão.

Isso tende a continuar pois os próximos anos nos reservam: Branca de Neve, Moana, Lilo & Stitch, Bambi, A Espada Era a Lei, entre outros. Tirando o Mogli, que eu achei uma adaptação que tinha alguma alma, eu facilmente eliminaria toda a existência das demais produções. Algo que se aplica as séries da Netflix também.

Eu cresci com animação. Melhor, eu cresci admirando animação. É uma mídia fantástica que já produziu centenas de obras-primas ao redor do mundo tanto para o cinema quanto para a televisão. Porém, embora seja uma arte praticamente centenária, a animação parece ser subestimada ainda hoje tanto pelos estúdios quanto pelas audiências.

O padrão já está ai há anos. Todo clássico de animação em algum momento recebe uma versão live action. Sabemos que Hollywood sofre de tempos em tempos com um desgaste criativo e precisa refazer filmes consolidados para um projeto de baixo risco. Só que no caso da animação eu diria que existe uma diferença. A gente vê com frequência remakes live action de animações, porém dificilmente isso acontece na direção oposta. O que temos, geralmente, são aquelas séries spin-off, muitas com o subtítulo de “The Animated Series”, que servem mais como uma continuação do que uma nova versão do original.

Isso acontece por um motivo bem claro: tratar a animação como uma forma de expressão artística menor. Essas continuações eram vistas nada mais do que entretenimento para crianças. Quantas vezes você já viu pessoas acharem estranho a ideia de um adulto ainda ver desenhos? Por isso que temos aqui remakes live action de A Bela e a Fera, Aladdin & Cia. Mas cadê os remakes em animação de, sei lá, Indiana Jones: Os Caçadores da Arca Perdida ou Mad Max: Estrada da Fúria? Refaz Casablanca, Cidadão Kane ou Ben-Hur (de novo) em animação tradicional aí, Hollywood! Ou o que, não precisa retocar nesses filmes já que eles são clássicos da história do cinema? Hmmm…

Não que eu ache que qualquer um desses filmes precise de um remake. Pelo amor de Deus não toquem nesses filmes! Só estou dizendo que para esses sucessos do “cinema live action” nem ao menos se cogita uma releitura animada. Por outro lado, na animação isso acontece todo dia. Até mesmo a animação mais cartunesca que ninguém em sã consciência deveria pensar em colocar atores reais – COMO AS MENINAS SUPERPODEROSAS – não só pensam em fazer como o projeto consegue sair do papel. Cacete, não vamos esquecer que Dragon Ball Evolution existiu!

É quase como se a animação não valesse tanto assim quanto o “cinema ou TV de verdade”, né? Quase como se o simples fato de terem atores reais validasse o projeto como sendo mais sério ou mais digno. Veja o quanto se fala da trilogia do Batman do Nolan ou então o último filme do Matt Reeves, mas pouco se fala de Batman: A Máscara do Fantasma que é um dos melhores longa-metragem da história do Morcegão. Que aliás, eu não duvido nada que um dia também vai receber um remake live action.

Por isso que a gente vive num mundo em que alguém olha para One Piece e acha uma boa ideia fazer uma adaptação americanizada com atores de carne e osso.

O que me incomoda mais ainda no caso específico de One Piece é por conta de como o estilo caricato e cartunizado do Oda é tão essencial para o original. Várias das cenas de One Piece tem mais impacto justamente por ele tratar seus personagens como desenhos animados. Os designs de personagens, o mundo da história, as reações e as caretas que o Oda faz e até as próprias sequências de ação, tudo funciona pelo exagero que o cartoon permite executar tão bem.

Pra você aí que leu o mangá ou viu o animê, me fala com sinceridade, você consegue imaginar metade de One Piece funcionando com atores reais? Transformar isso num live action é remover um órgão vitalíssimo do original. Mesmo que seja bem filmado e bem escrito – e dado o histórico de produções com o dedo da Netflix eu tenho minhas dúvidas – One Piece estaria incompleto sem o seu estilo tão marcante.

Então eu não me importo com “ah, mas o elenco está se divertindo tanto” ou então “ah, mas vai ajudar o pessoal a conhecer o original” – como se o mangá mais vendido e um dos animês mais assistidos da história precisasse da ajuda de uma série live action americanizada, né? – ou qualquer outra desculpa que as pessoas queiram utilizar pra justificar seu consumismo. Tomara que essa série de One Piece flope. E tomara que flope bonito! Que a segunda temporada nem ao menos seja anunciada.

Quanto mais remakes live action floparem, sejam eles da Netflix, Disney ou qualquer outro estúdio, melhor será. Animação é uma mídia incrível cheia de imaginação e potenciais infinitos na mão de profissionais habilidosos. Já não cabe mais essa contínua desvalorização de filmes e séries animadas com remakes com pessoas reais que não tem um terço da alma dos originais. Se são motivados por preconceito bobo ou por condescendência com a mídia, não importa, não se deve ceder a mediocridade de quem tem vergonha de assistir desenhos!


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