Na virada de 2022 para 2023 eu também fui possuído pelo ritmo Vampire Survivors. Recomendado por um SUPOSTO amigo, fiquei umas boas semanas jogando sem parar esse crack digital. Desbloqueei cada personagem, revelei cada mistério e terminei cada estágio. Até a DLC, que me foi dada de presente por outro SUPOSTO amigo, eu finalizei 100%. Então chegou um dia que eu desinstalei Vampire Survivors, fiz o meu texto e nunca mais cheguei perto dele.
Achei que a história iria acabar ali, contudo nos meses seguintes eu entrei por um caminho de autodestruição e decadência. Acabei flertando e me relacionando com alguns outros jogos que vieram nessa onda do Vampire Survivors. Felizmente foram poucos. Primeiro foi Brotato, também dado por um terceiro SUPOSTO amigo meu, e o você-não-está-enganando-ninguém-com-essa-jogabilidade Dino Survivors. Quando pensei que tinha me recuperado, 20 Minutes Till Dawn passou na minha frente e eu acabei cedendo aos meus instintos primitivos e comprei com meu dinheiro próprio…
Estou exagerando na minha forma de falar pelo meu meme pessoal do problema que tenho com roguelikes. Ou roguelites, se você é um daqueles que precisa que faça essa distinção. Contudo, no caso de 20 Minutes Till Dawn, eu de fato queria jogá-lo porque sua arte me chamou atenção. Em relação a jogabilidade eu não estava tão curioso assim por motivos óbvios. Você olha para o nome e para o jogo que o inspirou e já consegue inferir muita coisa sobre ela. Mesmo assim eu acho que não custa nada cobrir a gameplay.
UM BREVE RESUMO DE 20 MINUTES TILL DAWN
Resumidamente, o jogo se divide em partidas onde você precisa enfrentar várias ondas de inimigos e chefões por 20 minutos. Cada inimigo derrotado deixa um pouco de experiência para trás e a cada level o seu personagem pode selecionar um upgrade para ganhar novas habilidades, summons, melhorar seus ataques, etc; para aumentar suas chances de você sobreviver uma noite.
Ao mesmo tempo que existem várias similaridades com Vampires Survivors, 20 Minutes Till Dawn traz algumas características próprias. A mais evidente é que, no início de cada fase, além do seu personagem você tem que escolher uma arma principal (pistola, metralhadoras duplas, escopeta, bazuca, etc). Cada arma tem um cartucho de tamanho e tempo de recarga diferentes e isso obriga o jogador a ficar mais atento e estar sempre se reposicionando. No meio da partida você escolhe um dentre três bônus que adicionam algum efeito na sua arma ou até alteram o modo de ataque dela.
Além disso, cada personagem tem uma habilidade especial única, ativa ou passiva, que tem upgrades próprios deixados por alguns dos chefões. Eles também deixam tomos que aumentam ou diminuem certos atributos do seu personagem. Existem aqueles bônus permanentes que você vai evoluindo antes de começar uma fase, mas em 20 Minutes Till Dawn eles estão divididos em grupos e você só pode equipar um de cada. Por fim, vale mencionar as sinergias que você pode conseguir combinando certos upgrades para gerar um mais poderoso.
Então uma coisa que dá para notar nesse jogo é como a gameplay dá ênfase na variedade de builds que o jogador pode criar. Esse foi um aspecto que eu achei bem melhor do que em Vampire Survivors onde eu acabava apenas escolhendo sempre os meus upgrades favoritos. Você tem um leque de caminhos para seguir com o mesmo personagem e assim vai descobrir as melhores combinações para ele.
Contudo existe um grande problema em 20 Minutes Till Dawn que é o quanto ele enjoa rápido. Isso tem um pouco a ver com a forma que ele estende a duração da gameplay. Enquanto Vampire Survivors tem diferentes fases e segredos para te manter engajado, 20 Till Minutes Till Dawn tenta fazer isso através da dificuldade. Para tal ele usa o modificador de Darkness, que varia de 0 até 15, adicionando mais obstáculos que afetam as suas chances de sobreviver às ondas de inimigos. Só que cada novo nível de Darkness só é liberado quando você termina um estágio na dificuldade no anterior, portanto, você necessariamente terá que repetir as mesmas fases diversas vezes até chegar no nível máximo.
Como são apenas três estágios, dá para imaginar o quanto isso se torna repetitivo rapidamente. Eu já estava de saco cheio ali no nível 6 ou 7 se não me engano. Por ficar entediado em tão pouco tempo, isso incentivou o retorno de um pensamento que me vem à cabeça em todo jogo desse gênero em algum momento: por que eu ainda estou jogando esse negócio?!
Naquele meu texto de Vampire Survivors eu reconheço o aspecto viciante que esses títulos têm. Eu não fui uma exceção e me vi jogando alguns deles por horas ininterruptas em dias consecutivos. Só que sempre existe uma mudança súbita na minha relação com esse tipo de jogo. No instante x eu ainda estou jogando viciadamente, no instante x+1 eu desinstalo e eu não voltarei mais em qualquer instante x+n. Comecei a pensar em Cálculo do nada. Assim eu fico aqui tentando entender qual é o apelo dessas gameplays.
O que motiva os outros a seguirem nesses jogos? Mesmo quando já não tem segredo a revelar, personagem a desbloquear, fase a passar? E sempre que me questiono eu chego na mesma resposta:
CONQUISTAS, MALDITAS CONQUISTAS
Eu nunca fui muito chegado nesse lance de conquistas/achievements e, por extensão, em platinar jogos. Em parte é porque eu nunca me importei de fazer 100% de uma campanha, salvo raras exceções. Termino a história principal, algumas side quests e as DLCs caso existam e pronto, vou para o próximo jogo. Dá para contar nos dedos quantos eu *argh* platinei e geralmente isso ocorre porque eu já peguei a maior parte das conquistas durante a minha primeira jogatina. Porém a questão não se limita apenas a eu não gostar de ir atrás dessas conquistas, eu também não curto nem um pouco a forma como elas são usadas tanto pela comunidade quanto pelas empresas desenvolvedoras de jogos.
Em relação aos jogadores, desde a fatídica história do currículo gamer – se você não conhece essa treta, que bom para você – eu encaro conquistas com maus olhos. Porque para algumas pessoas elas viraram uma medalhinha que mostra que você é um true gamer e para mim elas só mostram que você é um true desocupado. Porém, como essa é uma questão muito influenciada pela minha antipatia natural a figura do gamer, eu vou deixá-la de lado. Até porque acho que tem um ponto melhor em relação ao uso das conquistas pelas desenvolvedoras como forma de aumentar artificialmente a duração da gameplay. Apesar de não dar pra afirmar com 100% de certeza em todos os casos, pelo menos em 20 Minutes Till Dawn isso é gritante.
Como viram na imagem, o jogo tem ao todo 34 conquistas na Steam, o que não é muito comparado a outros jogos desse mesmo gênero. Brotato, se não me engano, tem mais de 80. Um detalhe curioso que notei nas conquistas de 20 Minutes Till Dawn vem do fato que 24 delas são obtidas sobrevivendo uma noite na dificuldade máxima com determinada personagem ou com determinada arma. Perceberam a malícia? Isso significa que elas só podem ser obtidas depois que você já passou muitas horas dentro do jogo até o momento que consegue habilitar o nível 15 de Darkness. É impossível pegar 70% das conquistas na sua progressão normal. De um jeito ou de outro, você terá que, chutando baixo, passar mais três ou quatro horas extras se quiser essa “platina”.
Tô usando aspas porque platina é um termo mais usado no contexto
do PlayStation, mas vocês entendem o que estou querendo dizer.
Isso me incomoda porque em vez de encontrar meios mais criativos para manter o jogador engajado, o jogo só sabe botar conquistas arbitrárias. Vampire Survivors tem uma quantidade ridícula delas. Hoje são 211, na época que eu joguei eram 159, porém existem outras formas de te fazer passar mais tempo ali. Como eu já mencionei, existem estágios especiais e vários mistérios para você caçar pelas fases. Com 20 Till Minutes você só tem as mesmas três fases e esse bando de conquista genérica.
E esse é outro fator que me incomoda. Eu vejo sentido em existir conquistas para coisas conseguir zerar o jogo nas dificuldades mais difíceis, derrotar chefões ou passar de fases sem receber dano, masterizar todas as habilidades, pegar o true ending, etc. Essas realmente desafiam o jogador a fazer algo que normalmente ele não faria/conseguiria e assim tem que pôr um pouco mais de empenho. Só que isso geralmente compõe a menor parte das conquistas, onde a maioria se limita nas tarefas mais banais como pegar um certo item ou interagir de certo jeito com um objeto ou NPC.
Por exemplo, após terminar 20 Minutes Till Dawn e antes de começar esse texto eu joguei Slime 3K: Rise Against Despot. Este é mais outro shoot’em up roguelite, me dado de presente pelo mesmo SUPOSTO que me deu Brotato, e ele também me fez pensar a respeito de conquistas.
Review de um parágrafo de Slime 3K: Rise Against Despost
Não tem nada muito revolucionário, mas certamente vai agradar os entusiastas de “Vampire Surivors-like”. Tem uma arte fenomenal, uma lore simples para contextualizar o jogo e boa quantidade de fases. Uma escolha que eu achei interessante da jogabilidade é permitir que o jogador monte um pequeno deck com os upgrades que você pode pegar ao longo da fase. A dificuldade é bem inconstante, algumas fases são ridículas enquanto outras ficam complicadas do nada. No saldo geral, Slime 3K: Rise Against Despost é um bom jogo. Acho que colocaria ele junto de 20 Minutes Till Dawn na minha tier list se eu acreditasse nesse tipo de coisa.
Slime 3K: Rise Against Despot tem umas 80 e poucas conquistas, mais que o dobro de 20 Minutes Till Dawn. Eu não fiz as contas dessa vez, mas não tenho dúvidas que 70% delas se dividem entre melhorar suas armas até o nível máximo e derrotar uma determinada quantidade de monstros. São coisas bobas que não requer qualquer habilidade para se conseguir, só paciência para ficar refazendo as fases repetidas vezes até fechar tudo. Então assim que eu vi que não tinha nenhum desafio particularmente interessante em “platinar” esse jogo, eu só desinstalei depois de concluir a última fase.
Ainda tem um último ponto que me faz detestar a ideia das platinas, entretanto eu acho que ele merece ser discutido separadamente porque vai de encontro a uma tradição nos vídeo games que para mim é muito especial.
A FALTA DE ESPONTANEIDADE DAS CONQUISTAS
Algo que deveria ter esclarecido a respeito do título do texto é que não acho o ato de platinar, e as conquistas, como um gesto vazio porque não são recompensas de fato e nem porque elas não têm utilidade prática. Porque nesse sentido daria para argumentar que vídeo games também não possuem essa utilidade na nossa vida e tudo bem porque arte tem que ser inútil mesmo. Conquistas, para mim, são vazias pela soma da sua falta de criatividade e por não apresentarem um real desafio para o jogador em sua grande maioria. Assim eu as vejo com uma versão deturpada e falsa de uma cultura de longa data na história dos vídeo games.
Aficionados dos “briga de rua” e dos “jogos de navinha”, dos tempos imemoriais dos fliperamas até seus títulos mais modernos, estão bem familiarizados com a sigla 1cc, o one credit clear. O nome já não deixa muito espaço para dúvidas, né? Numa época em que os arcades eram conhecidos por terem uma dificuldade “caça-níqueis”, conseguir terminar o jogo com uma única ficha era uma tremenda conquista. E esse é um desafio que se mantém até hoje. O Savino do canal The Flying Kick costuma me dizer que uma das primeiras sugestões que ele dá para qualquer desenvolvedor de beat’em up é colocar um modo arcade. Essa foi uma tradição que veio da comunidade e muitos títulos atuais incorporam na sua gameplay de alguma forma.
Esse foi um exemplo, agora queria trazer um pessoal. Uma memória que eu tenho dos tempos em que jogava Super Mario 64 é na fase de Jolly Roger Bay. No fundo da baía tem uma corrente com uma estrela no meio para você pegar. O jeito certo de fazer isso é pegar aquele chapéu do Metal Mario, cair na água num ponto específico e catar a estrela antes que o efeito passe. Porém eu lembro que minha versão criança botou na cabeça um dia que queria tentar conseguir a estrela nadando. Sendo assim eu fiquei horas e horas testando todos os ângulos possíveis até que de algum jeito eu peguei a estrela. Não fui o único a ter essa ideia porque encontrei vídeos de outras pessoas fazendo o mesmo.
Ainda que fosse uma tarefa frustrante, que exigiu muitas tentativas e vidas perdidas, quando eu consegui pegar a estrela eu fiquei feliz. Eu já era grandinho o suficiente para entender que aquilo não iria ter qualquer benefício para o meu presente ou meu futuro. Era só o mero prazer de conseguir cumprir um desafio. Um sentimento simples, mas que existe ali. Algo diferente de quando eu ouço a notificação da conquista na Steam onde só me acomete um pensamento de “ah tá!”. Vejo que isso não tem a mesma graça porque não é algo que eu me dispus a fazer. Acho ainda pior quando é algo que de qualquer forma eu iria concluir porque é da campanha/roteiro principal do jogo.
Por fim eu queria citar só mais um exemplo que é de Vampire Survivors (que a esse ponto eu acho que já falei mais vezes do que o 20 Minutes Till Dawn). Naquele período que eu ainda estava jogando, fiquei sabendo do No Move Challenge. Mais um nome que entrega a ideia! Para conseguir sobreviver a uma fase sem se mover, você precisava de uma build bem precisa com as armas e acessórios corretos. Não sei se hoje numa das DLCs foi inserida uma dessas conquistas, mas quando eu joguei lembro que foi um desafio nascido de dentro da comunidade de Vampire Survivors que havia se formado naquele período. Eu também tentei concluir esse desafio só pelo fator “será que eu consigo?” e acabei me divertindo um pouco mais no processo.
Existe um ponto em comum entre o 1cc, a minha experiência em Super Mario 64 e o No Move Challenge: todos surgiram de maneira espontânea. Fosse entre amigos, fosse entre uma comunidade, fosse apenas entre você e o jogo. Dá para interpretarmos todos esses exemplos que citei como conquistas, porém por terem essa qualidade de espontaneidade, pelo menos para mim, acaba não caindo na mesma lógica que discuti no tópico anterior.
Fica muito menos artificial porque não é algo que o joguinho te mandou fazer pra te dar aquela ilusão que você está realizando algum feito e não apenas gastando mais do seu tempo ali. Não um tempo genuíno de diversão e sim uma obsessão de completar um álbum de figurinha imaginário.
CONCLUSÃO
Gastei 35 horas da minha vida com 20 Minutes Till Dawn e uma boa parte dessas horas foi para conseguir todas as conquistas. Porém eu fiz com o expresso motivo de confirmar que ao “platinar” o jogo eu não teria qualquer reação além de um vazio. Isso porque não passei por nenhum momento sequer de um desafio espontâneo com esse jogo. Ok, minto! Teve um caso que chegou próximo.
Uma das conquistas que tem em 20 Minutes Till Dawn requer que você sobreviva uma noite usando uma personagem cuja habilidade especial dispara todas as balas de uma vez. Contudo você tem que usar uma arma específica, a bazuca, porque as explosões que ela causa podem te acertar também. Então você precisa prestar o dobro de atenção e tomar cuidado com a build e bônus que vai usar na fase. O jeito mais fácil de pegar a conquista é botar na dificuldade zero, só que eu resolvi que queria obtê-la com o nível 15 de Darkness. Demorou muito mais tempo do que deveria, mas eu senti aquele pequeno prazer da estrela do Super Mario 64. Fora isso, todas as outras conquistas foram um grandíssimo nada.
Não quero que esse texto vire um desincentivo para as pessoas jogarem 20 Minutes Till Dawn. Mesmo ele sendo um roguelite, gênero este que deveria ser criminalizado. O jogo tem suas qualidades, embora que enjoe rápido devido a pouca variedade de fases. Talvez seja um dos melhorzinhos que surgiram nessa onda do Vampire Survivors, mas não joguei muitos para fazer esse tipo de afirmação com propriedade. O único desincentivo aqui é de ir atrás dessa artificialidade das conquistas quando você poderia muito bem ir jogar outras coisas que valem mais o seu tempo.
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