Michael, o Game Awards (e o gamer) não liga pra indie!

Montagem com uma foto do icônico clipe de They Don't Care About Us de Michael Jackson com uma capa de Stardew Valley sobreposta no rosto do cantor para fazer uma referência de como o Game Awards não liga para jogos independentes

Anteontem o Flow Games dos eventos de jogos, The Game Awards, anunciou quais seriam os concorrentes deste ano. Se você acompanhou as notícias, também deve estar ciente que o mais recente O Auto da Compadecida dos RPG de turnos, Clair Obscur: Expedition 33, bateu o recorde de maior número de indicações. 12, se não me engano. Façanha extraordinária? Talvez. Mas é complicado dizer que o jogo conseguiu tudo isso pelos seus méritos próprios quando o júri decide que ele está elegível para as categorias de Melhor Jogo Independente e Melhor Jogo Independente de Estreia. Isso nos leva a seguinte pergunta: por que diabos tem Stardew Valley na capa do texto?

Mais uma vez venho seguir a tradição do Backlogger de todo ano arranjar motivos para reclamar do miliciano Geoff Keighley e seu evento games. A escolha mais óbvia seria falar porque que Clair Obscur: Expedition 33 não deveria ser considerado indie. No entanto, eu já fiz esse texto e não queria ser redundante aqui. Mas já que tocamos nesse assunto, Clair Obscur: Expedition 33 não é indie! Ele recebeu financiamento de uma publisher e um até um dos produtores já disse que ele é AA. Então façam o favor de parar com o malabarismo semântico nas redes sociais pra esconder o fato que vocês nunca jogam qualquer coisa indie.


Um pequeno aviso antes de continuar: como já tem um pessoal choroso por aí dizendo que o jogo está recebendo ódio gratuito. Portanto gostaria de esclarecer que eu não tenho nada contra Expedition 33 per se. É mais um RPG na fila do pão e acho bom que o Ocidente acordou de novo para o combate por turnos. Agora, em relação aos fãs, esses eu realmente espero que um dia sejam enquadrados como facção criminosa e sejam punidos com todo o rigor da lei.


Enfim, com essa pauta fora de cogitação eu achei que seria mais proveitoso usar essa oportunidade para falar de uma mensagem que me incomoda e que eu acho que o Game Awards reforça há anos sobre os jogos independentes. Por isso que eu destaquei Stardew Valley. Além de ser um indie de verdade, considero ele o melhor exemplo de como esse evento enxerga e trata cinicamente os jogos indie. Dentre as várias (e algumas desnecessárias) categorias do Games Awards, nós temos a de Melhor Jogo Contínuo. Segundo a descrição no site: [o prêmio é] “Concedido a um jogo pelo excelente desenvolvimento de conteúdo contínuo que evolui a experiência do jogador ao longo do tempo”. Gravem essa informação que eu já volto nela, primeiro vamos ter uma palavrinha sobre joguinho de fazendinha.

Stardew Valley é um dos jogos independentes de maior sucesso da década passada. Ele se tornou o principal representante do gênero de jogos de simulação de fazenda e também ajudou a despontar toda uma nova geração dos ditos “cozy games”. Poderíamos debater se ele já conseguiu superar a sua inspiração, Story of Seasons, no imaginário contemporâneo. Eu diria que sim, tanto que a popularidade dele excede a de qualquer novo jogo da franquia.

Acredito que um dos motivos que o ajuda permanecer relevante é a quantidade de conteúdo que Stardew Valley acumulou desde o seu lançamento. As versões 1.4, 1.5 e 1.6, lançadas respectivamente em 2019, 2020 e 2024, trouxeram muita coisa nova para dentro da jogabilidade. Sendo assim, dá para afirmar com tranquilidade Stardew Valley está há nove anos em desenvolvimento contínuo. Tem tanta coisa para se fazer nele que você até se sente um pouco sobrepujado quando pega para jogá-lo a primeira vez.

Perfeito, agora vamos a uma questão do ENEM agora:

Q.1. Com base nas informações do texto acima, em qual(is) ano(s) você acha que Stardew Valley concorreu na categoria de Melhor Jogo Contínuo de The Game Awards?

( ) 2020
( ) 2021
( ) 2024
( ) 2021 & 2024
( ) 2020, 2021 & 2024

Obviamente que a resposta certa é NENHUMA VEZ. Desde a criação da premiação em 2017, Stardew Valley recebeu uma mísera indicação. Por outro lado, jogos como Apex Legends, Final Fantasy XIV, Destiny 2 e Fortnite concorreram em vários anos seguidos. Este último, inclusive, marca presença desde sempre, sendo 2017 a única exceção porque foi seu ano de lançamento. Não quero entrar no mérito de quem deveria ou não participar, mas é curioso como um jogo em particular aparece todo ano enquanto não conseguem arranjar um espacinho a mais para caber Stardew Valley. Isso fica ainda pior quando a gente pensa que, em 2023, Cyberpunk 2077 – um jogo que só estava em desenvolvimento contínuo porque o estúdio precisou ficar anos corrigindo o lançamento desastroso que teve em 2020 – não apenas concorreu como também ganhou o prêmio.

Claro que existe um motivo bem evidente para tudo isso. Por mais popular que Stardew Valley seja, ele não tem aquele apelo massivo de um Fortnite – mesmo que este represente tudo que há de pior na indústria – ou represente tão bem o mainstream da indústria como Cyberpunk 2077. Logo, não existe motivo para trazê-lo para o Game Awards uma vez que a cota de jogos independentes já foi preenchida.

No final das contas é isso, o evento (e por extensão o gamer) vê os indie como uma subclasse que até pode participar da premiação, contanto que seja ali na mesinha dela com seus iguais. Vez ou outra um Celeste ou um Inside é chamado para comer na mesa dos convidados de honra. Mas isso serve apenas para manter a ilusão de que o Game Awards apoia o pequeno desenvolvedor e que eles terão alguma chance de serem reconhecidos para além da sua categoria.

Esse ano é a demonstração mais escrachada de qual é o tipo de jogo independente – e “independente” – que o evento quer em posição de destaque. De um lado você tem Clair Obscur: Expedition 33 que vai na mesma esteira de Hellblade: Senua’s Sacrifice, Baldur’s Gate 3 e Black Myth: Wukong. Jogos que você precisa torcer bastante para dizer que são indie e são abraçados por um público mais amplo por justamente seguir tendências estéticas mais ligadas aos mainstream da indústria. Ou, mais uma vez, é só mera coincidência que todos eles se pareçam assim:

  • Cena de Baldur's Gate 3 em que o grupo do protagonista enfrenta um Beholder

Aí do outro você tem outros jogos indie que é necessário colocar um asterisco do lado. Hades II pertence a Supergiant Games que para algumas pessoas está cada vez mais nebuloso de se encarar como um pequeno estúdio independente. E no terceiro canto vem o enorme sucesso de Hollow Knight: Silksong, cujo hype que se criou ao seu redor ainda nos pega de surpresa. Sendo ou não indie, uma coisa podemos concordar: são jogos com uma capacidade de mobilização maior do que qualquer outro do seu cenário. Até lembro que quando finalmente anunciaram a data de lançamento de Silksong teve vários desenvolvedores independentes que precisaram adiar seus jogos. É esse tipo de indie que o Games Awards quer ali na mesa.

Para encerrar, quero propor um experimento mental. Imaginem que nenhum desses jogos, Expedition 33, Hades II e Silksong, lançaram este ano. *Poof* tem três vagas disponíveis para Melhor Jogo do Ano. Agora eu pergunto, vocês acham de verdade que algo como Blue Prince receberia uma indicação? Ou seria muito mais fácil colocarem títulos como Split Fiction ou Doom: The Dark Ages para preencher o lugar? Melhor ainda, qual vocês acham que seria a reação de gamers se Blue Prince estivesse lá mesmo? Basta lembrar o que aconteceu quando Balatro esteve na mesa do GOTY. Ou Astro Bot que nem é indie, mas só porque era um jogo de plataforma tem gente até hoje dizendo que “caiu o Pix da Sony”. Fica aí os questionamentos…

ATUALIZAÇÃO (20/11/2025): recomendaram hoje um vídeo da Alanah Pearce que fala sobre o processo de seleção do Game Awards e agora faz MUITO sentido porque todo ano tem uma presepada.


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