Laugh tracks surgiram na cultura televisiva a partir da década de 60 e seguiram presentes até os anos 90 e 2000

As ditas laugh tracks foram amplamente exploradas na produção de comédias para TV a partir da década de 60. Digo ‘foram’ porque, ainda que existam alguns exemplos recentes, esse recurso caiu em desuso há um bom tempo. As risadas e/ou reações vinham de uma audiência que assistia a gravação do episódio ao vivo ou então eram artificialmente geradas, as chamadas canned laughters e, em alguns casos, a série também combinava essas duas formas. Independente da sua origem, o objetivo era o mesmo: incentivar o público que assistia de casa a dar risadas.

Acredito que esse foi um dos motivos das laugh tracks perderem espaço nas séries mais atuais. Historicamente, essas risadas de fundo sempre receberam desaprovação de críticos e até agentes dessa indústria, mas com o tempo o público também passou a mostrar mais desdém com elas. Para muitos, as laugh tracks são vistas como uma trapaça, uma tentativa de manipular o telespectador a achar que a série é mais engraçada do que de fato é. Sendo assim, com a ascensão de outros formatos de comédia que se afastaram desse recurso, as laugh tracks pareciam mais e mais desnecessárias e até mesmo uma inconveniência para a audiência moderna.

Para esse caso específico eu sou um centrista. Muitas das minhas séries favoritas, como Community, New Girl e The Office (vale uma menção honrosa a Everybody Hates Chris também), não utilizam essas infames risadas. Porém existem outros exemplos de sitcoms que tem laugh tracks que eu adoro: Frasier, Seinfeld, Um Maluco no Pedaço e o meu queridíssimo Chaves (junto com Chapolin). Então, para mim, não é algo que não me atrapalha contanto que não exagerem ou soe muito artificial. Esse foi um dos motivos de eu nunca conseguir gostar de How I Met Your Mother.

Ok, então por que eu decidi falar disso hoje?

Na última semana eu estava viajando e por isso não fiz nenhum texto dedicado aos últimos eventos sobre a queda do Twitter no Brasil. Aproveito a oportunidade para mencionar que agora estou lá no Bluesky e oossivelmente ela se tornará minha plataforma principal. No último dia da viagem, enquanto esperava no hotel dar a hora de pegar meu ônibus, resolvi assistir umas séries no Comedy Central. A primeira que me deparei foi uma tal de Becker. Nunca ouvi falar dela, mas reconheci de imediato o Ted Danson, de Cheers e The Good Place, de quem eu gosto bastante e então resolvi dar uma chance.

Resumidamente, é uma sitcom do final da década de 90 onde o Ted Danson interpreta o protagonista homônimo Becker. Ele é um médico estressadinho que passa os dias no seu consultório no Bronx se irritando com seus pacientes, funcionários e amigos. Não tem nada de muito especial na série, entretanto me chamou atenção o quanto ela parecia ser sem graça. Estou ciente de toda a subjetividade do humor, mas garanto que esse não era o caso. Porque a falta de graça de Becker não parecia natural.

Ted Danson protagonizando a sitcom Becker
Vocês falharam com meu mano Ted Danson!!!

Nenhuma sitcom vai te fazer dar inúmeras gargalhadas, porém, mesmo quando você não ri, ainda existe aquela consciência de “isso foi engraçado”. Em momento algum eu tive esse sentimento com Becker. Pelo contrário, por vezes eu me sentia vendo uma série dramática ruinzinha. Até pensei que poderia ser um problema da dublagem brasileira falhando na entrega das piadas, mas também não era isso.

Uns cinco minutos depois as coisas ficaram claras. Em dado momento o Becker falou algo que era para ser cômico e a câmera mudou para duas personagens que estavam na mesma cena. Porém nenhuma das duas falava algo, elas apenas olhavam para o Becker em silêncio por um ou dois segundos. Percebi finalmente que o meu estranhamento com a série era porque a dublagem optou por remover a laugh track dos episódios. Para confirmar eu procurei alguns trechos no YouTube e vi que, no áudio original, existem as risadas de fundo em Becker.

Terminado o episódio passaram mais duas séries. Primeiro foi a já citada Frasier e depois Rules of Engagement. Foi curioso notar como não existe um padrão na Comedy Central. Cada uma dessas três séries seguiu um modelo diferente de localização, por assim dizer. Becker estava dublado e sem risadas, Frasier foi legendado e Rules of Engagement também era dublado, porém contendo as laugh tracks. De Frasier eu já gostava muito então não dá para levar em conta, porém Rules of Engagement eu achei absurdamente mais engraçado que Becker.

Novamente gostaria de deixar a subjetividade de lado, porque eu não acho que essa diferença foi apenas por uma questão de texto. Foi por terem “respeitado” o uso da laugh track. Isso significa que a inclusão das risadas deixa uma série mais engraçada? Não, não é isso. É uma questão de formato e, infelizmente, para explicar o meu ponto eu vou ter que fazer algo que me incomoda profundamente…

*sigh*

Terei que “defender” The Big Bang Theory!

The Big Bang Theory foi uma das sitcoms mais populares da década passada e gostem ou não isso é um fato venéreo. Da sua sexta até a última temporada, a série se manteve no topo do ranking de maiores audiências nos Estados Unidos, ficando em primeiro lugar durante a penúltima temporada. Contudo, paradoxalmente, você encontrará na internet muitas pessoas que a consideram uma das comédias mais sem graça da história. Eu sou uma dessas pessoas!

Até cheguei a curtir durante alguns anos da minha adolescência, mas conforme o tempo passava eu me via odiando a série mais e mais. Inclusive as primeiras temporadas. Um dos fatores a contribuir para essa mudança foi perceber que as várias piadas da série não eram piadas. Não por não terem graças, mas sim pela forma que se estruturam. Os personagens apenas soltavam várias referências à cultura pop ou algo relacionado à ciência e a audiência gargalhava.

Dá para citar vários exemplos, mas um dos melhores momentos para se notar isso é o episódio em que os personagens decidem jogar Imagem & Ação. Sheldon começa a desenhar e o Leonard faz os seguintes chutes: “Batman!”, “Batman e Robin!”, “Super Gêmeos mais o macaco!” e “Super Gêmeos mais o macaco… e Batman!”. Cada um desses chutes é seguido de uma gargalhada da audiência, algo que sempre me fez coçar a cabeça. Pela terceira vez, eu entendo a subjetividade do humor, contudo eu não consigo enxergar nem uma remota graça nessa cena. Ele apenas está falando uns nomezinhos que mesmo com o contexto não criam um desfecho particularmente engraçado. É tudo pelo “nerd falando coisas de nerd“, pelo visto.

Enfim, conforme o haterismo por The Big Bang Theory crescia, algumas pessoas resolveram demonstrar o quanto a série não tinha graça. Assim surgiram alguns vídeos com trechos editados de episódios onde a pessoa removia as laugh tracks. Coincidentemente usaram aquela cena que mencionei no último parágrafo como exemplo:

Na teoria, tais vídeos provam o quanto as piadas de The Big Bang Theory eram, no linguajar interneteiro, c r i n g e. E de fato, se você assiste sem as risadas de fundo, a cena fica dolorosamente constrangedora. Mais do que na forma que ela foi ao ar. Porém, por mais que me doa fazer qualquer tipo de defesa a essa série, eu não acho que esses vídeos provam qualquer coisa. Para mim são um dos argumentos mais rasteiros que você poderia dar para criticar o humor da série e qualquer vídeo-ensaio capenga consegue fazer um trabalho melhor.

O motivo é porque esses vídeos ignoram a mesma coisa que a dublagem de Becker ignorou: timing.

Na comédia, o timing é fundamental para o efeito de qualquer piada e os comediantes passam toda as suas carreiras aperfeiçoando-o. Existem múltiplos fatores que compõem o timing, tais como: entonação, ritmo, cadência, tempo e pausa. As pausas em especial podem ser utilizadas em vários momentos. Desde para criar a tensão necessária para uma punchline ou então para aguardar o público processar a piada e terminar de rir. Observem que em todo stand up o comediante faz pausas frequentes depois de entregar uma piada e antes de iniciar uma nova.

Então, essa característica também existe nas sitcoms. Mais ainda nas que são gravadas com uma audiência ao vivo. Uma das consequências desse formato é que um ator precisa esperar a risada terminar depois que seu companheiro de cena entregou uma piada para ele entregar a sua própria. Isso é algo que não fica tão aparente quando estamos assistindo o episódio pós-produção. Contudo, quando você remove as laugh tracks, a pausa se torna muito perceptível criando os silêncios constrangedores que vimos no vídeo editado de The Big Bang Theory e o que eu presenciei na dublagem de Becker.

Isso não é uma exclusividade de The Big Bang Theory, ok? Experimente tirar a laugh track de qualquer outra siticom, principalmente das suas favoritas. Você verá como as cenas ficam estranhas com esses momentos de silêncio. Você destrói o fluxo da comédia porque parece que a ação congelou. A pausa está ali, porém o seu cérebro não a registra como parte do timing cômico e sim como uma situação que alguém contou uma piada e ninguém riu.

Mas para ser justo com vocês darei um contra exemplo onde tirar a laugh track causou uma mudança para melhor: Scooby-Doo.

Scooby-Doo, clássico da Hannah-Barbera, é um exemplo de desenhos da década de 60 que utilizavam laugh tracks

Um amigo comentou lá no Bluesky e eu lembrei desse detalhe. Muitos dos clássicos da Hannah-Barbera surgiram ali na década de 60, então alguns desenhos, como Os Flinstones e Os Jetsons, tinham risadas inseridas nos episódios. Contudo, nós aqui no Brasil não tínhamos noção disso porque as laugh tracks foram removidas durante a dublagem. Se quiserem conferir, vejam esse episódio de Scooby-Doo com áudio original e o mesmo trecho dublado.

No caso dos desenhos eu vejo que as risadas eram um empecilho, tanto que o estúdio as abandonou na década seguinte, porque as animações não levavam em conta as pausas. Em muitas ocorrências a laugh track ficava “por cima” da fala dos personagens, atrapalhando na compreensão do texto. Faz mais sentido remover nessa situação, porque em muitas dessas vezes a risada nem parecia uma reação natural a uma piada. Ficava com um caráter ainda mais manipulativo e exagerado.

Agora para finalizar, vamos imaginar o oposto. Pensem no que aconteceria se a gente pegasse uma série como The Office e colocasse uma laugh track. Horrível, não? Por que as laugh tracks são inerentemente ruins? Não. É porque, de novo, estaríamos indo contra o formato série. Muito do humor de The Office deriva exatamente desse silêncio constrangedor depois de uma situação embaraçosa. Por vezes o que dá graça a uma piada de The Office não é a situação e sim as reações dos atores. Não é à toa que as olhadas que o Jim dá para a câmera se tornaram o principal e mais conhecido trejeito do personagem e uma assinatura da série como todo.

Portanto, para mim não dá para ficar batendo o martelo sobre as laugh tracks e achar que são um mal que devemos expurgar da comédia. A gente precisa focar primeiro no formato e considerar se a sua inclusão ou não pode (ou não) ser benéfica para a série. Agradar os caprichos de uma audiência moderna – e cínica – apenas por fazer é o que leva a bizarrices como essa dublagem de Becker e seu timing constrangedor.


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