Esse ano eu vi O Menu.

Ele já se encontra na minha lista dos meus filmes de terror favoritos e mostra como o cinema moderno continua produzindo obras-primas se você souber procurá-las direito. Conta com um elenco fantástico e um roteiro que sabe muito bem construir a tensão e equilibrá-la com um bom humor negro sarcástico. Eu gostei tanto desse filme que estava pensando em escrever algo sobre ele. Mas diferente do meu longuíssimo texto sobre Batem À Porta, nele eu gostaria discutir como O Menu aborda o tema do artista que perde o amor pela sua arte devido a diversos agentes.

Porém hoje eu preferi falar sobre O Último Virgem Americano!

LUZ, CÂMERA E… SEXO (NA SUA MAIORIA PROBLEMÁTICO)

Sex comedies americanas dos anos 70 aos 2000
Do final dos anos 70 até meados dos anos 2000, quem nunca viu um filme desses que atire a primeira pedra

As ditas sex comedies, comédias de sexo, são um fenômeno global. Praticamente todo país teve em algum momento da história do seu cinema um período onde dezenas desses filmes foram produzidas. Aqui no Brasil tivemos as pornochanchadas que, além de explorar temas sexuais nas suas comédias, ainda contavam com um subtexto político dado contexto da época em que o país vivia sob a ditadura militar. O cinema americano também vivenciou essa “febre” das sex comedies que se iniciou no final da década de 70 e explodiu nos anos 80 com alguns títulos infames como Porky’s e A Vingança dos Nerds. Hoje grande parte desses filmes seria classificada como “envelheceram muito mal” pelas abordagens problemáticas em relação a sexualidade e representação das personagens femininas.

E no meio dessa leva de sex comedies oitentistas surgiu O Último Virgem Americano, uma produção do clássico Cannon Group.

O nome pode soar bem familiar para crianças brasileiras dos anos 80 e 90. Porque foram os estúdios da Cannon os responsáveis pelo grande fluxo de filmes da Sessão da Tarde e de fitas VHS. Isso graças ao modelo de negócios da Cannon que comprava os scripts mais baratos que você podia encontrar na época e os colocava em produção. Meio o que a Blumhouse faz hoje com filmes de terror. Foi nessa onda em que foram produzidos as sequências de Desejo de Matar, uma penca de filmes do Chuck Norris, a trilogia Ninja, Stallone Cobra e também várias comédias e musicais.

Entre esses filmes estava então O Último Virgem Americano. Ele é na verdade um remake de outro longa-metragem que os donos da Cannon da época, os israelitas Menahem Golan e Yoram Globus, já tinham produzido para o cinema israelita em 78 chamado Lemon Popsicle. O roteiro é essencialmente o mesmo, apenas mudando o contexto do original que era numa Israel da década de 50 para os anos 80 de Los Angeles.

E por que eu estou dedicando tantas palavras para falar dessa sex comedy oitentista que somente algumas pessoas vão se lembrar dela? Porque eu tenho um fascínio por esse filme. Na verdade eu sou fascinado pelo final dele que pra mim foi uma das coisas mais incríveis a se colocar numa obra desse gênero. Eu até brinco que provavelmente O Último Virgem Americano que fez nascer o primeiro redpill e logo vocês entenderão o porquê.

Mais recentemente, tipo algumas noites atrás, eu resolvi enfim assistir o filme por completo. Não só deixou o final ainda mais fantástico, mas também me fez pensar. Sem… sacanagem! Reavaliando O Último Virgem Americano tive a impressão que o filme, talvez inadvertidamente, acaba servindo como uma boa crítica a figura do “nice guy” que era tão comum nessas comédias.

Porém antes de entrarmos nesse tópico eu tenho que fazer uma coisa:

SPOILANDO O ÚLTIMO VIRGEM AMERICANO

Cena final de O Último Virgem Americano
O final desse filme é, sem ironia, uma das coisas mais maravilhosas que eu já vi

Não tem jeito de falar sobre O Último Virgem Americano sem saber tudo que acontece nele. E honestamente você não vai estar perdendo muita coisa, até porque o motivo pelo qual ele é lembrado até hoje é justamente seu final.

A história é centrada em três amigos: Gary, que é o protagonista, Rick e David. Os três estão constantemente se… metendo (eu juro que não tô escolhendo essas palavras de propósito por causa do tema) em diversas aventuras cujo único objetivo é conseguir transar com alguma garota. Essas aventuras geralmente terminam com Rick se dando bem, já que ele é o equivalente de galã para uma comédia juvenil, e Gary tendo outra tentativa frustrada de perder a virgindade. Não vou me prender a essas histórias paralelas porque elas são mais esquetes rápidas pra estender a duração do filme.

A trama principal engata quando Gary conhece Karen, a típica nova garota da escola, pela qual ele se apaixona a primeira vista. Porém, para seu desespero, Karen começa a sair com Rick que deixa bem claro que seu interesse na garota é somente pela chance de desvirginá-la. O filme então segue com Gary tentando fazer de tudo para conquistar Karen, e falhando miseravelmente, e impedir que ela e Rick tenham uma relação sexual, falhando miseravelmente de novo.

As coisas complicam porque Rick acaba engravidando Karen e decide abandonar a garota duvidando até mesmo que ele seja o pai. Gary resolve então ajudá-la. Depois de vender alguns de seus itens pessoais e pegar um adiantamento com seu chefe, Gary paga uma operação de aborto para Karen. Os dois passam um final de semana na casa da vó dele enquanto a garota se recupera e lá que ele decide confessar seus sentimentos por ela. Os dois se beijam e Gary fica confiante que agora a relação deles irá florescer.

Como o aniversário de Karen se aproxima, Gary junta mais um dinheiro e decide comprar um presente especial para ela, um daqueles colares em formato de coração. Ele chega na festa todo animado, porém ao entrar na cozinha encontra Karen e Rick reatando novamente. Destruído, Gary entra no seu carro e o filme termina com ele dirigindo, sem rumo e com lágrimas escorrendo pelo seu rosto, ao som de Just Once.

Meu Deus, como isso foi lindo! Arte na sua forma mais fina. Não tô zoando, eu legitimamente acho o final de O Último Virgem Americano maravilhoso. Vou explicar porque:

O DESTINO MERECIDO DE GARY

Rick e Karen se beijando no final de O Último Virgem Americano
BEM FEITO!

Eu falo que O Último Virgem Americano provavelmente criou o primeiro redpill porque eu consigo perfeitamente ver um homem assistindo esse filme e falando:

– Tá vendo? Mulher tudo gosta é de canalha mesmo!

Não apenas consigo imaginar como eu também já vi alguns comentários nesse naipe em comentários do YouTube. E claro que essa é uma interpretação vitimista, ressentida e completamente burra que ignora o filme como um todo só pra mais uma vez por a culpa na mulher. E aqui eu deixo a minha hot take sobre o filme: ao contrário do que muitos pensam, Gary mereceu quebrar a cara daquele jeito!

Isso não é com base em nenhuma baboseira redpillada sobre como não se deve ser gado de mulher ou aquelas teorias pseudocientíficas sobre macho alfa, beta, sigma, sei lá que letra grega tão usando agora pra fingirem que são sofisticados e intelectuais. O filme não é nenhuma prova de como mulher gosta de cafajeste e que se você tentar ser bonzinho com elas no final você vai se ferrar. Longe disso! Essa é uma história sobre como você não pode fazer e muito menos exigir que alguém corresponda aos seus sentimentos. Nem mesmo se, na sua cabeça; óbvio, você seria o parceiro ideal pra ela. Em outras palavras, O Último Virgem Americano nos mostra que ninguém, e enfatizo, ninguém é obrigado a gostar de você, num sentido mais íntimo, só porque você é legal com ela.

Eu entendo que é muito fácil ficar do lado de Gary afinal ele é o underdog da história. As pessoas, e me incluo nesse grupo, tendem a simpatizar com esse tipo de personagem. Porém, se prestarmos bem a atenção, Gary não é tão coitadinho assim no filme. Claro ele é um rapaz aparentemente agradável, está realmente apaixonado por Karen e só quer vê-la feliz. Certo? Mais ou menos! Porque essa parte do “vê-la feliz” tem um implicação de que ela deveria ser feliz com ele. Por isso que ao longo do filme todo a gente vê como o Gary é um cara ciumento, mesquinho, teimoso, mimado e totalmente iludido. Ele é o que a internet convencionou chamar de “nice guy” que está tão presente na cultura pop.

Uma das primeiras coisas que Gary faz é pedir para David descobrir onde Karen mora. Então, no caminho para escola, ele vai até a casa dela, esvazia o pneu da sua bicicleta e então surge como uma espécie de cavaleiro de armadura branca oferecendo uma carona para ajudar a donzela. Eles começam a conversar e a principio tudo corre bem. Começa a pintar uma amizade entre eles. A-M-I-Z-A-D-E! Porém, lógico, Gary quer mais do que isso. Portanto ele pergunta se Karen tem namorado e tenta convidá-la para uma festa. Karen rejeita cordialmente a investida dele e diz que estará ocupada.

Contudo, depois na festa ela aparece ao lado de Rick. É nessa hora que o coleguinha redpill vai saltar da cadeira de novo e gritar:

– Olha aí, que vagabunda mentirosa! Se tava ocupada por que decidiu sair com o Rick? Manipuladora e mal-agradecida!

*sigh*

Precisamos entender uma coisa: só porque você tentou educadamente convidar uma mulher para sair ela não é obrigada a aceitar. É um direito básico não só dela, mas de todas as pessoas do mundo!

Outro papinho que eu sei que muito cara vai lançar é dizer o que a Karen foi desonesta com o Gary ao dizer que não tinha namorado e depois aparecer na festa com Rick. Tá, mas e daí? Novamente, outro direito básico de todo mundo. Só porque uma pessoa não está num relacionamento no momento não significa que ela não esteja interessada em alguém. E não precisa ser nem para uma relação duradoura, pode ser algo puramente casual. O grande problema é que Gary não consegue aceitar a ideia que ela não esteja interessada nele.

Como escrever diálogos 101
Nossa, por que será que ela não se apaixona por esse partidão, hein?

E o que o nosso “nice guy” aqui faz? Bebe, trata a garota mal e cria uma cena na festa pelo simples fato que ela gosta do amigo dele. Poxa, e por que ela não gosta do Gary, meu Deus? Afinal… ele deu uma carona pra ela! Isso é outra coisa Gary não entende. Relacionamentos não são feitos na base do escambo. Você não faz X pra pessoa e ela te retribui com Y. É algo imensamente mais complexo e, na raiz disso tudo, vai depender dessa pessoa estar aberta a se interessar por você. Coisa que Karen não está com Gary.

Aí vem o redpill e, julgando novamente, começa a questionar:

– Mas por que ela decide sair com esse Rick que é claramente um babaca? Ah, já sei! Deve ser porque ele é chad enquanto o Gary é beta!

*sigh mais profundo*

Sim, claro que ela deve ter escolhido o Rick só porque ele é bonitão. Afinal todo mundo sabe que as mulheres só se importam com aparência, né? Nem deve ser pelo fato do Rick ser mais confiante e ter mais traquejo com mulheres do que o Gary. É tudo por causa das noções abstratas de beleza e estética!

A única coisa que eu concordo é que, sim, Rick é um babaca. E muito provavelmente ele irá decepcionar Karen no futuro. Talvez ela não devesse dar mesmo uma segunda chance a ele. Só que tem um detalhezinho: A ESCOLHA AINDA É DELA!

Não é papel meu, seu, dos redpills e nem do Gary decidir com quem ela deve se relacionar. Se ela gosta do cafajeste, o que a gente pode fazer além de no máximo dizer pra ela pensar duas vezes? E outra, não vamos esquecer que esses personagens são adolescentes que ainda tem muito que aprender na vida. Até a ação do Rick de abandonar a garota depois de saber da gravidez é “””compreensível””” no sentido que dá para entender porque ele foge. É um moleque ainda, como a gente vai esperar que ele haja com maturidade e responsabilidade nessa hora?

E aí vem a questão do aborto.

Karen reforçando que vê Gary apenas como um amigo
Entenda os sinais, colega!

Gary foi lá e guardou o segredo sobre a gravidez, juntou dinheiro para o aborto, deu apoio emocional para Karen no momento que ela mais precisava. Só que não podemos dizer que ele fez pelos motivos mais altruístas, podemos? No filme fica óbvio que Gary não agiu apenas porque ele é uma pessoa boa que queria ajudar uma amiga em necessidade. Ele assumiu o BO porque viu ali uma oportunidade de conquistar Karen. Porra, vamos ser sinceros, você confessar seus sentimentos depois dela passar por uma situação complicada na qual você ajudou financeiramente é botar essa pessoa numa tremenda sinuca de bico.

E a Karen é grata por tudo que ele fez por ela, só que isso não a obriga a se apaixonar por ele. Tanto é que ela diz categoricamente como o vê como um verdadeiro amigo. O beijo que eles trocam é mais uma demonstração de afeto e gratidão pela ajuda, não uma sinalização que agora ela tem interesse em começar um relacionamento com ele.

Por isso que eu digo com todas as letras que Gary mereceu esse final. O tempo todo ele fica tentando forçar que Karen passe a gostar dele e ignora todos os sinais da garota mostrando que não está interessada nele. É isso que o filme está o tempo todo gritando para gente. Não se obriga ninguém a gostar de você por mais “legal” que você acha que tu é. A escolha não é apenas sua, seu moleque mimadinho!

TUDO DEPENDE DA INTENCIONALIDADE

Aparentemente a árvore e as laranjas tem algum simbolismo em O Último Virgem Americano
Eu ainda não entendi qualé da árvore e das laranjas

Nessa parte geralmente entraria as Considerações Finais. Contudo eu preferi terminar o texto discutindo brevemente outro ponto. O problema que eu vejo na minha própria leitura de O Último Virgem Americano é que essa suposta crítica ao “nice guy” depende exclusivamente de você acreditar que houve a intenção. Eu mesmo não estou plenamente confiante nela e você pode tranquilamente achar que o filme trata Gary como a vítima dessa situação querendo nos levar a crer que Karen foi escrota com ele.

Até porque, né, isso ainda é uma sex comedy dos anos 80. É um tanto difícil dar esse benefício da dúvida quando o filme está repleto de elementos sexistas. Praticamente todas as mulheres são representadas de formas questionáveis e utilizadas apenas para sexo. Uma cena particular parece ter sido tirada diretamente de algum filme pornô além de ter toda uma problemática de uma mulher adulta querendo transar com três menores de idade. Caralho, até na montagem que fazem durante a sequência do aborto, que deveria ser um dos momentos mais dramáticos do roteiro, o filme faz questão de incluir uma cena gratuita da Karen pelada e chorando. Só porque existe o tema do aborto não é o suficiente pra dizer que o filme tinha uma visão até que progressista para época.

Então eu não vou por a minha mão no fogo e dizer que O Último Virgem Americano é uma desconstrução do “nice guy”. Pelo contrário, ele é evidentemente um produto de uma época bem específica onde havia pouquíssimo tato com a forma que se representava personagens femininas ou se discutisse sexualidade de um ponto de vista menos objetificador e, claro, masculino.

Eu acho interessante que o filme abre espaço para uma interpretação um pouco mais profunda da sua história, mas afirmar que esse era o objetivo inicial é mais complicado. Na melhor das hipóteses, eles acabaram tropeçando num ponto interessante enquanto só queriam mostrar uns peitinhos.

6 thoughts on “O Último Virgem Americano (1982): uma surpreendente, e talvez não-intencional, crítica ao “nice guy””
  1. Gostei da sua análise, mas tem que lembrar que Gary também é jovem e não tem experiência no sentido de saber que a outra pessoa não quer nada com ele. O famoso “desconfiometro” só adquirimos com a idade e experiência.

    1. Então, a inexperiência é compreensível em todos os personagens ali. O foda no caso do Gary é que parece que vive em negação. Recebeu todos os red flags possíveis que a garota não queria nada com ele, mas foi insistindo no erro até quebrar a cara de vez.

      E obrigado pelo elogio!

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