Pôster de GTA VI que contará a primeira mulher protagonista da franquia: Lucia
Não dá para ter um jogo novo sem uma polêmica tosca, né?

Não preciso fazer apresentações sobre Grand Theft Auto, o famoso GTA, afinal é uma das maiores e mais reconhecidas franquias da história dos vídeo games. Iniciando humildemente no final dos anos 90, GTA explodiu em popularidade no PlayStation 2 e só tem crescido desde então. Já fazem dez anos desde que o último título da franquia, GTA V, foi lançado e assim os fãs tremem de expectativa pelo próximo.

Já se tinha muitas especulações sobre se o sonhado GTA VI estaria em produção e ano passado a Rockstar Games resolveu confirmar que estava mesmo. Daí a gente iniciou aquele velho ciclo dos fãs criando mil e uma teorias sobre os possíveis caminhos que o novo jogo tomaria. Algo que é alimentado com os vazamentos de informações que agora são um evento recorrente de todo e qualquer jogo AAA. No caso específico de GTA VI um dos rumores era que o jogo contaria com uma protagonista, Lucia, devido um vazamento em 2022. Após o lançamento do trailer oficial ontem – que ironicamente foi adiantado por causa que alguém vazou antes da hora – não existem mais dúvidas:

Com o fato acima, agora repetem-se muitas das manchetes que já haviam sido escritas em 2022 sobre como GTA VI terá, pela primeira vez na história da franquia, uma protagonista mulher. Porém, como tudo que circunda a comunidade gamer, é óbvio que isso geraria uma polêmica estúpida tal como tivemos semanas atrás com Marvel’s Spiderman 2. E não é de agora, essa discussão já começou desde os rumores do ano passado. Por algum motivo – que sabemos bem qual e por isso nem vou me dar o trabalho de apontar – tem uma galera dizendo que a Lucia não é a primeira protagonista feminina de GTA. Inclusive isso vem aparecendo em notas da comunidade do Twitter:

A base do vamos chamar de “argumento” é que no primeiro GTA, lançado em 1997, você tinha oito protagonistas sendo que quatro deles eram mulheres. Certo… por onde eu começo sem partir para a ofensa gratuita?

Personagens jogáveis de GTA 1
Os tais “protagonistas” de GTA

Ok, vou começar por uma pergunta. Sem olhar no Google, por favor, você consegue me dizer o nome um dos personagens acima? Qualquer um, não precisa nem ser das mulheres. Vamos, diga! Pois bem, caso você não saiba, vamos tentar outra coisa. Você consegue me dar um detalhe que não seja a aparência de um desses personagens que o faça se distinguir dos demais? Um traço de personalidade, uma informação da história de fundo deles, qualquer coisa. Tenta aí, eu aguardo!

Não consegue, né?

Vendo mais discussões do que seria saudável pela internet, passei a reparar que as pessoas com frequência tratam alguns conceitos de forma universal. Assim elas acabam por ignorar que existem nuances diferentes dependendo da mídia que você analisa. A própria noção de gênero, por exemplo, terão aspectos diferentes se você estiver falando sobre literatura, cinema ou vídeo games. Isso também se aplica a noção de personagem.

Se formos partir pela definição literária, um personagem “é qualquer pessoa, animal ou mesmo objeto inanimado que tenha sido apresentado como pessoa na narrativa de um romance, poema, conto, peça teatral ou mesmo filme”. Nesse contexto, o personagem tem uma função narrativa na obra, uma vez que são suas falas e ações que movem a trama para frente. E vale pontuar que dentro da narrativa existem diferentes tipos de personagens como o protagonista, o antagonista, o interesse amoroso, personagens secundários, etc.

Agora quando a gente move essa discussão para jogos, um personagem pode não ter os mesmos atributos que vemos num filme ou num livro. Isso porque em vídeo games a gente está frequentemente pensando na ideia de personagem jogável que, vejam só, tem tipos diferentes dependendo do jogo. E não falo nem de jogos de gêneros diferentes, dentro de uma mesma categoria a gente pode encontrar diferentes exemplos de personagens jogáveis. Vamos pegar três protagonistas de três RPGs de ação diferentes: Adol dos jogos de Ys, Sora de Kingdom Hearts e o Dragonborn de The Elder Scrolls V: Skyrim.

Dos três Sora é o que mais se aproxima dos protagonistas que vemos tipicamente em outras mídias. Ainda que nós os jogadores possamos controlar as ações do Sora em Kingdom Hearts, nós não temos total controle da construção dele como personagem. Isso porque os roteiristas da franquia já pré-definiram características e valores para ele que independem daquilo que a gente escolhe fazer. Já o Dragonborn e o Adol tem um elemento em comum já que ambos são os ditos protagonistas mudos. Mas há uma diferença. Com o Dragonborn temos a liberdade de nós mesmos criarmos a história de fundo dando mais ênfase no fator de role play. Por outro lado com o Adol já não dá para sermos tão criativos porque, assim como o Sora, existem algumas qualidades do personagem que já estão pré-determinadas antes de tomarmos controle das suas ações.

Dado esses exemplos alguém agora poderia vir dizer que os personagens do primeiro GTA também são uma espécie de protagonistas mudos, o que eu diria que só é meia-verdade. Porque nesse caso eles se comportam muito mais como avatares do que personagens de fato. Os “protagonistas” de GTA não são mais do que representações gráficas para o jogador ser capaz de interagir. A escolha de qualquer um deles não impacta a gameplay em grau algum, nem na jogabilidade e nem narrativamente falando. O motivo pelo qual Divine, Katie, Mikki e Ulrika – e o mesmo vale para os quatro outros avatares masculinos – não serem vistas como personagens é porque elas não são nada mais do que uma escolha estética. É uma figurinha que você escolhe no início do jogo e depois abstrai completamente da existência delas.

Por isso que quando se fala que GTA VI terá a primeira protagonista feminina na história da franquia é porque a Lucia será a primeira funcionando realmente como uma personagem no sentido mais tradicional. Não é difícil de entender. O fato de termos essa discussão acontecendo com GTA VI mostra o quão besta o gamer consegue ser a troco de nada. É uma implicância cínica de gente que me parece que nem mesmo quer estar com a razão, mas quer que outro lado esteja errado. Tudo por causa de uma guerra cultural infantil que criaram na cabeça deles que se alastra por toda e qualquer mídia atualmente.


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