Semanas atrás era noite e tentava arranjar desculpas para não recomeçar Chrono Cross. Nada contra o jogo, só estou passando por um leve “burnout de RPGs”. Eis que, tal como o Mestre dos Magos, meu amigo aparece do nada pedindo que eu conferisse a Steam e logo depois desapareceu por trás de uma rocha outra vez. Ao abrir a plataforma descubro que ele tinha acabado de me presentear com o jogo Dave The Diver. Meu amigo já tinha o trailer hás uns meses, mas acabei abstraindo o título da minha mente.

Pois bem, não sei se o nome deixou muito claro, mas em Dave The Diver você controla um homem chamado Dave que, vejam só, é um mergulhador. Na história, um velho conhecido, Cobra, o convida para fazer parte de uma nova empreitada que é abrir um restaurante de sushi com o chef Bancho numa região um tanto especial chamada de Poço Azul.

De tal forma a gameplay de Dave The Diver se divide em duas partes. Primeiro, durante manhãs, tardes e eventualmente noites, você mergulha no Poço Azul para conseguir peixes, ingredientes e outros itens. Depois disso, você tem que ajudar o Bancho a cuidar do restaurante. Enquanto ele cozinha, você fica responsável por escolher o menu do dia, servir os clientes, limpar o balcão e por aí vai.

É um jogo minimamente curioso, vindo com aquele mesmo traço de personalidade peculiar que principalmente jogos indie apostam. Tem muita referência a cultura pop – dos animês e filmes, passando também por redes sociais e celebridades – compondo uma atmosfera mais leve, humorada e autoconsciente. Adorei boa parte das horas que investi nele e estou para novos conteúdos que o estúdio já indicou que virão no futuro.

Mas tem um probleminha. Algo bem pequeno, sabe? É que basicamente eu só gostei de metade de Dave The Diver. Tento colocar uma perspectiva diferente em algumas das minhas críticas e hoje será essa.

DESBRAVANDO OS MISTÉRIOS DO POÇO AZUL

Atirando o arpão em Dave The Diver
Eu nem precisava pegar esse peixe, só sou um babaca mesmo

Eu sou uma pessoa que curte bastante de minigames de pesca. Portanto era óbvio que toda a parte da gameplay de Dave The Diver que envolve capturar peixes eu iria adorar, como foi de fato o que aconteceu.

A “mecânica de pesca” na teoria parece simples. Você aponta seu arpão para o peixe e atira. Alguns vão resistir e você vai ter que acertá-los mais algumas vezes para enfraquecê-los. Em alguns casos você precisa de executar alguns comandos como apertar a barra de espaço para garantir a captura. Só que se fosse apenas isso o jogo iria ficar chato em poucas horas. Portanto Dave The Diver traz diferentes tipos de arpões, cada um com efeitos e comandos próprios, para dar alguma variedade as formas que você consegue capturar um peixe. Também dependendo do estado do peixe, você consegue extrair quantidade maiores de carne deles.

Há também um sistema de combate já que nem todo peixe é amigável e seus ataques reduzem o oxigênio de Dave. Você pode construir armas de longo alcance para se defender, ou encontrar pelo mapa, e tem sua boa e velha faca de mergulhador. Há outras armas brancas, mas deixo a surpresa delas para vocês. Também não podia faltar chefões variados que pretendo não comentar sobre pois muito da graça vem na surpresa de encontrá-los pela primeira vez. Só vou me reservar o direito de spoilar a lula gigante porque é o primeiro chefão que você encontra e ela aparece tanto na tela principal quanto no trailer.

Primeiro chefão, a lula-gigante, em Dave The Diver
Dentro dos seus limites, o combate de Dave The Diver é muito bom

Outra coisa importante de se destacar é que o jogo usa um pouco de geração procedural para criar seu ecossistema marinho. Isso vem incorporado própria história do jogo, pois logo no começo o Cobra te diz que no Poço Azul a geografia se altera cada vez que mergulha. Não é somente uma piadinha para mostrar autoconsciência da natureza do jogo, pois ela também serve para mostrar o aspecto mais fantástico do universo de Dave The Diver. É algo importante porque ao longo dos capítulos a fantasia se torna mais e mais presente na trama através do lendário Povo Marinho e outras criaturas praticamente místicas que você encontra.

Conforme você avança na história, novas áreas são liberadas que abrem mais um leque de peixes, itens e perigos no Poço Azul. É sempre uma empolgação chegar num novo cenário e imaginar o que você encontrará ali. Além disso, para quebrar o gelo, a gampelay conta com várias missões secundárias que servem tanto ao propósito de dar algo diferente para jogador fazer quanto inserir e desenvolver os personagens nesse universo.

Aqui entra outra escolha acertada dos desenvolvedores do jogo que é criar uma trama que se desenrola entre os dias que Dave passa entre seus mergulhos e as noites no restaurante. Remete a algo que um fantástico jogo indie fez: Papers, Please. Sua gameplay é bem procedimental, demandando que o jogador execute as mesmas tarefas repetidamente todos os dias. Contudo, ao mesmo tempo existe uma tensa trama sendo construída no plano de fundo que mostra as aflições de viver sob um regime ditatorial.

Diálogo contando a história do Povo Marinho
A história do Povo Marinho é uma das melhores partes de se explorar em Dave The Diver

Dave The Diver vai por essa linha também. Por mais que seja divertido mergulhar, capturar peixes e lutar contra tubarões e outras criaturas marinhas, obviamente isso uma hora ficaria chato pela repetição. Portanto existe uma trama que envolve misteriosos terremotos que assolam o Poço Azul e história do Povo Marinho além de pequenos arcos de personagens satélites. Tudo isso colabora para o jogador ter um investimento emocional no jogo, onde seu interesse não é apenas desbravar o Poço Azul, mas como também acompanhar o desenvolvimento dessa trama. Até mesmo uma simples história envolvendo um golfinho e sua parceira que vive se metendo em enrascadas servem para fortalecer nossos laços com o jogo além da sua jogabilidade.

Mas aí vem aquela droga de restaurante!

A INSUPORTÁVEL VIDA DE GERENTE

Restaurante do Bancho em Dave The Diver
Admito que o lugar é bonito pra cacete!

Narrativamente falando, o restaurante do Bancho serve como um símbolo de comunhão para os personagens. É onde vários deles se reúnem e tem seus arcos desenvolvidos. O principal aqui é entre Bancho e Dave. Ambos começam com um certo distanciamento já que não são nada além de parceiros de negócio. Mas ao final do jogo há uma forte amizade e respeito entre ambos.

Há também o valor prático no restaurante. Essa será a sua principal fonte de renda para conseguir financiar as melhorias dos equipamentos necessários para se explorar mais a fundo o Poço Azul. Até mesmo algumas missões utilizam das habilidades culinárias do Bancho no seu roteiro. Logo, sim, o restaurante é uma parte fundamental para Dave The Diver funcionar tanto como história quanto como jogo. Porém isso não muda o fato de que administrá-lo é um saco!

A rotina e as tarefas são bem definidas. Toda noite você seleciona os pratos que serão servidos, abre o restaurante e serve os clientes com comida e bebidas caso eles peçam. Com o tempo você acumula pontos que podem ser utilizados para pesquisar novas receitas. Também existem outras ações como limpar os pratos e reabastecer o wasabi. Felizmente depois de um tempo você consegue contratar funcionários além de treiná-los para liberar algumas habilidades que te ajudam nesse processo de servir os clientes. Mas isso é só o começo.

Conforme o restaurante cresce e as receitas ficam mais complexas, você precisa administrar novos recursos. Por exemplo, depois de uma missão um personagem faz um criadouro de peixes para você. Lá você deposita ovas que consegue durante a pesca. Depois que os peixes nascem você pode enviá-los para cozinha como ingredientes ou vender pra conseguir um dinheiro rápido. O criadouro tem um espaço limitado, portanto você constantemente tem que dar um destino aos peixes, o que consome um certo tempo.

Fazendinha, Zoo Tycon Marinho e Tamagotchi. Tudo isso em Dave The Diver
Sim, tem Tamagotchi no jogo e acho que é o detalhe mais importante de se destacar!

Há também uma fazenda que é liberada umas missões depois e aqui você tem dois tipos de plantação: uma exclusiva para arroz e outra para diferentes legumes. Além de ficar atento ao nível de nutrientes do solo, você que é responsável por plantar as sementes (no caso dos legumes), remover as ervas daninhas e fazer a colheita. Com o tempo um outro personagem cria um galinheiro para você, contudo nesse caso você não precisa fazer nada além comprar os animais, os ovos são recolhidos automaticamente assim que você entra na fazenda. Mesmo assim você vai gastar uns minutinhos aqui todos os dias.

Achou que acabou? Errado! Já mais para os últimos capítulos do jogo você também abre uma filial. Ou seja, agora você precisa decidir se vai enviar os peixes do criadouro para o restaurante principal ou o secundário, tem que mantê-lo abastecido, contratar novos funcionários, escolher um gerente e definir a linha que ele deve seguir no menu. Aqui você não precisa checar a filial todo o dia, porém é mais uma preocupação que vai consumir mais um pouco tempo. E estou batendo nessa tecla do tempo porque ela será importante no próximo tópico.

Enfim, toda essa parte “gerencial” da gameplay é, pondo em termos simples, chata. O jogo até tenta criar alguns eventos para quebrar o gelo aqui também. Ao longo da campanha você tem a visita de clientes VIP e duelos contra outros chefs. Também existem as festas temáticas que trazem clientes querendo um tipo específico de prato que abre oportunidade para se ganhar mais dinheiro. Em dado momento Dave The Diver até vira temporariamente uma visual novel para explorar o passado do Bancho. Aprecio a criatividade da equipe nesse quesito.

Contudo, nada disso empolga da mesma forma que explorar um novo mapa do Poço Azul. Os mergulhos são excitantes no sentido que você nunca sabe ao certo como será esse dia. Você pode dar de cara com um temível anequim ou então ser surpreendido por uma raia escondida na areia. Já o restaurante só traz obrigações rotineiras que não tem como você escapar pois toda noite você tem que abri-lo.

E o pior é que isso acaba afetando a parte mais divertida da gameplay.

UMA ÂNCORA QUE TE PUXA PARA BAIXO

Bom atendimento, ambiente agradável, comida excelente e vista extraordinária. Detestei!

Dificilmente você encontrará um jogo que não tem algum defeito, por menor que ele seja. Não falo de bugs e sim de alguma particularidade da jogabilidade que deixou a desejar. Mas o que felizmente costuma acontecer é que o jogo te apresenta tantas outras qualidades que elas tornam esses problemas irrelevantes. Só que existe um tipo de defeito que eu considero especial. Tal como um parasita, ele se infiltra nas partes que tem algum associação a ele e consegue torná-las um pouquinho piores.

Falando de Dive The Diver com um outro amigo ele me falou de Sakuna: Of Rice and Ruin que é um RPG de ação que tem uma gameplay similar no sentido dela também se dividir em duas partes. Numa você controla a deusa da colheita, Sakuna, explorando a Ilha dos Demônios para livrá-la dos monstros e resgatar os humanos que lá se encontram. Parte da jogabilidade é focada num plataforma hack n’ slash side scroller. Já na outra metade você cuida de uma fazenda passando por todos os processos do cultivo de arroz que ajuda a melhorar os atributos da protagonista.

Meu amigo teve a mesma experiência com Sakuna: Of Rice and Ruin que eu tive com Dave The Diver. Se por um lado ele adorava toda a parte de explorar a Ilha dos Demônios, por outro cuidar da fazenda foi minando o investimento dele no jogo até que o abandonou. Isso ficou bem próximo de acontecer comigo.

Sakuna: Of Rice and Ruin, jogo que se divide entre um hack 'slash side scroller e jogo de fazendinha
Arroz, sempre arroz…

Por que, assim, acredito que toda a parte de exploração em Dave The Diver ativa aquela sentimento da nossa criança interior ainda viva. É aquela vontade de embarcar em aventuras para descobrir as maravilhas do mundo através das lentes do nosso imaginário. Porém, o restaurante vem trazer as obrigações vida adulta, com aquela rotina que, embora necessária, não deixa de ser enfadonha. É uma âncora que põe uma pausa em toda a diversão que você estava tendo nas profundezas do Poço Azul. Só que mais do que isso, ela acaba também prejudicando essa diversão no futuro, te puxando pra mais baixo na morosidade da vida de um gerente de restaurante.

Eu digo isso por conta daqueles minutos que eu citei anteriormente que você acaba tendo que gastar em outras tarefas. Antes de mergulhar você precisa ir na fazenda checar as plantações e depois ir no criadouro e esvaziar as áreas que já estão lotadas de peixes. Dependendo do dia, são uns 5 a 10 minutos desprendidos nessas tarefas. Isso quando você não vai checar também como está seu estoque de ingredientes, no restaurante e na filial.

Aí quando finalmente chega o momento de mergulhar você já está de saco cheio. Ainda mais sabendo que logo terá que fazer tudo isso de novo. O próprio tempo na água vai ficando mais longo e tedioso quando você precisa percorrer grandes distâncias para pegar alguns ingredientes como as algas ou peixes que estão nas regiões mais fundas.

A sorte nesse caso é que quando você ainda está completando a campanha de Dave The Diver ainda tem aquele investimento emocional que eu falei lá no começo. Apesar de tudo virar uma rotina morosa, ainda tem uma história que te instiga a continuar mergulhando para dar continuidade a trama. Porém quando chegamos no Epílogo onde você pode continuar gerenciando o restaurante infinitamente, a não ser que você seja um “zé-platina” da vida, a vontade de continuar no jogo despenca consideravelmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diálogo de Dave no final do jogo
Apesar dos pesares, foi mesmo!

Eu não queria soar tão crítico em relação a Dave The Diver pois a metade que eu gostei dele, gostei foi muito. Mas não consigo relevar o quanto insuportável foi dar continuidade a tudo que era relacionado ao restaurante. Isso foi minando pouco a pouco meu desejo de abrir o jogo para ir explorar um pouco mais o Poço Azul.

Entretanto não deixem que esse meu descontento te desanimem, pois eu sou naturalmente ranzinza. O jogo ainda é recheado de qualidades que, caso você consiga tolerar melhor esse lado de gerenciamento, trazem muita diversão e aventura. Ainda não sabemos o que a equipe reserve para o futuro de Dave The Diver. Talvez venham com novos recursos que mitiguem a rotina entediante do restaurante e adicionem novas formas de manter o interesse do jogo ativo. Seja por meio da jogabilidade ou com um novo arco que a história deixa espaço para haver.

Mas enquanto isso não chega, sigo amando apenas a metade do jogo!


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6 thoughts on “Dave The Diver: Um jogo que eu amei… pela metade!”
  1. Essa é a parte legal também, Dave the diver é a vida nem sempre nós temos escolha do que a gente quer fazer. Para quem gosta de stardew valley e farmar que nem doente vai amar.

  2. Nossa! A parte do restaurante é a que eu mais gostava. Sempre tentando fazer mais dinheiro e conseguir deixar os updates no máximo.

    Em um momento desisti da fazenda(muito chato), era mais fácil comprar os ingredientes.

    Adorei o jogo, fazia tempo que não jogava algo tão simples e complexo ao mesmo tempo. É um game que expande do começo ao fim.

    1. Eu entendo a funcionalidade da parte do restaurante, tanto na jogabilidade quanto na narrativa, mas pra mim continua um porre. Mais ainda quando termina todas as missões e já tem seus upgradas, te resta um ciclo repetitivo que consome um tempo que não compensa mais pelos benefícios. Fora isso, é um jogo muito bom!

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