ATENÇÃO!

O texto a seguir não é recomendado para idiotas pessoas que tinham costume de sair com roupas verdes e amarelas em manifestações pró-governo em tempos de pandemia


O período de 2020 até 2022 parece uma época perdida. Por causa da Covid-19 o mundo parou e dessa vez não foi um exagero. Todos nós, globalmente, tivemos que enfrentar as suas consequências. Alguns mais, outros menos.

O Brasil, sob a presidência de Jair Bolsonaro, teve uma das piores gestões da pandemia. Por vezes ela nos fazia pensar que o governo torcia pelo vírus. Vários crimes de responsabilidade, o desestímulo ao uso de máscaras, notícias falsas sobre vacinação, o charlatanismo promovendo tratamentos ineficazes, atraso na compra de vacinas, as rixas entre o presidente e o Ministério da Saúde. E, acima disso tudo, uma completa falta de empatia pelas mortes causadas pela doença que hoje já somam quase 700 mil óbitos.

Tudo isso causa um sentimento: raiva! Muita raiva. Nada menos do que uma imensa revolta pela ação incompetente e desumana do nosso agora ex-presidente Bolsonaro e sua quadrilha de apoiadores imbecilizados e extremistas.

Pelo meu tom aqui nessa introdução eu quero enfatizar algo: eu tenho um completo desprezo por Bolsonaro, sua familícia, seus aliados e o seu gado. E caso não tenha ficado claro no meu texto sobre o Seu Mundinho, eu reforço aqui todo o meu ódio, meu nojo, meu total repúdio por essa corja que ajudou a roubar dois anos da minha vida, além de me tirar parentes e conhecidos.

Eu estou usando esse texto para extravasar toda minha raiva por essa gente – não nego – porque combina tematicamente com o tema de hoje. Ano passado, foi esse sentimento de raiva catártica que um pequeno – e bota pequeno mesmo como vocês verão mais a frente – beat’em up brasileiro chamado de Punhos de Repúdio buscou causar nos seus jogadores. Antes de ser um jogo, Punhos de Repúdio é um posicionamento bem claro dos seus desenvolvedores contra os bolsonaristas que tem amaldiçoado o Brasil por quase uma década.

Cutscene de Punhos de Repúdio
Pior que uma manchete dessa era plenamente possível de acontecer num desses jornais bolsonaristas

E quero deixar bem claro minha posição nessa discussão porque esse pra mim não é um tema que dá para gente ignorar ao falar de Punhos de Repúdio. O jogo está obviamente satirizando os bolsonaristas então não dá pra fingir que esse é um tópico irrelevante ao se falar do jogo. E antes de seguirmos, se você é um daqueles que não gosta que “misturem política no meu joguinho” e já ficou puto com a “lacração” do jogo: primeiro vai se foder. Segundo, vai se foder de novo! Terceiro, cresça. E vai se foder mais uma vez para não perder o hábito. Por último, pare de passar pano para um bando de imbecis golpistas que há poucos meses promoveram um dos episódios mais vergonhosos da história do nosso país.

Eu não sei de qual espectro político da equipe por trás do jogo e tão pouco me importo. Porém consigo afirmar que temos um ponto em comum que é o antibolsonarismo. Punhos de Repúdio não tem o menor pudor em esconder seu viés, deixando-o escrachado em cada frame do jogo, e eu muito menos. F-O-D-A-S-E, com todas as letras, os bolsonaristas!

Ter esse “inimigo em comum”, por assim dizer, é um fator importante para conseguir produzir a catarse que a o jogo se propõe causar. Porém há algumas ressalvas que precisam ser pontuadas sobre a sua gameplay.

Por mais que eu ache que Punhos de Repúdio é tremendamente eficiente na sua estética e aos ataques ácidos que faz ao bolsonarismo, e negacionismo em geral também, admito que ele deixa desejar em alguns aspectos da sua jogabilidade. Pretendo abordar essas duas perspectivas, elogiando por um lado e criticando por outro. Mas reforço que, em matéria de ridicularizar o bolsonarismo, eu estou 100% com Punhos de Repúdio. E fico muito grato que tenham arranjado um jeito de canalizar essa revolta no formato de jogo.

Então vamos começar primeiro pelo que considero bom.

SIM, ENFIARAM POLÍTICA NO SEU JOGUINHO. LIDE COM ISSO!

Título da terceira fase de Punhos de Repúdio
De diálogos até o título das fases, Punhos de Repúdio não mede esforços ao
ridicularizar vários aspectos do bolsonarismo e seus símbolos

Punhos de Repúdio não te dá muito espaço para qualquer outra leitura que não seja antibolsonarista. Pode-se até discutir em que ponto do espectro político os desenvolvedores se encontram, embora isso não importe nem um pouco. Só serve como uma ferramenta para desvirtuar a discussão. Eles deixam bem claro como se opõe ao Bolsonaro, sobretudo a gestão do seu governo na pandemia, e é nisso que devemos nos focar.

O jogo abre com a personagem Laura no supermercado vendo notícias sobre o número de óbitos da Covid-19. Na época já se somava mais de 400 mil. Laura também vê artigos de sites que fazem referência as redes bolsonaristas que tentavam minimizar a pandemia, criar justificativas para as ações do presidente e espalhar intencionalmente notícias falsas. Isso a leva ao limite da sua paciência. Ela e suas amigas então, cansadas de ver vários e vários apoiadores do presidente ignorando todas as medidas de segurança contra o vírus, decidem partir pra cima dos negacionistas na base da boa e velha porrada.

Aí que entra muito da experiência catártica que o jogo tenta promover porque provavelmente esse sentimento de revolta era algo que muitos compartilhavam. Não dá pra generalizar para todos os casos, mas posso atestar pelo meu pessoal. No ápice da pandemia, eu ficava puto de ir no mercado ou qualquer outro lugar fechado e ver pessoas andando sem máscara como se estivéssemos em tempos normais. E aqui o jogo deixa algo evidente que a raiva dele não é apenas o bolsonarismo. O negacionismo e falta de consideração da população com a pandemia também são alvos e isso a gente não pode fixar apenas neles. Tanto é que na primeira fase, apesar de termos alguns inimigos patriotas no mapa, o jogo faz mais referência as festas clandestinas que estavam acontecendo na época do que aos bolsonaristas.

É a partir da segunda fase que a crítica ao bolsonarismo se torna mais contundente ao trazer os evangélicos para a jogada. Punhos de Repúdio usa um humor bem ácido que não se segura nos seus ataques as figuras que está ridicularizando e expões algumas das hipocrisias não necessariamente da fé evangélica, mas sim da ação dos seus pastores que enriquecem explorando seus fiéis. O jogo é esperto suficiente para não mencionar nomes e não se complicar legalmente, mas as referências a ex-ministra e atual senadora Damares Alves e ao ex-prefeito Marcelo Crivella são óbvias. Há também várias referências as relações do governo com as igrejas e templos evangélicos pois vemos várias propagandas eleitorais espalhadas pela igreja.

Sátira as relações do governo bolsonarista com as igrejas evangélicas
Se você busca sutiliza, não é aqui que você irá encontrar

Na terceira fase que o jogo reforça suas críticas tanto aos bolsonaristas quanto ao negacionismo, trazendo a imagem da cloroquina que o próprio presidente promoveu durante a pandemia. O jogo inclusive referencia não só a sua ineficácia no combate ao COVID-19, mas também os efeitos colaterais do medicamento ao tornar os bolsonaristas ainda mais repugnantes e bizarros, verdadeiros monstros radioativos, após o uso da substância.

Aqui eu consigo ver um pessoal até mesmo mais moderado e não necessariamente pró-bolsonaro achando que Punhos de Repúdio passou um pouco da linha ao associar os bolsonaristas aos terraplanistas.

Terraplanistas também são alvos de piadas em Punhos de Repúdio
Como eu já repeti várias vezes, Punhos de Repúdio não mede
esforços em satirizar os negacionistas de todos os tipos

De fato o terraplanismo não é uma exclusividade do bolsonarismo, porém o jogo não está exagerando tanto assim. Como a extrema-direita brasileira – e sim, bolsonarismo é de extrema-direita, não existe mais nenhuma dúvida nisso – importa muitas pautas da extrema-direita norte-americana ela se associa a muitos campos anticientíficos. Além do terraplanismo isso inclui também os antivaxxers e os negacionistas das mudanças climáticas. Fora que não vamos esquecer que o antigo guru do bolsonarismo chegou a soltar que “não há nada que refute que a Terra é plana”. Portanto não está de todo errado querer associar a imagem do terraplanismo ao bolsonarismo, embora nesse caso eu ache que o foco deveria ser na antivacina por combinar mais tematicamente.

Cada uma das sequências de Punhos de Repúdio é recheada de ataques bem diretos aos bolsonaristas, ridicularizando cada aspecto da sua ideologia. E aí a gente entra numa questão que é o fato de gamers frequentemente não gostarem que se ponha política em seus joguinhos. A não ser quando se faz de uma maneira bem chapa-branca ou entre naquela de “criticar os dois lados”. A essa galera eu não tenho nada a dizer além de, de novo: cresçam!

Ah sim! E vão se foder mais uma vez!

Essa falsa imparcialidade ou então neutralidade que o gamer exige é só uma desculpinha para não ver o seu lado ser o alvo de críticas e piadas. Da mesma forma que gamer não sabe lidar com opiniões divergentes a cerca dos joguinhos que ele gosta ou desgosta. Nesse âmbito, é preciso destacar que obra alguma é obrigada a criticar ambos os lados porque não é seu dever representar os interesses de todos. Cada obra tem sua visão. Punhos de Repúdio escolheu um lado e você que aprenda a lidar com isso. Tudo pode até criticar as opiniões que emitem, mas o fato de escolher um lado não é demérito algum.

Sátira a ação de Bolsonaro durante a pandemia
“Tem que ouvir os dois lados” não funciona quando o outro advoga pela morte dos outros

E outra, eu diria que nem existe “outro lado” nessa história. O jogo pode ser muito escrachado e “enviesado”, porém não acho que ele está sendo desonesto e nem mesmo tão exagerado assim na sua abordagem. A gestão do ex-presidente Bolsonaro na pandemia, e podemos estender para o seu governo todo, foi desastrosa e com requintes de crueldade. Os bolsonaristas espalharam notícias falsas sobre a pandemia, sobre os tratamentos, sobre a origem do vírus, fomentaram muito negacionismo e transformaram o que deveria ser uma questão de saúde pública numa disputa política. Essas pessoas merecem ser ridicularizadas porque elas próprias se expuseram ao ridículo ao advogarem por um governo que abertamente lutou a favor do vírus.

Nesse aspecto não existe o que criticar Punhos de Repúdio. Vi comentários dizendo como a política do jogo envelheceria mal. Pelo contrário, se mostrou extremamente acurada. O jogo até conseguiu “prever” a desilusão bolsonarista depois que foram derrotados na urna e o covardão, depois de meses em silêncio, fugiu chorando para os Estados Unidos abandonando todos os idiotas que lutarem por esse imbecil genocida. E não adianta também criticar o jogo por não tentar dialogar com seus opositores. A proposta dele é ridicularizar, debochar, ironizar, escrachar a ideologia bolsonarista. E eles próprios não estão abertos aos diálogo, por que o jogo deveria se dar esse trabalho então? Achar que é necessariamente um defeito do jogo alvejar essas pessoas com piadas e não “refutar seus argumentos” – como se eles tivessem algo que não fosse pura – só mostra o quão enviesada essa pessoa está também só não quer admitir.

Mas para o amiguinho reaça que a esse ponto já deve estar com a hemorroida próxima de explodir, espere uns segundinhos. Mesmo concordando com toda a sátira que Punhos de Repúdio faz ao bolsonarismo, eu não acho ele passível de críticas. O jogo tem sim seus probleminhas de gameplay e isso acaba diminuindo um pouco do efeito catártico que deveria ter.

SOCOS FORTES, PORÉM SEM TÉCNICA

Combate de Punhos de Repúdio
Infelizmente o combate de Punhos de Repúdio deixa muito a desejar

Dizer que a gameplay de Punhos de Repúdio é um lixo é um exagero. E possivelmente uma consequência do viés que o jogador tenta esconder que tem. Mas também não está errado em dizer que o jogo falha em entregar uma experiência sólida do que deveria ser um bom beat’em up. A jogabilidade de Punhos de Repúdio tem seus problemas e não são poucos!

Na parte do humor e da estética, que podemos sim considerar parte da jogabilidade, o jogo funciona muito bem. As animações são bem feitas e os desenvolvedores mostraram muita criatividade no design dos mapas e inimigos. Essa mistura de uma estética cartoon fofa e ao mesmo tempo repugnante/nojenta cria um contraste cômico eficiente. Nota-se como o foi bem influenciado pelos trabalhos dos cartunistas dos quadrinhos underground americanos como Dave Cooper e Robert Crumb. Também é muito evidente como a estética de quadrinhos foi importante na criação da personalidade de Punhos de Repúdio. Isso inclui as escolhas de tipografia e grande uso de onomatopeias na luta.

Tipografia, onomatopeias, etc. Existe muita influência das HQs no jogo
A mídia dos quadrinhos é uma forte inspiração na estética de Punhos de Repúdio

Farei um desvio rápido para um jabázinho. Eu não fiquei sabendo da influência dos quadrinhos em Punhos de Repúdio porque sou um exímio conhecedor da mídia. Eu só li umas 5 histórias do Batman e olhe lá! Isso foi graças a entrevista que meu amigo Savino fez com os desenvolvedores de Punhos de Repúdio na sua revista digital, Brawler’s Alley. Quem tiver interesse, a entrevista foi publicada na segunda edição a partir da página 10. Além disso a edição inclui uma review do jogo na página 16 que tem uma análise muito boa da jogabilidade.


Tudo isso é muito legal, tudo isso é muito lindo, mas beat’em up não é só estética. Só que gameplay é o fator principal da experiência e é aí que Punhos de Repúdio se atrapalha. Nota-se uma clara influência de Scott Pilgrim vs The World além de outras referências a beat’em ups clássicos como Streets of Rage. Porém os desenvolvedores tropeçaram ao tentar entregar essa experiência.

Até mesmo para alguém como eu, que tem um conhecimento mais ou menos superficial do beat’em up quanto gênero, fica evidente os problemas que o combate de Punhos de Repúdio tem. O hitbox e o alcance de todas as personagens são meio zoados e na maior parte do tempo spammar um único golpe é mais eficiente do que tentar fazer combos. Além disso, a capacidade de crowd control é pífia, se tiver 4 inimigos na tela, e a barra de ataque especial não estiver carregada, pode começar a rezar. Os chefões são, no geral, esponjas de dano que estendem por demais as lutas e assim o combate se torna monótono e repetitivo. O jogo ao todo parece ser bem lento, com pouco da energia que fazem os beat’em ups serem jogos tão fáceis de se engajar.

Como eu cheguei a comentar com o Savino, o jogo consegui a proeza de fazer bater no Bolsonaro uma parada chata! As lutas não tem ritmo e se mostram mais um exercício de paciência do que um desafio de habilidade. Defende + soco, defende + soco é um padrão recorrente em todas as lutas, sobretudo a última.

Bolsonaro como chefão em Punhos de Repúdio
É um pecado essa luta ser tão dolorosamente chata

E para piorar o jogo é curto com apenas 4 fases. Isso na maioria dos casos não é um problema porque um jogo ser mais longo ou mais breve não é necessariamente um defeito se ele te entrega uma boa gameplay. Porém Punhos de Repúdio não faz isso. Dá até pra questionar o porquê do jogo se preocupar em fazer um mapa-múndi com NPCs e lojas – que você dificilmente vai precisar comprar um item – só para agrupar quatro fases. Mas talvez isso tenha até sido melhor, porque se com poucas fases a gameplay consegue ficar tediosa, mais algumas apenas evidenciariam a sua falta de ritmo.

Eu acho isso uma apena porque dá para perceber que existe um potencial nos desenvolvedores, eles apenas precisam praticar mais suas habilidades no quesito de jogabilidade. Claramente eles tem um bom conhecimento teórico de como um beat’em up funciona, foi na execução da gameplay que eles pecaram.

Isso cria uma situação um tanto ingrata porque, dado o tema do jogo, já era óbvio que ele iria angariar detratores por ridicularizar o seu espectro político. E tendo uma gameplay fraca, isso acaba dando o mínimo de legitimidade para críticas mais exaltadas sobre o jogo. Mesmo que fique óbvio que em vários desses casos o que mais incomoda essas pessoa não é o fato da jogabilidade ter seus problemas e sim o do seu político de estimação ser ridicularizado.

E essa crítica vai no sentido oposto também!

O que eu vi de progressista relevando os problemas de combate de Punhos de Repúdio só porque o jogo oferece essa experiência de poder bater em negacionista, mesmo sabendo que é só um escapismo virtual, também não está no gibi. Soa divertido e realmente é nos primeiros minutos. Mas cansa. E como cansa rápido!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Punhos de Repúdio, beat'em up brasileira que ridiculariza o bolsonarismo e o negacionismo em tempos de pandemia
Um humor mais eficiente que os socos

Sabemos que, pelo menos por parte do público, a discussão sobre Punhos de Repúdio não será a respeito dos seus méritos e seus reais defeitos. Bolsonaristas, assumidos e enrustidos, irão criticar o jogo por conta do seu viés político enquanto progressistas mais emocionados vão relevar os problemas de jogabilidade também por conta desse viés. De qualquer forma, acho importante salientar como o jogo não está em nenhum dos extremos em que ele será colocado. Verdade seja dita, ele fica nesse espectro ente o mediano e legalzinho.

A proposta de Punhos de Repúdio traz uma catarse mais do que necessária depois desses terríveis anos de pandemia. E em questão de estética e o humor, aspectos muito bem executados dentro desse jogo, não há o que criticar. A não ser, claro, que você faça parte do grupo que é o centro da piada aqui. Contudo Punhos de Repúdio falha em entregar uma boa experiência de beat’em up, com uma gameplay que consegue ser monótona até mesmo para um jogo tão curto de quatro fases. Deixou a desejar bastante nessa parte.

Dito tudo isso, pau no cu dos negacionistas. Apanharam foi pouco!

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