Cá estava eu pensando que nesse começo de março não teria motivo para um BO da Semana. Achei que poderia passar um domingo relativamente tranquilo trabalhando no meu texto sobre o último filme do M. Night Shyamalan. Porém no meio da semana o produtor de Final Fantasy, Yoshi-P, resolveu dar uma entrevista e, inadvertidamente, deu início a Terceira Guerra Mundial Gamer. Lá vamos nós!

Tudo começou numa entrevista concedida ao canal Skill Up a respeito de Final Fantasy XVI, o próximo jogo da linha principal da franquia. Você pode conferir o vídeo na íntegra aqui. O trecho que viralizou foi aquele em que Yoshi-P comenta sobre o termo JRPG:

Yoshi-P falando sobre o termo JRPG

Vai depender de para quem você pergunta mas houve uma época quando esse termo apareceu 15 anos atrás, e para nós como desenvolvedores a primeira vez que ouvimos pareceu um termo discriminatório. Como se estivessem ridicularizando a gente por fazer esses jogos, então para alguns desenvolvedores o termo JRPG pode engatilhar alguns sentimentos negativos por conta do que ele significava no passado. Não era um elogio para muitos dos desenvolvedores no Japão. Nós entendemos que recentemente JRPG tem uma conotação melhor e é usado como algo positivo mas nós ainda lembramos da época que ele era usado como negativo

Como a mídia gamer nada mais é do que um bando de urubu esperando pelo clickbait mais suculento dar bobeira, todos pularam sobre a fala do Yoshi-P. Dezenas de veículos passaram a reproduzir esse trecho nas suas matérias. E como na internet tudo vira Fla-Flu, a treta da semana estava instaurada. Já tem uns 4-5 dias que passa pelo meu feed algum tweet ou thread discutindo se JRPG é ou não um termo racista. O que cada lado defende vai depender da bolha que você se encontra.

Eu vou ser centrista aqui. Não acho que o termo JRPG seja intrinsicamente racista. Porém também não sou tão ingênuo assim para achar que nunca houve um uso discriminatório dele por parte da mídia ocidental e jogadores também. O grande problema está na forma como essa discussão se formou e fez descarrilhar qualquer debate sério que poderia surgir a partir da entrevista, gerando reações exageradas dos mais variados lados desse diálogo.

Pois bem, apesar do uso da palavra discriminatório, o Yoshi-P em momento algum quis afirmar categoricamente que JRPG era um termo racista. Ali na entrevista ele estava apenas compartilhando a experiência negativa que ele e outros desenvolvedores tiveram com o termo no passado. Não foi intenção dele gerar qualquer tipo de polêmica, ele só estava falando sobre a vivência dele e de seus colegas de trabalho.

Aí nessa hora entra o zezinhogamer123 morrendo de medo e diz “ah mas eu nunca usei JRPG em tom pejorativo, tá?”. Calma, zezinhogamer123! Sim, a maioria das pessoas usa JRPG da mesma forma que a gente usa o termo animê. Não existe nenhum juízo de valor nesse uso além de “RPGs produzidos no Japão”. Só que a gente não é todo mundo! A história do termo ser usado de forma pejorativa não veio do nada.

Como algumas pessoas estão revivendo críticas antigas sobre JRPGs ali dos anos 2000, vê-se que alguns setores da mídia de jogos mostravam uma certa condescendência, quando não um preconceito descarado, com alguns dos jogos japoneses. Infelizmente é uma das consequências negativas dos choques culturais. Então quando o Yoshi-P fala que o primeiro contato de alguns desenvolvedores japoneses com o termo foi negativo, ele não está exagerando.

Posso jogar a minha própria evidência anedótica nesse caldeirão de opiniões. Uma das primeiras tretas que me meti no Twitter na minha conta antiga foi com um doidinho purista de gênero que estava cagando regra sobre o que era de RPG de verdade. E a fala dele tinha um forte elitismo implícito, porque ele menosprezava 90% dos JRPGs segundo as definições que ele criou na cabeça dele.

Então, turminha do barulho, vamos se acalmar por uns 5 segundinhos, tomar um ar e aprender que de vez em quando o coleguinha do lado tem uma experiência de vida bem diferente da nossa. Não é porque você nunca usou o termo de forma pejorativa que não houvesse quem o utilizasse assim. Mas também a gente não precisa exagerar e dizer que é uma expressão racista só por conta dessa parcela de gente américa/euro-centrada dodói da cabeça que não consegue aceitar outras filosofias de game design.

Aliás eu quero pontuar aqui uma crítica ao pessoal pró-JRPG que nessa ânsia de defender a honra dos desenvolvedores japoneses está falando coisas como “ah eu sempre achei os JRPGs muito superiores”. Você é parte do problema também porque essa fala só estimula mais a divisão. Existe uma certa fetichização da cultura japonesa por parte dessa geração que foi desmamada a desenho japonês que um dia a gente vai precisar discutir com seriedade, mas não vamos entrar nela agora pra não desvirtuar mais ainda a discussão.

Enfim, não tem nada demais na fala do Yoshi-P. Ele não condenou ninguém pelo uso do termo e duvido muito que ele queria gerar toda essa polêmica e caça as bruxas que mais uma vez a internet decidiu promover. Claro que se deve criticar quando alguém tentar marginalizar uma cultura estrangeira pelo simples fato dela ser diferente. Só não precisa criar uma cruzada em cima de um comentário completamente inofensivo que visava apenas mostrar a perspectiva dos desenvolvedores japoneses em cima de um termo que em momento algum tentou apontar dedos como a internet fez parecer.

Sem zoeira, eu acho que é melhor afastar o cara das entrevistas sobre Final Fantasy XVI pra evitar maiores dores de cabeça para todo mundo. Até porque não vamos esquecer daquela problemática que foi quando ele tentou explicar a falta de diversidade no jogo.


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