Anos atrás, quando eu criei um perfil no Medium, resolvi fazer do meu texto de estreia algo com algum significado. Ao contrário do meu blog antigo que foi apenas um texto genérico que trouxe para cá. Logo, a primeira publicação lá foi sobre o meu primeiro jogo: Claw!
Bom, tecnicamente ele não é o meu literal primeiro jogo. No meu aniversário de três anos o meu pai me deu um console que, por conta da minha memória nebulosa, às vezes eu lembro como sendo um Master System e outras vezes como um Nintendinho. No Natal daquele mesmo ano, minha mãe comprou um computador para a casa – uma velharia de 1,7 GB de HD que me vejo morrendo de saudades – e um dos meus primos colocou um joguinho nele. Era Duke Nukem, o primeirão de 1991 quando essa ainda era uma série (dois jogos) de plataforma.
Foi um tempo depois que eu enfim ganhei o CD que vinha Claw e foi “amor à primeira jogada”. Assim eu o considero meu primeiro num sentido mais simbólico pois, como gosto de descrevê-lo, Claw foi o jogo que me fez gostar de jogos.
Imagino que não é um nome familiar para boa parte de vocês. Claw é mais um daqueles títulos que está ameaçado de sumir do imaginário numa comunidade que preza muito mais pelo que é moderno e popular. Então a memória de Claw se mantém na cabeça das poucas pessoas que tiveram contato com ele na infância e que, eventualmente, irão se esquecer dele. Já não tenho esperanças que Claw ganhe algum revival então é só questão de tempo dele se tornar não “lost”, mas sim “forgotten media” . O jogo é de autoria da Monolith Productions, que passou a ser mais conhecida a partir de meados dos anos 2000 quando foi adquirida pela Warner Bros. Foi nesse período que ela lançou jogos como F.E.A.R, Condemned e, uns anos depois, trouxe também Shadow of Mordor.
Claw, por sua vez, é um de um tempo mais imemorial da Monolith, final da década de 90, quando ela estava ainda se estabelecendo no mercado. O jogo foi lançado uns meses depois do primeiro título comercial do estúdio que os entusiastas de jogos de FPS certamente devem conhecer: Blood. Esse conseguiu ter uma sequência e ainda teve um remaster anos atrás que lhe deu uma sobrevida nos tempos modernos. Claw não teve a mesma sorte. Até houve planos para uma sequência, porém acabou se tornando um jogo completamente diferente. Assim o legado de Claw se tornou um mero tópico no final da sua página da Wikipédia.
Ok, isso está começando a ficar deprimente…
MAS AFINAL, O QUE É CLAW?
Em suma: um jogo de plataforma!
Nele controlamos o gato pirata capitão Nathaniel Joseph Claw que parte numa aventura em busca do lendário Amuleto das Nove Vidas. Porém, para consegui-lo, Claw tem que encontrar as pedaços dos mapas e as joias que estão em posse de outras pessoas que também procuram pelo amuleto. A jornada se divide em 14 fases que mudam de temática de dois em dois estágios. Você encontra um pedaço do mapa e, na fase seguinte, luta com o chefão daquela região que lhe entrega uma das pedras. A exceção é o penúltimo estágio onde você já tem o mapa completo portanto enfrenta um chefão que lhe dá duas pedras.
Em relação as mecânicas, Claw reflete bem o gênero dos jogos de plataforma do seu período. Existe um forte senso de aventura swasbuckler nele pelos motifs de piratas, reforçado pelas armas do personagem. Além do seu clássico cutelo, você também leva uma pistola, dinamites e um pouquinho de vodu representado por um pó mágico que Claw pode atirar contra todos os inimigos numa linha reta. Existem alguns power-ups temporários, como espadas mágicas, invencibilidade e super-pulo. Esse serve para permitir que o jogador alcance partes secretas das fases ou pegar artefatos colecionáveis que aumentam sua pontuação. Não recomendo tentar pegar tudo a não ser que você seja um desses complecionistas hardcore porque, em falta de uma expressão melhor, É DIFÍCIL PARA UM CARALHO.
Além de uma barra de HP, Claw tem vidas limitadas. Você pode conseguir algumas extras ao longo das fases ou depois de passar de alguns limites de pontos. Às fases são divididas entre checkpoints de dois tipos: os padrões no qual você retorna se perder uma vida e um segundo que cria um save state no meio do estágio. Cada fase tem dois save states dos quais você pode tentar voltar depois para ter um desempenho melhor e tentar perder menos vidas ou conseguir mais colecionáveis. Novamente, não recomendo o segundo e estou repetindo para reforçar o quanto isso é complicado.
Pronto, essa foi uma descrição um tanto wikipedista da gameplay e é porque meu maior interesse não é falar sobre Claw como jogo e sim falar com da minha relação com ele. Caso contrário não estaria na categoria de textos pessoais, né?
CLAW & EU
Como o título lá em cima indica, Claw é um jogo muito querido por mim.
O motivo de eu dizer que ele é “o jogo que me fez gostar de jogos” é porque até eu conhecê-lo os vídeo games não eram tão diferentes dos meus bonequinhos. Na minha perspectiva, eles não passavam de outro brinquedo qualquer para eu interagir quando não estava na rua brincando ou montando meus Legos. Acredito que seja exatamente por isso que eu não consigo me recordar direito se o que eu tinha era um Master System era o Nintendinho.
Só que com Claw isso começou a mudar. Ele virou uma chavinha no meu cérebro que me fez ter uma conexão maior com a mídia. Tanto que é nítido o aumento de interesse que eu passei a ter com vídeo games depois que eu ganhei esse jogo. Eu não acho que precisamos racionalizar nosso apego emocional com as coisas que nos são caras. Porém com Claw eu acredito que sei quais foram os fatores que colaboraram para eu me afeiçoar tanto a ele.
Começa com o gênero. Duke Nukem, o jogo que tive antes dele, plantou aquela sementinha dos jogos de plataforma no meu coração. Então quando Claw entrou na minha vida ele a fez germinar, mesmo eu tendo zero coordenação motora para passar dos desafios. Plataformas que desapareciam eram meu pior pesadelo!
Outro fator que funcionou a serviço de Claw foi o fato de eu desde pequeno adorar animação. Algo que, como vocês podem ver nas minisséries de textos sobre ‘A (minha) saga Gundam‘ e ‘Em Memória a Satoshi Kon‘, se mantém até hoje. Uma grande surpresa que tive ao iniciar Claw pela primeira vez foi ver que o jogo tinha cutscenes em animação tradicional ou, como eu falava na época, “tinha desenho”. Claw despertou de imediato aquela mesma alegria que eu tinha em assistir os desenhos matinais no SBT e as animações da Disney que eu via religiosamente no meu VHS.
Esse aspecto também casa com o terceiro motivo que explica para mim o fascínio que tinha com esse título em particular Ao contrário de todos os outros jogos que eu tive até aquele momento, este vinha traduzido para português. E com dublagem! Portanto o meu investimento nesse jogo subiu em muito porque eu conseguia entender o que se passava na história e ficava curioso para saber o que iria acontecer a seguir.
Assim eu passei os anos seguintes da minha vida indo e voltando a Claw, mesmo não conseguindo terminá-lo. Tá certo que naquele período eu iniciava jogos com mais frequência do que conseguia zerá-los, já que era complicado eu me concentrar em algo por muito tempo, mas nesse caso a dificuldade também foi a grande barreira. O jogo até começa bem tranquilo, porém da metade para frente o pico de desafio sobe muito. Se décadas depois eu ainda tive que suar bastante pra conseguir passar de algumas partes, imagina o trabalho hercúleo que era para um garoto no início da sua vida que não tinha qualquer noção de espaço? A quantidade de pulos e plataformas móveis que eu errei porque achei que dava distância ou não pegava o timing correto.
Mas até que por muita tentativa e erro uma hora eu conseguia avançar. O que maior impeditivo que tive na época foi um chefão da fase do píer.
Todos os três primeiros chefões não tem muito mistério e qualquer criança era capaz de entender a lógica. Você atacava e tentava não ser acertado de volta. Só que nesse chefão a tática era diferente e eu era muito burrão para compreender. Ele ficava em cima da cabine do navio e no convés tinha um canhão que o chefão acionava de tempos em tempos, além de lançar bombas e mandar alguns capangas atrás de você. Na minha cabeça eu tinha que dar um jeito de acertar uma espadada nele, porém o que eu deveria fazer na verdade era pular numas plataformas que ficavam aparecendo e sumindo, subir até o topo do mastro e acertar um botão. Isso fazia o canhão mudar de posição e o chefão se alvejava no processo.
Hoje eu olho pra essa luta e penso “Rá! Melzinho na chupeta!”, mas o Belmonteirinho criança não teve a mesma sagacidade. De tal forma, por boa parte da minha vida as fases além do mapa do píer eram uma incógnita. O que talvez tenha sido uma coisa boa, pois se eu já tinha dificuldade nos primeiros estágios eu não teria a menor capacidade de passar da nona fase para frente. Não só pelos desafios mais complicados como também pelos chefões. O último eu tenho a mais absoluta certeza que nunca conseguiria derrotar. A luta exige muita habilidade, timing, paciência e autocontrole. Como criança eu não tinha nenhum desses itens, hoje eu tenho pelo menos três desses quatros.
Fora que último desafio antes de chegar no chefão é
uma coisa de corno que quase me fez dropar o jogo
para não ter que cometer crimes contra a humanidade.
Infelizmente, eu perdi o CD de Claw depois de um tempo e assim ele sumiu das minhas jogatinas da infância. Por outro lado, ele permaneceu vivo nas minhas memórias. Assim, anos depois quando eu já tinha aprendido a procurar e baixar jogos pela internet, eu resolvi ir atrás dele. Lembro de ter encontrado alguma versão funcional de Claw que tinha inclusive a dublagem brasileira. As cutscenes não rodavam, mas já havia YouTube então eu podia assistir por lá. Tive menos dificuldade em avançar no jogo e consegui derrotar aquele maldito chefão do píer, o que trouxe um pouco de paz para minha criança interior. Mesmo assim não consegui zerá-lo e o jogo acabou sendo perdido numa das trocas de computador que fiz.
Passam-se mais anos e pela terceira vez eu tento reaver Claw. Só que nesse momento a realidade resolveu me decepcionar. Muitos jogos de computador da década de 90 sofreram com o terrível destino da incompatibilidade com as versões mais recentes dos sistemas operacionais que no meu caso é, e sempre foi, o Windows. Por mais que eu tentasse eu não consegui fazer o jogo rodar e até hoje eu sigo não sabendo como criar uma máquina virtual para emular outros sistemas operacionais. Claw já era um abandonware há mais de uma década então o suporte era inexistente. Dessa vez eu tive a muito contragosto deixar o jogo para lá e torcer que um dia nossos caminhos se reencontrassem.
E, olha só, não é que semanas atrás isso aconteceu? O tempo recompensa os pacientes.
Ali na meiota de fevereiro um tweet passou pela minha linha do tempo com uma imagem que eu reconheci de imediato como Claw. O coração já deu aquela batida mais forte, o que sempre acontece quando eu me lembrava dele. Só que dessa vez a batida veio porque junto da imagem havia uma mensagem e junto da mensagem havia um link. Fãs tinham conseguido fazer uma versão de Claw que rodava nos sistemas mais modernos. Aqui está o link para quem quiser baixar. Óbvio que eu não poderia deixar aquele sinal divino passar batido e baixei o jogo na mesma hora.
Agora, mais de vinte anos depois desde a primeira vez que tive contato com Claw, eu enfim o zerei!
Estando mais velho (e muito mais chato) é impossível ter o mesmo deslumbre que eu tive com o jogo na infância. Ainda mais considerando a quantidade de jogos de plataformas que eu joguei depois dele. Não gosto de ficar comparando jogos, acho isso muita coisa de gamer médio, só que isso me fez ficar mais consciente de uns problemas.
A animação era bem mais truncada do que eu me lembrava e tanto a dublagem original quanto a brasileira não eram das mais profissionais. Se um comentário que vi no YouTube estiver correto, na dublagem brasileira um único cara foi responsável pela maior parte das vozes. Aliás, essa dublagem está incompleta pois deixaram várias frases de alguns inimigos simplesmente sem tradução e isso é algo que até como criança me lembro de ter notado.
Tem muitos inimigos com hitbox zoado. Algumas sequências que você tem que balançar por cordas dá para ver que estão mal sincronizadas. A maioria das fases se estendem mais do que deveriam. E tem aquele último desafio de corno antes de chegar no chefão final que é uma bagunça a parte.
Então essa última vez que joguei Claw serviu para duas coisas: desmitificar a idealização que eu tinha do jogo na minha cabeça e ver o quão feliz de jogá-lo de novo! Arriscaria até dizer que eu gosto muito mais dele hoje do que eu gostava quando criança.
Também existem vários fatores para essa sensação. Primeiro porque, mais do que outrora, eu tenho a sabedoria de não ficar exigindo esse grau de perfeição que o gamer médio acha que importa. Segundo porque hoje sou mais capaz de entender os vários problemas envolvidos na produção de um jogo e conseguir apreciar melhor o que foi entregue dentro desses limites. E terceiro e mais importante – algo que reparo acontecer toda vez que jogo Brave Fencer Musashi novamente – foi ver todas as memórias da minha infância voltando ao jogar Claw.
Mesmo jogando na dublagem original, eu conseguia escutar os vários trechos da brasileira na minha cabeça ao chegar em umas passagens específicas. Inclusive “Tem que haver uma saída!” é uma frase que eu repito na minha vida até hoje. Me lembrei de todas as vezes que eu usava o pó mágico do Claw e gritava junto com ele “mágica pó!” que era o que eu achava escutar quando eu era criança. Eu me recordei de cada instância em que penei para passar nas primeiras vezes que joguei, inclusive naquele desgraçado do píer. Eu me diverti tanto com essas lembranças quanto estava me divertindo com o jogo.
Além disso, eu acabei criando novas memórias, afinal tive toda aquele sentimento de descoberta ao chegar nas fases que nunca tinha visto antes. E minha família está até hoje tentando entender porque eu comecei a repetir “Scallywag!” do nada.
Foi bom, foi muito bom, foi muitíssimo bom retornar pra esse pedaço de infância e sentir que a magia ainda está ali de algum jeito. São algumas memórias preciosas que gosto de manter, iguais as que tenho de Turtles in Time e com meu amigo, nós dois sentados na cama, olhando para uma TV tubo minúscula e zerando esse jogo juntos pela primeira vez no meu antigo Super Nitendo. Foi uma página concluída, de um livro que jamais será fechado porque o tempo pode passar o quanto for que Claw nunca deixará de ser o “meu primeiro amor”.
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meu amigo… depoimento incrível, parabéns de verdade, esse jogo também marcou muito minha infância, ainda mais numa época que eu não fazia a menor ideia do que era internet e que eu descobria e conhecia jogos através de amigos e cds de revistas como a digerati, não consigo lembrar exatamente como nem quando, mas quando Claw foi parar no meu pc, foi só alegria, desde então não esqueço de Claw, estará sempre em minha lembrança e coração
Eu tenho quase certeza que o CD que eu tinha minha mãe encontrou numa dessas revistas estilo Digerati também! Obrigado pela leitura e fico feliz que tenha gostado do texto (bem como do jogo). Achoo importante a gente registrar essas coisas na internet, ainda mais quando é um jogo que tá tão afastado do imaginário popular