Uns anos atrás, numa das várias decisões ruins que eu já tomei na vida, resolvi assistir Todo Mundo em Pânico de novo. A última vez que eu havia assistido foi em algum momento entre a pré-adolescência e a adolescência. Eu estava ciente que as chances de eu gostar dele seriam baixas. Nesse intervalo de tempo eu assisti outros filmes na mesma pegada como Espartalhões, Deu a Louca em Hollywood e até mesmo os últimos filmes da franquia de Todo Mundo em Pânico que falharam em me fazer esboçar sorrisos. Então eu sabia que não seria diferente com aquele primeiro filme.
Ok, estou exagerando! Rever Todo Mundo em Pânico não foi de todo ruim assim. A versão cômica do Ghostface funcionou muito bem e essa sequência ainda me tira várias risadinhas. Inclusive teve algumas piadas com comentário social que na época eu não saquei e agora me pegaram, como no final dessa sequência onde a personagem da Cindy escreve “mulher branca em perigo” no site da polícia e os policiais aparecem imediatamente.
Contudo foi notável o quanto muita das piadas não clicaram comigo dessa vez. Em parte tem a ver com fato de hoje eu não curtir humor escatológico, embora eu não tenha nada contra esse tipo de humor per se. Mas as que funcionaram menos ainda foram as piadas faziam referências específicas a outros filmes e elementos da figura pop.
Recentemente, por causa desse filme, fiquei pensando no dito “humor de referência / humor referencial” – algo bem diferente de comédia autorreferencial que eu não irei explicar. Favor reclamar com a direção, que no caso sou eu mesmo. Eu não sei se esse é um estilo realmente estabelecido dentro do gênero da comédia que tem várias vertentes como: humor observacional, de personagem, comédia física, paródias, etc. Mas explicando humor de referência descreve um formato de piada cuja graça/humor deriva quase que exclusivamente do objeto a qual ela se refere. Ao menos é esse uso que eu vejo da expressão.
Eu fiz essa longa introdução só para contextualizar o que me motivou a jogar mais um título brasileiro de 2019: Zueirama. A proposta do jogo é mesclar as mecânicas dos jogos de plataforma dos anos 90 com o humor da cultura de memes da internet brasileira. Como descrito no seu site oficial:
Zueirama é um game de humor com gráficos e músicas retrô, inspirado nos saudosos jogos dos anos 90. Em um mundo cheio de referências de memes da internet, em que Coxinhas e Mortadelas se unem para acabar com a sua alegria, uma sátira com o momento que o Brasil está vivendo, uma polarização entre direita e esquerda.
Na sua época, comentou-se bastante sobre Zueirama. Elogiado até! Vários streamers e youtubers fizeram vídeos jogando e ele também foi bem recepcionado pelo público que achou curioso essa ideia de incorporar o “espirito da zueira de internet” num jogo. Essa já não é a mesma realidade hoje porque ele foi praticamente esquecido, apesar de ter alguns streamers que fazem live jogando de vez em quando.
Entretanto, mesmo depois que lançaram uma DLC em 2021, eu vejo pouquíssimas pessoas falando de Zueirama. Existem vários fatores para isso, na minha opinião, e o principal é como ele consegue ser um jogo ruim no gênero de plataforma e ainda pior na comédia. Por isso Zueirama não conseguiu se sustentar depois do hype da época.
Não sei o quanto isso pode ser considerado uma opinião controversa, até porque tudo vira controvérsia na internet. Só que eu vi tanta gente rasgando elogios para esse jogo que é no máximo medíocre que me leva a crer que isso é fruto de uma condescendência porque ele tem o suposto “espírito brasileiro”. Antes fosse, porque na real Zueirama é uma representação muito superficial da cultura brasileira e usa os memes como uma muleta para não desenvolver uma personalidade mais autêntica para o jogo.
Enfim, pelos meus comentários vocês já devem imaginar qual será o tom dessa crítica e vai ser bem negativa mesmo. Depois de rejogar Zueirama não me resta dúvidas de quão ruim ele nas duas facetas da sua proposta. Comecemos pela comédia, porém preciso contextualizar algo antes.
O PROBLEMA DO TAL “HUMOR DE REFERÊNCIA”
Frequentemente quando eu vejo falarem desse tipo de humor é na conotação negativa. E não é que humor de referência é seja ruim, ou então “a forma mais baixa de comédia” como eu já vi falarem também, por natureza. Tem mais a ver com o porquê de várias outras piadas não funcionarem. Óbvio que temos que levar em conta a subjetividade aqui, afinal todo mundo tem um senso de humor diferente. Porém, buscando o mínimo de objetividade para esse discurso, acho que dá para concordamos que uma piada pra ser efetiva ela precisa, no mínimo, ser bem construída.
Existem boas piadas de referência mundo a fora, mas quando as utilizam excessivamente elas se mostram como uma forma de “lazy writing” da comédia. The Big Bang Theory é uma série que eu já vi receber muitas críticas pelo fato de várias piadas dependerem exclusivamente do fato de serem referências nerds e extremamente sem criatividade. Um exemplo? Quando os personagens estão jogando Imagem & Ação e a piada é o Leonard ficar repetindo “Batman!”.
Só que o humor de referência carrega outro problema também. Esse é mais análogo ao caso das piadas internas. Uma piada, que tem como base uma referência, para ter a chance de surtir algum efeito em você é necessário que tu conheça o que diabos está sendo referenciado. Já que eu comecei o texto citando Todo Mundo em Pânico, vou exemplificar com uma outra cena do filme. Quando eu a vi pela primeira vez, não me fez esboçar qualquer sorriso, só me deixou confuso:
A principio parece ser apenas uma cena de humor nonsense com o vilão da história, certo? Porém, como eu vim a descobrir anos, na verdade o filme estava fazendo uma referência a um comercial da cerveja Budweiser que foi ao ar no final de 1999 alguns meses antes do filme. Uma referência tão específica que tem chances que até um americano na época não tenha entendido. Imagina então para um moleque de uns 10 anos no Brasil? Ao escolher fazer um humor de referência você arrisca alienar boa parte do seu público que está completamente alheio ao objeto referenciado.
E isso é só metade do problema!
Porque, mesmo que a pessoa entenda a referência, se a piada não constrói nada em cima daquele objeto você não tem qualquer motivo para achar graça. Reconhecer algo não implica que haverá um efeito cômico. Hoje, mesmo sabendo da referência que o filme fez, eu olho aquela cena e penso: tá, mas e daí? A graça aqui é só recriar o comercial com o Ghostface mesmo? O que de interessante ou cômico tem nesse conceito? No máximo dá para você considerar que tem a gag visual da máscara dele mudar de expressão, mas é algo que independe do comercial para existir. Você poderia fazer a mesma coisas em outros contextos, tanto é que o filme faz exatamente isso.
A única garantia de fato do humor referencial é que ele irá datar seu filme. A não ser que seja uma referência atemporal como de algum clássico popular do cinema. E isso só piora conforme mais tempo passa! É basicamente um prazo de validade. Quanto mais anos se passam, menos efeito aquela referência surte. Aí quando você pega memes, que às vezes tem um ciclo de vida que não dura mais do que uns dias, você começa a entender qual o problema que Zueirama enfrenta. Infelizmente, não é apenas um!
REFERÊNCIAS EFÊMERAS E TAMBÉM MAL ESCRITAS
Uma das características da cultura de memes é a sua alta taxa de rotatividade. Num único mês uma dezena de novos memes são criados na mesma proporção que os anteriores caem em desuso. Alguns duram mais, outros menos, mas praticamente todo meme vem com uma data de expiração. Há casos de algo virar meme no início da semana e ao fim dela ninguém já aguenta mais dado o tanto de repetição. Foi o que aconteceu com o meme do Drauzio Varella de “né minha filha?”. Praticamente no dia seguinte ao que ele viralizou já tinha perdido a graça pelas milhões de variações, sem criatividade vale ressaltar, que fizeram dele.
Quando Zueirama foi lançado em 2019, apesar dos elogios, eu vi algumas pessoas criticarem por vários dos memes estarem muito datados. Alguns vinham até de anos antes dele entrar em desenvolvimento, como é o caso desse do “Já acabou, Jéssica?” que viralizou em 2015. Isso acontece porque memes, como forma de humor, são muito efêmeros. Porém eu não acho que ser datado é um problema. Afinal, né? Olha as coisas que eu jogo! Essa coisa de achar que algo é ruim só por ser velho pra mim é só coisa de jovem meio burrão que com mania de ser “zé vanguardinha” até no humor. O real problema de Zueirama é o quanto a comédia dele é mal escrita!
Como eu disse, uma piada para ser efetiva tem que ser bem construída para aumentar sua chances de causar o efeito desejado que é o riso da audiência. E existem dezenas de técnicas dentro da comédia para alcançar esse resultado como personificação, regra de 3, comparação, exagero, misdirection, trocadilhos, etc. Mas se falarmos em termos gerais, a forma mais conhecida da estrutura de uma piada é o velho: setup + punchline.
O setup é a premissa, que por vezes inclui partes engraçadas, cujo objetivo é dar o tom da piada e guiar a audiência ou fazê-la assumir uma direção. A punchline é o que consolida a piada que por vezes tem algum desvio ou quebra de expectativa da premissa que foi estabelecida e assim causa o efeito cômico.
Em Zueirama a punchline é obviamente o meme. Porém, na maior parte do tempo, o jogo não faz qualquer setup decente pra ele. A coisa te pega mais no choque, podendo até causar um haha inadvertido pela surpresa. Só que as chances são altas de você só pensar: ah tá, aquele meme lá, lembrei. Os desenvolvedores se apoiam exclusivamente nos memes achando que a mera inclusão deles no jogo vai servir como piada. Chega ser patético de quão óbvio o quanto os diálogos são escritos com o único propósito de se referenciar um meme e o contexto ao redor da “piada” não é pensado para agregar algum valor cômico a cena.
Não é a toa o quão vergonha alheia ficam muitos dos diálogos que você encontra no jogo. Porque os desenvolvedores não estão pensando em construir uma narrativa cômica ou criar uma premissa para uma piada no futuro. Eles só estão buscando desculpas para inserir mais um meme na história e o resultado são falas horrivelmente escritas. Segue o exemplo:
Chega um momento que passa a doer os olhos pelo uso excessivo de “zueira” a ponto que a palavra ficar vazia de qualquer sentido. O jogo tenta ser “zueiro”, mas ele é apenas um amontoado de referências forçadas.
Embora todo mundo tente ser o engraçaralho da turma, humor é algo que requer prática e técnica. Comediantes de stand-up, por exemplo, passam semanas e até meses escrevendo, reescrevendo, testando e refinando suas piadas. E tudo bem os desenvolvedores de Zueirama não entenderem a arte por trás de se escrever comédia. Só que não tem como ignorar o quão preguiçoso é o texto desse jogo.
Você não precisa ser os Irmãos Castro, que tem um histórico longo de humor na internet, que conseguiram traduzir a sua veia cômica tão bem para A Lenda do Herói – esse, pelo contrário, é um ótimo exemplo de jogo que consegue misturar humor com a estrutura de um jogo de plataforma – para fazer um jogo de comédia. Mas você tem que pelo menos ter alguma noção de como se constrói uma piada em vez de só colocar um meme de vários anos atrás e achar que isso vai dar alguma graça ao seu jogo.
Parece que eu estou sendo excessivamente crítico com o jogo, mas de verdade chega um ponto que fica constrangedor. E não o humor constrangedor de The Office. É pura e simplesmente constrangedor!
BONITINHO, MAS ORDINÁRIO
Tentando não ser muito negativo, Zueirama tem suas qualidades. Não tem muitas, mas tem! Eu disse que estava tentando, não disse que conseguiria.
Antes de começar o texto eu resolvi dar uma checada na internet para ver o que outros jogadores já tinham dito sobre o jogo. Um elogio que eu vi se repetir com relativa frequência foi de como Zueirama era “bem feitinho” ou então “bonitinho”. E se estamos falando puramente da estética, de fato eu não tenho o que discordar desses comentários. A direção artística do jogo é muito bem feita, merece vários elogios. Embora, como podem reparar na imagem, eles acabam repetindo alguns elementos no mapa, os planos de fundo são lindos, a animação é boa e os designs de personagens exprimem muito mais criatividade do que as “piadas”. E aqui o pixel-art funciona não somente pelo fator nostalgia dos jogos retrô, mas também se alinha com o estilo caricato do Zueirama que, nesse caso, funciona a favor da pegada cômica que foi visionada para a gameplay.
Aliás, o humor de Zueirama funciona muito melhor na parte estética. Quando a referência é colocada apenas como um elemento ao fundo do cenário ou uma gag visual, fica muito menos forçado e consegue estabelecer alguma forma de nesse universo. E nessas horas que os desenvolvedores mostram um pouco mais imaginativos, como por exemplo a nave do vilão Sádipo que tem o formato de um fusca azul ou então numa determinada fase que se passa numa estrada e passa o Inri Cristo de motoca.
Eu tô batendo muito na tecla do humor afinal Zueirama se vende como jogo de comédia, porém ele também se coloca como jogo de plataforma. Ainda que as piadas fossem fracas, ele poderia compensar pela jogabilidade, certo? Porém Zueirama não é só ruim na comédia, ele é ainda pior como jogo de plataforma. Foi mal, nessa eu não consigo relevar. Se eu for tentar ser generoso, o level design de Zueirama é no máximo medíocre.
São os obstáculos mais triviais e sem inspiração que poderia haver num jogo do gênero quem tem zero crescimento orgânico do desafio. As primeiras fase até que funcionam bem, afinal elas servem para te introduzir a gameplay. Só que depois disso o level design não evolui e só te entrega o básico: é um death pit aqui, uma plataforma flutuante acolá e alguns inimigos salpicados que chega ser risível a inteligência artificial deles. Parece que foram tiradas diretamente do Super Mario Bros. do Nintendinho.
O jogo peca por apostar numa aparente variedade de mecânicas. Ênfase em aparente. Você tem uma fase de moto, uma na água com direito a batalha de submarino e até uma clássica fase de navinha ao estilo shoot’em up vertical. Sem contar que tem alguns minigames que são espalhados por praticamente toda fase de plataforma mais tradicional. Só que, novamente, na melhor das hipóteses elas conseguem ser medíocres. A fase da moto eu dou o braço a torcer e digo que é bem legal, inclusive tem o melhor boss do jogo todo. Porém a da nave é muito mais um exercício de paciência do que de reflexos. Sério, ela dá sono de tão longa e parada que é!
Zueirama se preocupa tanto em apresentar uma quantidade de coisas que se esquece de investir na qualidade. As fases são curtas demais e só mostram o quão sem ideias os desenvolvedores estavam para criar desafios. Aí o jogo pula pra uma fase com uma nova mecânica para você se distrair e não pensar muito em quão decepcionante foi a anterior. Os minigames chegam a ser insultantes de quão ridículos são. E existe um motivo para tanta falta de criatividade, porque esses minigames não servem para quebrar o gelo na gameplay. São outra desculpa para os desenvolvedores enfiarem mais um meme no jogo.
Voltando então aos comentários de como o jogo é bem feitinho. Posso concordar nos gráficos e nada mais. Level design é risível e as lutas com chefões seguem um script fixo que, tal como os minigames, é insultante de fácil. E olha que eu nem bati na tecla dos bugs que até hoje não foram resolvidos e só relevo porque nenhum deles chegou a quebrar o jogo pra mim.
Até daria para perdoar o humor fraco e vergonha alheia de Zueirama se ao menos entregasse uma boa experiência de jogo plataforma. Porém em ambos os casos o jogo não consegue ir além do básico do básico. Acho que é até simbólico o fato que a melhor parte dele ser os gráficos, porque no que tange a jogabilidade e a representação do suposto “espírito da zueira brasileira” não consegue ir além do que está na superfície.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando eu joguei a DLC de Zueirama – que não entrei em detalhes aqui pois ela está no mesmo padrão de qualidade do jogo base – eu escrevi assim no meu Twitter:
Humor fraco e datado, diálogos vergonha alheia, level design mais genérico possível e boss battles decepcionantes de fáceis. A “brasileiridade” do jogo é tão superficial quanto a sua gameplay
Então eu finalizo o texto com esse ctrl + C, ctrl + V do meu tweet porque ele resume bem minha opinião sobre Zueirama. Se o jogo mesmo não se esforça na sua proposta, não sou eu que vou me esforçar aqui nas considerações finais.
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Como você disse, esse é o tipo de jogo que literalmente já nasceu datado, chega a ser vergonha alheia. Já presenciei esse fenômeno em primeira mão com Espartalhões, que vi em 2021. Assim como Todo Mundo em Pânico no seu exemplo, até tem algumas piadas engraçadas, mas tem muitas horrivelmente datadas e quase incompreensíveis hoje em dia, como referencias à Britney Spears e outras celebridades do gênero. Não é nenhuma surpresa que não se façam mais esse tipo de filme hoje em dia.
Sim, esse filmes beberam errado das fontes de clássicos das paródias cinematográficas como “Top Secret! – Superconfidencial”, “Banzé no Oeste” ou então “Apertem os Cintos… O Piloto Sumiu!”. Um bom exemplo recente que dá pra citar fazendo direito igual os clássicos é o “Shaun of the Dead”, que eu não lembro qual é o título em português. Esses filmes focavam mais em fazer piadas com as convenções de cada gênero e não referências específicas que vão perdendo o efeito com o tempo