James Akel, jornalista que tentou polemizar em cima dos quadrinhos de Maurício de Sousa
Não vou perdoar esse cara por me fazer usar Comic Sans!

Ontem o Twitter entrou em polvorosa por causa de uma entrevista que James Akel deu a VEJA. Nela o jornalista fala sobre a sua candidatura para ocupar uma cadeira na Associação Brasileira de Letras que abriu após a morte da escritora Cleonice Berardinelli. A entrevista viralizou na rede pelas alfinetadas que Akel dá a Maurício de Sousa que também se candidatou para a posição. E quem é James Akel? Exatamente!

O trecho que gerou polêmica, destacado no título da entrevista, é quando James Akel fala que gibis não são literatura. Além disso, ele explica que se candidatou justamente por conta da carta de Maurício de Sousa em que ele diz que quadrinhos são literatura pura. Como eu já falei no meu perfil, pouco importa como quadrinhos devem ser classificados. Se são ou não literatura ou se merecem sua própria categoria dentre as diversas formas de expressão artística não vai fazer tanta diferença assim. O pior de verdade é quando você olha as respostas que o tal do James Akel dá a entrevistadora. Porque existe um pensamento bem pernicioso por trás das suas palavras.

Tem um trecho bizarro ao fim que ele não tenta nem equiparar a sua “obra” – que se estende a um livro sobre marketing para o setor de hotelaria e três peças teatrais – com a de Maurício de Sousa. Na verdade ele fala que numericamente vale mais do que as suas 6 décadas no mercado de quadrinhos nacionais. Na cabeça de Akel o placar está 4 a 1 para ele. Sério! Mas a fala que eu gostaria de destacar é quando a entrevistadora pergunta do porquê dele não considerar quadrinhos literatura:

Na Justiça, a toga do juiz é parte da liturgia do cargo. Ninguém tira. Da mesma forma, a letra no papel é a liturgia da literatura. Histórias em quadrinhos estão no campo do entretenimento, não da educação, como ele defende. No dia em que acabarem os livros, acabou a literatura. A ABL não pode perder sua essência.

Dizer que HQs são entretenimento é a verdadeira canalhice proferida pelo sr. “Lancei Um Livro de Marketing E Me Acho O Pica Das Galáxias Literárias”. Porque, vejam bem, ele não está ferindo a honra do Maurício de Sousa. O criador da icônica Turma da Mônica é grande demais para se afetar com uma fala dessa. Ele não é um mero artista, o nome dele fomenta toda uma indústria de quadrinhos nacionais. E isso não é nem uma defesa a ele, estou somente reconhecendo um fato. Para o Maurício de Sousa pouco importa se esse James Akel não ache que a obra dele, ou então os quadrinhos como um todo, pode se classificar como literatura. Ou qualquer outra classificação que o valha. Ele continua sendo o Maurício de Sousa!

Mas sabe quem é afetado com essa fala de quadrinhos são apenas entretenimento? O artista independente que pôs todo seu sangue e sua alma em sua obra e tenta a duras penas fechar com alguma editora mesmo que seja uma tiragem baixa. Porque para esse artista nem é tanto assim o dinheiro que importa pois de certo modo ele já sabe que provavelmente não vai vender muito. O que ele mais quer é que a arte – e nem necessariamente a sua – que ele tanto estudou e tanto se dedica para manter viva seja reconhecida como tal.

E aí que essa fala de dizer que quadrinhos pertencem ao campo do entretenimento se mostra tão escrota. Antes de prosseguirmos eu preciso esclarecer que não existe nada intrinsicamente degradante no entretenimento. É só mais um dos diferentes modos que temos disponíveis para se explorar uma mídia. O problema que eu vejo é quando pessoas como esse James Akel tentam relegar obras a esse campo com um tom explicitamente pejorativo para inferiorizá-las. Por enquanto a gente está falando de quadrinhos, mas mais a frente quando eu falar de jogos isso ficará mais evidente.

Usa-se o entretenimento, em muitas situações nas quais já me deparei, como um eufemismo por gente que promove um certo elitismo cultural. Simplificando, elitismo cultural a ideia de que só algumas produções artísticas são válidas, ou então as consideram uma produção mais baixa, enquanto a maioria não é. Ou seja, é querer definir aquilo que deve ser arte e aquilo que não. Para alguém do nível do Maurício de Sousa isso é um tremendo de um foda-se. O cara é ovacionado por toda uma nação então pouca diferença faz que achem seus quadrinhos artes ou não. Ele não precisa se provar para mais ninguém. O seu legado fala por si só. Contudo, para o artista que só quer receber uma migalha de reconhecimento que seja, isso dói. E como dói! Dói pois esse pensamento renega a essência daquilo que ele tenta produzir.

E é um tanto triste saber que esse não é um caso isolado. Essa mentalidade do James Akel é muito comum e vai desde o público consumidor até agentes importantes da indústria cultural.

Vamos sair um pouco da área dos quadrinhos porque confesso que minha expertise é pequeno. Tenho mais contato com vídeo games e essa história também está muito presente nessa mídia. Até hoje rola a discussão cansativa se jogos são ou não arte. Novamente, isso não importa muito para os grandes estúdios. Você pode chegar para o CEO da Nintendo e dizer que não acha que os jogos da empresa são arte. Tudo que ele vai fazer é dar de ombros para você, virar para o seu secretário e perguntar como que está a pré-venda para o próximo The Legend of Zelda. Só que não é o mesmo para o gamedev indie!

Todo desenvolvedor indie sabe que não pode competir com uma Rockstar Games ou uma Capcom da vida no nível de refinamento de gameplay. Eles não gozam recursos financeiros, tecnológicos e de mão-de-obra para se darem ao luxo de tentar um projeto muito ambicioso. Por isso que os indie tentam investir numa conexão mais profunda, emocional e artisticamente, entre seus jogos e jogadores. Assim eles dão mais atenção a conceitos experimentais de game design, buscam direções artísticas diferentes e tentam preencher seus jogos com sentimentos, símbolos e significados.

Olha para Papers, Please. Um (não tão) simples jogo procedural que criou uma das experiências mais melancólicas e desoladoras de viver sob um regime totalitário. To The Moon foi feito no RPG Maker XP e é uma das mais cativantes histórias sobre a mortalidade humana. Undertale… eu preciso falar sobre Undertale? E olha que eu estou escolhendo títulos que são bem populares dentre os jogos indie. Posso jogar aqui também um The Friends of Ringo Ishikawa que traz uma visão muito mais introspectiva sobre a figura dos delinquentes japoneses usando uma estrutura similar ao clássico River City Ransom e alguns elementos de role play. Ou então um Brok: The InvestiGator que explora uma mistura inusitada de aventura point-and-click e beat’em up, com uma tocante narrativa da relação entre pai e filho.

Mas outro ponto a considerar é que arte não é apenas aquilo que traz uma reflexão profunda sobre a natureza humana ou trabalha com temas complexos e pesados. Existe muita arte envolvida no desenvolvimento de, por exemplo, Kaze And The Wild Masks considerando do design dos personagens, das fases, trilha e efeitos sonoros, etc. Arte possui dezenas de linguagens e pode se manifestar das mais diversas formas, não apenas através daquilo que se convém como belo ou profundo. Ou então “sério” que é outra palavra que tem me causado tanto asco quanto entretenimento quando é usado de maneira para elitizar a cultura.

Colocar os trabalhos de Lucas Pope, Kan Gao e Toby Fox, além de centenas de outros desenvolvedores indie que nunca iremos ouvir falar, infelizmente, apenas nessa caixinha do entretenimento seria depreciar demais aquilo que essa mídia pode nos oferecer em termos artísticos. E da mesma forma isso se aplica a todos os pequenos quadrinistas que lutam por um espaço no mercado. Esse elitismo cultural do James Akel, que está por trás dessa tentativa desesperada dele de polemizar, e de outras pessoas que compartilham dessa mentalidade obtusa é o que lança os pequenos artistas a uma eterna marginalização da sua arte.

Assumo que existe a possibilidade de eu estar exagerando aqui, mas é porque como eu disse, não vejo as falas do James Akel como apenas divagações de um marketeiro querendo atenção. As ideias que ele reproduziu na entrevista são fruto de uma mentalidade que, infelizmente, continua muito presente nos meios artísticos. Para mim elas representam uma falta de respeito com uma cadeia de pequenos artistas que se esforçam tanto para serem reconhecidos dentro do seu meio e por isso sinto tanta raiva quando um cara desse desmerece tanto o trabalho e arte alheia.

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