O ano era… ok, eu não lembro o ano correto porque eu não sou tão psicopata assim. O que me recordo é de estar na casa de um amigo nos meados dos anos 2000. Naquele dia ele estava organizando o quarto e jogando algumas coisas foras numa pilha de CDs jogados na cama algo me chamou atenção. Piratas do Caribe havia sido lançado há uns anos, então o tema de piratas estava em alta. Por isso meus olhos foram para o CD com a gravura de uma bandeira com aquela clássica estampa de caveira. Os dizeres The Secret of Monkey Island se destacaram muito pra mim. Eu estava prestes a conhecer um dos meus jogos favoritos da vida.

Secret of Monkey Island, o primeiro jogo da franquia

Foi assim que conheci a franquia de Monkey Island. Peguei o CD do meu amigo emprestado e joguei por horas a primeira aventura do intrépido e atrapalhado Guybrush Threepwood. Nos anos que se seguiram eu fui desbravando pouco a pouco os outros jogos da franquia que já não estava ativa quando eu passei a conhecê-la. Mesmo assim me tornei um grande fã da série. Foi uma satisfação ver um retorno temporário dela no finalzinho dos anos 2000 com Tales of Monkey Island, desenvolvido pela Telltale Games em parceria com a LucasArts, e também os remasters dos dois primeiros jogos.

Até tive esperanças que isso seria um revival da franquia, mas dado os problemas de gestão da Telltale esse sonho não veio a se realizar. Acabei por aceitar o fim das aventuras de Guybrush Threepwood mesmo querendo que tivessem mais algumas. De qualquer forma eu estava feliz com toda diversão que tive com a franquia.

Aí imagina a minha surpresa quando em pleno 2022, ano da pirataria, Ron Gilbert, a mente por trás dos dois primeiros títulos da franquia, surge na internet para avisar que estava trabalhando num novo jogo de Monkey Island. Não apenas isso, ele fala também que o jogo seria lançado dentro de poucos meses.

E assim começou o meu literal Retorno para a Ilha dos Macacos (que faria mais sentido em inglês, mas fazer o quê?)

Me sinto na obrigação aqui de fazer uma pausa para agradecer novamente meu amigo Jogando Sem Hype, host e criador do podcast Fora do Controle, que me deu o jogo de presente na Steam e caso contrário eu só teria conseguido jogar no próximo ano

NOSTALGIA E EXPECTATIVA PELO CAPÍTULO QUE NUNCA HOUVE

O título Return to Monkey Island é bem simbólico porque ele marca diversos retornos. Tem o retorno do protagonista Guybrush Threepwood para dita Ilha dos Macacos. Mas também representa o retorno da franquia que já estava 13 anos sem uma nova aventura. 12 se considerarmos os remasters dos primeiros jogos que saíram em 2009 e 2010. Por fim, ele também simboliza o retorno seu próprio criador, o já citado Ron Gilbert, a série.

Sendo assim, após um hiato demais de dez anos, já era de se esperar que a volta dessa franquia viesse recheado de um sentimento de nostalgia. Isso tanto por parte do público quanto da própria equipe que teve a chance de voltar a trabalhar num novo título da franquia. E obviamente existem várias referências aos jogos antigos, sobretudo aqueles em que o Ron trabalhou, por meio de diálogos, itens e personagens.

Ora, o jogo até mesmo recria a icônica abertura de The Secret of Monkey Island no início do seu primeiro capítulo:

Com base nessa nostalgia, logo de cara Return to Monkey Island já precisa enfrentar um desafio que é a grande expectativa que já existe desde muito antes dele ser anunciado.

É de conhecimento para todos os fãs que nos primórdios da franquia Ron Gilbert tinha a visão de fazer de Monkey Island uma trilogia. Por isso o segundo jogo, Monkey Island II: LeChuck’s Revenge, termina num cliffhanger que deixava claro a ideia de um próximo capítulo. Contudo, no ano seguinte ao lançamento de Monkey Island II, Ron deixou a LucasArts para fundar seu próprio estúdio. Eventualmente a franquia retornaria por meio de uma nova direção com The Curse of Monkey Island. Nele tentaram dar continuidade ao gancho deixado pelo seu antecessor. Mesmo assim os fãs passariam os muitos anos seguintes sonhando e teorizando sobre o terceiro capítulo na visão do seu criador original.

Com isso dá para imaginar a empolgação que esses mesmos fãs ficaram ao saber que Ron Gilbert estava trabalhando num jogo e que esse poderia enfim ser o último título da trilogia que não existiu.

E graças a tudo que é mais sagrado Return to Monkey Island NÃO FOI esse terceiro capítulo. E nem mesmo teria como ser. O que Return to Monkey Island é na verdade é uma reflexão sincera sobre nostalgia e a idealização que fazemos do passado, a inevitável passagem do tempo e as mudanças que ela cria. Ao fim o jogo nos convida a fazer uma introspecção sobre o que deixamos do nosso legado.

OS TEMAS DE RETURN TO MONKEY ISLAND

A nostalgia é um dos principais temas do jogo e ela já aparece logo no prólogo. O jogo faz parecer que está iniciando exatamente onde Monkey Island II parou no estranho e enigmático parque de diversões. O primeiro pensamento é que finalmente teremos as respostas para todas as perguntas que o final de LeChuck’s Revenge levantou. Contudo isso logo sofre uma reviravolta quando você percebe que não está controlando uma versão infantil do Guybrush Threepwood e sim o seu filho em algum ponto do futuro.

Cena de Return to Monkey Island

Toda essa parte tem um sentido funcional como jogo. Ela é um tutorial supreendentemente orgânico que ajuda qualquer um que nunca teve contato com um jogo de aventura point & click. Mas o objetivo maior é mostrar qual a linha que a história irá seguir, não fazendo retcon dos jogos pós a partida do Ron Gilbert da LucasArts. O tutorial também serve para colocar a história sob a lente de uma moldura narrativa, técnica que consiste em inserir uma história dentro de outra história. Porque no final dessa sequência o verdadeiro Guybrush Threepwood, mais velho e agora pai, começa a contar para seu filho sobre sua aventura para descobrir o verdadeiro segredo da Ilha dos Macacos.

Dá pra dizer que isso funciona também como uma segunda referência ao Monkey Island II. Porque 95% desse jogo se passa com Guybrush contando para Elaine, seu interesse amoroso, como se meteu numa nova enrascada na sua busca pelo tesouro de Big Whoop. Só que esse recurso narrativo empregado em Return to Monkey Island tem um significado mais profundo atrelado aos temas que o jogo aborda. Porque ao colocar Guybrush relembrando o seu passado, Ron Gilbert consegue simbolizar o jogador revivendo os sentimentos de quando jogou The Secret of Monkey Island e LeChuck’s Revenge pela primeira vez. Ao mesmo também simboliza o próprio Ron ao pensar na sua criação.

Guybrush Threepwood & filho em Return to Monkey Island

Vocês devem ter reparado que eu tô repetindo muitas vezes o nome do Ron Gilbert nesse texto. É porque eu acho que ele é a chave e para se entender o que Return to Monkey Island representa. E também o motivo pelo qual esse não deve ser considerado como aquele terceiro capítulo que os fãs tanto sonhavam nos anos 90.

Return to Monkey Islando não é um retcon, pois em momento algum ignora os jogos anteriores. Apesar de que o jogo faz referências muito mais aos jogos do Ron, sobretudo Secret of Monkey Island. No menu inicial temos uma opção que te leva a um álbum, que mais uma vez evoca os temas de nostalgia e de memórias do passado, onde Guybrush narra todas as aventuras vividas por ele em todos os jogos. Vai desde aqueles nos quais o Ron Gilbert trabalhou até aqueles que não.

Livro de memórias de Return to Monkey Island

E uma vez que você termina o jogo — fiquem tranquilos que isso aqui não é um grande spoiler — novas páginas são adicionadas recapitulando todos os eventos da história atual e no final surge uma carta. Nela contém alguns pensamentos que o Ron registrou dois anos atrás quando a produção de Return to Monkey Island estava prestes a começar. E nessas reflexões temos o principal tema do jogo sendo bem escrachado pelo seu próprio criador mostrando como que, de certa forma, cada título de Monkey Island acaba sendo um reflexo das pessoas envolvidas na sua produção.

Em Secret of Monkey Island, ao mesmo tempo que tínhamos um Guybrush Threepwood novato (e mais ingênuo do que ele já é) aspirando à vida de pirata. Da mesma forma, naquela época o próprio Ron aspirava a uma vida no ramo desenvolvimento de jogos e construía sua carreira na LucasArts. Em Tales of Monkey Island, no qual o Ron contribuiu com algumas ideias, você tem um Guybrush mais maduro tal como a equipe envolvida e assim o jogo acaba tendo um pouco das questões sobre a vida de um adulto no meio da sua história.

Agora em Return of the Monkey Island você tem pessoas com mais de 50 anos nas costas, com suas carreiras feitas e novas percepções sobre a vida. E é exatamente que esse não é o terceiro capítulo que foi tão sonhado anos e mais anos atrás. As pessoas que trabalharam no desenvolvimento daqueles jogos já não estão mais aqui. E as que estão já não são mais as mesmas que eram naquele tempo. Adquiriram novas experiências, visões e valores que deixa impossível que elas possam fazer o jogo com o mesmo pensamento que tinham na época. Aquele mundo não existe mais.

E quando o Ron fala que essa é uma história de tentar reaver as glórias do passado e que Guybrush vai ter sucesso nessa jornada, mas também irá falhar, acho que ele também está falando dos jogadores. Muitos fãs antigos já vieram para Return to Monkey Island com suas pré-concepções do que eles esperavam que o jogo fosse e o que eles queriam rever. E o que o jogo faz é brincar com todas essas expectativas, dando pequenas amostras de nostalgia só para subvertê-la logo em seguida.

Cena de Return to Monkey Island

Quando você põe os pés em Mêlée Island você encontra um mapa praticamente idêntico ao de Secret of Monkey Island. Mas então ao entrar no Scumm Bar, em vez dos três antigos líderes piratas você encontra um novo e mais moderno grupo de piratas que tomaram o lugar deles. E conforme você explora a ilha nota que muitas coisas mudaram. Não há mais a casa do Meathook e nem do instrutor de espada. A loja do Stan foi fechada e agora ele está preso por fraude (até que demorou). A Senhora do Vodu está indo a falência e Carla deixou de ser a Mestra Espadachim para assumir um monótono e burocrático cargo de governadora. Embora haja um forte sentimento de familiaridade com aquele local, você sabe que ele já não é mais o mesmo.

Cena de Return to Monkey Island

E essas “subversões” das memórias do jogadores continuam ao longo de toda primeira metade do jogo. Return to the Monkey Island faz você assumir que haverá um desafio aos moldes dos primeiros jogos e segue por um caminho bem diferente. Logo na segunda parte você pensa que terá que fazer novamente a poção para encontrar a Ilha dos Macacos. Porém as coisas pegam um desvio e mais uma vez Guybrush precisa dar um jeito de improvisar para alcançar os seus objetivos.

Isso acontece tantas vezes que pra mim é seguro assumir que o Ron e sua equipe fizeram propositalmente. E não acho que foi numa intenção maliciosa de enganar seus jogadores e capitalizar em cima da nostalgia. Pelo contrário, faz parte da grande narrativa do jogo. É uma forma de comentar sobre como o apego as memórias passadas vai acabar levando a frustração uma vez nada pode voltar a ser como era antes.

Fà ANTIGO X POSSÍVEL FàNOVO

Outra coisa que vemos repetir consistentemente ao longo de Return to Monkey Island é uma espécie de conflito de gerações. Quando você encontra o novo grupo líderes de piratas que menosprezam o Guybrush por ele ser uma relíquia do passado. Em seguida, você passa a observar sendo repetida várias e várias vezes essa ideia de que o segredo da Ilha dos Macacos é para a geração mais nova de piratas. Se levarmos em consideração que o “segredo” pode representar o próprio jogo, faz parecer que Return to Monkey Island não é para os fãs antigos e sim para os novos fãs que o jogo visa conquistar.

Cena de Return to Monkey Island

Se formos comparar, Return to Monkey Island, salvo os personagens, tem muito mais a ver com jogos de aventura point & click modernos do que os primeiros da franquia. Você tem uma direção artística nova — que tem o lamentável episódio do Ron Gilbert decidir fechar seu blog depois de uma série de mensagens abusivas— e a jogabilidade não tem quase nenhum resquício dos clássicos. A interface foi modernizada, removendo os comandos verbais que o Ron reproduziu em um dos seus jogos mais recentes, Thimbleweed Park, por comandos mais simplificados.

Há sugestões visuais que ajudam o jogador a identificar quais itens ele pode combinar e quando eles podem interagir com o ambiente. Isso tira a velha necessidade de recorrer a tentativa e erro. Você chega até a ganhar um livro de dicas para ajudar a resolver os enigmas que encontra. Há também a inclusão de um botão para destacar quais locais no mapa você consegue interagir. Algo que já virou uma norma do gênero há bastante tempo, inclusive.

Inventário de Return to Monkey Island

Isso tudo significa que o jogo quer se distanciar dos seus fãs mais antigos? Claro que não! Isso é apenas mais uma consequência do tempo. O gênero de aventura point & click, ainda que não tenha a mesma presença no mercado como teve no passado evoluiu. Melhorou vários aspectos da sua jogabilidade padrão, incorporou novas mecânicas, tentou abranger seu público. Isso é uma necessidade para toda franquia que queira sobreviver além do seu tempo. Porque se você parar, você estagna e eventualmente sobrepujado é por novas propriedades.

Olha só para Resident Evil que está constantemente modernizando sua jogabilidade, se mantendo relevante e conseguindo alcançar novas audiências todo ano. Enquanto isso, Silent Hill está sobrevivendo a aparelhos. O que Return to Monkaey Island está tentando fazer aqui é reconhecer que isso é uma mudança natural, seja na vida seja na indústria dos jogos.

Quando eu via algumas reações sobre Return to Monkey Island encontrei um fã reclamando como destruíram o Guybrush Threepwood nesse novo jogo. Grande parte do argumento dele girava em torno do Guybrush ter criado do nada uma obsessão pelo segredo da Ilha dos Macacos, coisa que de fato ele nunca foi. No primeiro jogo quem se importa com o segredo é LeChuck e o Guybrush só vai para a ilha para tentar resgatar Elaine. No segundo, Guybrush sai em busca de um tesouro totalmente diferente, sendo a Ilha dos Macacos se manifestando apenas como uma referência dos eventos anteriores.

Cena de Return to Monkey Island

E o que esse fã enfurecido pareceu não perceber que essa aparentemente mudança da personalidade do Guybrush também tem uma razão simbólica. Ela está ali para representar a própria obsessão desses fãs antigos, seja com teorias sobre o que seria o segredo da Ilha dos Macacos, o final confuso de LeChuck’s Revenge e sobre o desejo de um terceiro capítulo quando isso nunca foi a essência da franquia.

Cena de Return to Monkey Island

O jogo mesmo faz questão de destacar como essa obsessão é prejudicial e só vai te levar a decepção, impedindo que você aproveite aquilo que é de mais valioso nessa jornada

CONCLUSÃO

Mas enfim, essa foi a minha interpretação de Return to Monkey Island. Posso estar errado? Talvez! Mas assim como o significado do segredo da Ilha dos Macacos, nós nunca iremos saber. Porque no final isso não importa. Tem um vídeo que encontrei que consegue explicar isso muito bem e faço questão de deixá-lo aqui para quem tiver interesse:

Não acredito em notas (e um dia explicarei isso) então não terá nenhuma daquelas tabelinhas de “Jogabilidade: X, Gráficos: Y, História: Z” que eu acho abomináveis. O que posso dizer a vocês é que joguei com muita satisfação Return to Monkey Island. Não chegou a ser o meu favorito, meu coração estará sempre com The Curse of the Monkey Island dado meu fraco por animação tradicional, mas tematicamente foi um dos títulos mais prazeroso da franquia. E agora, tal como Guybrush, finalmente estou pronto pra seguir com a minha vida guardando com carinho as memórias desse e dos demais jogos da série.

Então obrigado por tudo, Ron Gilbert!


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