Saint Seiya RPG: Asgard Chapter e porque contexto importa

Nesses tempos venho falando muito de RPG Maker aqui no blog. De um jeito ou de outro o tópico arranja um jeito de dar as caras por aqui. Apareceu nos meus textos pessoais, já teve crítica de um clássico brasileiro de RPG Maker 2k3 e esses dias vi que RPG Maker até apareceu sorrateiramente até num Game Cuts sobre o sistema de batalha de Chrono Trigger. No meio disso tudo há um jogo em particular que eu devo ter citado duas ou mais vezes, Saint Seiya RPG: Asgard Chapter.

O motivo de eu trazer esse humilde fangame de Cavaleiros do Zodíaco aqui ou no meu Twitter várias vezes é porque ele foi o primeiro jogo de RPG Maker que eu conheci. Antes mesmo de saber o que era de fato essa ferramenta. Quem me apresentou foi um amigo que também não conhecia a engine, mas encontrou o jogo por aí. Somente uns dois anos depois desse primeiro contato que fui descobrir o que era o RPG Maker e suas comunidades brasileiras.

Foi lá que fiquei sabendo que Saint Seiya RPG: Asgard Chapter não era um jogo obscuro e gozava de um relativo prestígio entre os usuários. Possivelmente ele também era conhecido nas comunidades de Cavaleiros do Zodíaco e foi o precursor de muitos outros fangames que se sucedem até hoje. Inclusive ele tem até um remake feito por um outro usuário anos atrás.

Vários fangames de Cavaleiros do Zodíaco produzidos no RPG Maker, cobrindo as diversas sagas dos mangá, do animê e histórias originais
O RPG Maker abriga até hoje diversos fangames de Cavaleiros do Zodíaco

Pois bem, naqueles tempos remotos eu achava que gostavam desse jogo por ser um bom RPG. Eu também era um dos que achava que ele era realmente bom. Claro que eu era bem mais novo, pré-adolescente se eu não me engano, e não tinha muita experiência com jogos de RPG em geral. Contudo hoje eu adquiri um pouquinho mais de repertório nesse campo e meu pensamento mudou.

Admito que boa parte desses sentimentos foram influenciados por um deslumbre mágico de se descobrir o RPG Maker. Entra nessa equação o entusiasmo de encontrar um jogo de um desenho que você curtia na infância. E em português. Quem viveu na época de CDs e cartuchos que vinham em japonês sabe a alegria que é achar algo no seu idioma. Fora que precisa levar em consideração a nostalgia que muitos brasileiros sentem com Cavaleiros do Zodíaco e qualquer coisa relacionada a franquia. Esse foi um dos desenhos responsáveis por criar os primeiros otakus brasileiros. Se isso foi algo bom ou ruim, aí já são outros quinhentos. E existe uma segunda nostalgia para aqueles que descobriram o RPG Maker através desse jogo.

Thor de Phecda, primeiro chefão de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter
Algumas memórias são…

Eu zerei Saint Seiya RPG: Asgard Chapter de novo ano passado e, bom, como eu disse meu pensamento mudou um pouco. Já não acho ele nem remotamente um bom RPG. E falo isso dentro do universo dos RPG Makers mesmo. Poderia citar alguns jogos contemporâneos ao seu lançamento como Legion Saga e Heart and Soul que são definitivamente melhores que ele. Até considerando especificamente fangames de Cavaleiros do Zodíaco feitos no RPG Maker eu conseguira dar outros exemplos. CdZ – A Saga de Hades (infelizmente não encontrei um link ativo) e o histórico Saint Seiya Densetsu, projeto iniciado lá nos anos 2000 e que volta e meia ressurge das cinzas, me vem na cabeça na hora.

Apesar disso, eu também não consigo simplesmente baixar o carimbo de “ruim” ou “mais ou menos” em cima de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter. Se eu tentar colocá-lo numa categoria seria algo “okzinho, mas tenho ressalvas. MUITAS ressalvas”. Pois aqui existe uma palavra-chave, duas para ser mais exato, que me fazem enxergá-lo além dessas convenções do que faz um jogo bom ou ruim: contexto e proporcionalidade.

Isso já foi tema de alguns tópicos aqui blog. Na crítica de Heart and Soul tem toda uma seção sobre o contexto da internet e das comunidades de RPG Maker no começo do século XXI. A mesma discussão fez parte do meu texto de Mother e o valor da experiência original. E agora falaremos dela uma terceira vez pois Saint Seiya RPG: Asgard Chapter depende com mais força de um contexto para se entender o porquê de ter gente que genuinamente o adora.

Porém, antes de viajarmos para aquele período, eu queria fazer um experimento escrevendo uma review para Saint Seiya RPG: Asgard Chapter. Só que nela eu vou partir de uma perspectiva de alguém que não tem o menor conhecimento sobre a história do RPG Maker no Brasil e analisa o jogo da mesma forma que faria com um lançamento de um jogo qualquer da atualidade.

SAINT SEIYA RPG: ASGARD CHAPTER – UMA REVIEW ANACRÔNICA E PARCIALMENTE EXAGERADA

Saint Seiya RPG: Asgard Chapter é um fangame de Cavaleiros do Zodíaco (CdZ), obra de Masami Kurumada, feito no RPG Maker 2k. Para quem desconhece esse nome, RPG Maker é uma franquia de engines para o desenvolvimento de RPGs nos moldes de clássicos como Final Fantasy e Dragon Quest. Feito por Lord-Dracon, o fangame adapta a Saga de Asgard que acontece logo após o arco das Doze Casas e precede a Saga de Poseidon.

Tela de abertura de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter

Fangames são produto da admiração de algumas pessoas por uma determinada propriedade intelectual e o sonho de desenvolver seus próprios jogos. Ao longo da história dos vídeo games já tivemos exemplos fantásticos. Alguns vão se lembrar do findado Another Metroid 2 Remake e também vale citar o belíssimo Black Mesa. Obrigado, Valve, por não ser igual a Nintendo! Contudo Saint Seiya RPG: Asgard Chapter não é um desses bons exemplos.

Acredito que CdZ dispensa apresentações, afinal o desenho tem seu público aqui no Brasil desde a extinta TV Manchete. De qualquer forma, um breve resumo da Saga de Asgard não vai machucar ninguém. Esse foi um arco filler exclusivo do animê de CdZ que era produzido junto com o mangá. Como é comum que essas adaptações eventualmente alcancem o original, a Toei Animation se viu na necessidade de ganhar tempo. Por isso o estúdio decidiu criar um novo arco com base no filme, que também se passa em Asgard, Os Cavaleiros do Zodíaco: A Grande Batalha dos Deuses. Assim essa fase se tornou uma ponte entre as duas outras grandes sagas do mangá.

Na história, o Deus Poseidon usa o anel de Nibelungo para controlar a sacerdotisa Hilda, representante do Deus Odin na Terra. Com Hilda deixando de rezar para Odin, as geleiras de Asgard passam a derreter, ameaçando a ordem do mundo. Para impedir que cidades fossem destruídas, Saori toma o lugar da sacerdotisa utilizando seu cosmo para desacelerar o degelo. Enquanto isso, os cinco Cavaleiros de Bronze – Seiya, Shiryu, Hyoga, Shun e Ikki – precisam enfrentar os novos Guerreiros Deuses. Cada um deles carrega uma das Safiras de Odin necessárias para remover o anel de Nibelungo de Hilda.

Introdução de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter

Tudo isso é explicado logo no início do fangame de forma muito rápida. Você tem uma imagem estática de Seiya encarando Hilda e um texto sucinto tal como o resumo. Depois disso já pulamos para o jogo controlando Seiya no meio de Asgard. E aí que Saint Seiya RPG: Asgard Chapter nos mostra seu grave problema de narrativa.

É compreensível que algumas adaptações fossem necessárias para que o roteiro do desenho funcionasse dentro de uma gameplay. Mas não é isso que ocorre aqui. O jogo parece se aproveitar dessas concessões para não ter que fazer um desenvolvimento orgânico nem da trama e nem dos personagens. Você é obrigado a completar a história com todas as informações que conhece do original porque o jogo só faz o básico. Em alguns momentos nem isso!

Eu nem culpo tanto o jogo assim porque havia um problema fundamental considerando o formato de histórias de típicos “shonenzões de porrada”. Muito do desenvolvimento dos personagens, o que inclui vilões, ocorre durante as batalhas que costumam se estender por dois ou mais episódios. Em Saint Seiya RPG: Asgard Chapter não existe essa possibilidade já que não existe troca de diálogos durante as lutas rápidas. Além disso todo Guerreiro Deus só é mostrado no instante que você o encontra no mapa, não dando espaço para qualquer desenvolvimento. Quando ocorre, a história de fundo deles só é jogada em poucas falas.

Sendo assim praticamente toda sequência carece da mesma emoção melodramática que faz o original ter tanto apelo. O que Saint Seiya RPG: Asgard Chapter entrega é apenas uma narrativa fraca, que pontua apressadamente os pontos mais importantes da história e nunca demonstra o mínimo esforço para preencher essas lacunas com algo que compense.

O roteiro do jogo segue uma fórmula simplória e dolorosamente repetitiva pela maior parte da gameplay. Até você alcançar o Palácio Valhalla o padrão é sempre o mesmo: você faz grind pra conseguir dinheiro o suficiente para comprar os equipamentos e enfrenta um Guerreiro Deus. Depois você encontra um novo Cavaleiro de Bronze, faz mais grind e volta todo o caminho até a primeira cidade para comprar novos equipamentos. Aí você refaz mais uma vez a rota até encontrar o próximo Guerreiro Deus e o próximo Cavaleiro de Bronze.

É um vai-e-vem entediante que se repete até a luta com o Mime já que depois você encontra o Ikki numa casa aleatória de uma cidade qualquer onde você pode alternar entre ele ou o Shun. Todas as lutas com os Guerreiros Deuses são duelos contra os respectivos Cavaleiros de Bronze, tal como no original. Acredito que essa foi uma decisão parar dar um pouco mais de fidelidade que, ao meu ver, era desnecessária para esse tipo de jogo.

Saint Seiya RPG: Asgard Chapter, como o nome indica, é um RPG. O jogo usa o mesmo sistema de batalha por turnos dos primeiros jogos de Dragon Quest pois esse é o padrão do RPG Maker 2k. Isso não é nenhum problema per se. Porém não existe qualquer escolha minimamente criativa para tornar qualquer luta um pouco mais instigante.

Personagens não possuem habilidades e tanto eles quanto os vilões se limitam a apenas ataques comuns. Você não tem que se preocupar com qualquer estratégia além de atacar e usar um item de cura se necessário. O máximo que Saint Seiya RPG: Asgard Chapter se propõe a fazer é colocar as técnicas dos Cavaleiros de Bronze como armas e algumas delas são capazes de atingir inimigos múltiplos. Inimigos esses, diga-se de passagem, os mais genéricos possíveis usando recursos do próprio RPG Maker.

Um inimigo comum de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter
Aquele personagem clássico de CdZ:
o… HorseMan?

Os gráficos são um problema a parte. Apesar de alguns bons sprites para os personagens principais – inclusive no final o jogo tem até uma cena de transformação com a Armadura de Odin que tem um pouco de apelo visual – os sprites dos NPCs se destoam muito. São estéticas visivelmente distintas que só não são maiores que a diferença entre os inimigos comuns e os Guerreiros Deuses. Nesse último caso o que temos são imagens mal cortadas de cenas do animê com qualidade duvidosa.

Se falarmos dos mapas as coisas não melhoram nem um pouco. O jogo usa os tilesets de Phantasy Star que saltam aos olhos de qualquer um familiarizado com eles. Assim você nunca compra aquela região como uma Asgard e sim um mapa genérico no gelo. O departamento das dungeons é outro que deixa a desejar fortemente. Mapas com corredores mal desenhados, curtíssimos e tão sem inspiração quanto as lutas.

Dungeon opcional de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter para conseguir a técnica de Athena Exclamation

O jogo até nos dá uma dungeon secreta, mas que é tão mal desenhada quanto os demais mapas e nos entrega uma arma especial para Seiya que deixa o jogo ridículo de fácil. Fui capaz de derrotar Hilda no final com um único golpe e como se isso não fosse decepção o bastante eu ainda me vi obrigado a ter que retornar o mapa todo até o ponto em que começamos para cena final.

Depois disso tudo o único elogio factual que consigo fazer a Saint Seiya RPG: Asgard Chapter é na sua trilha sonora. Pode-se dizer que ela é boazinha, mas isso é provavelmente porque foi retirada de jogos mais competentes!


Jogabilidade: ⭐
História: ⭐
Gráficos: ⭐⭐
Trilha Sonora: ⭐⭐⭐

Para alguns fãs de Cavaleiros do Zodíaco, Saint Seiya RPG: Asgard Chapter pode ter até algum apelo nostálgico. Para fãs de RPG, não serve nem como passatempo!

2.0
HORRÍVEL


A review acima não foi 100% verdadeira. Quem já me ouviu reclamando no Twitter sabe o que eu penso desse tipo de análise. Eu detesto esse lance de dar notinhas e me dá um sono esse formato engessado de dividir numa checklist de história, jogabilidade, gráficos, etc. Mas existem opiniões reais minhas na essência dos argumentos.

Eu realmente não acho narrativa de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter boa e o amadorismo do jogo é notável. A jogabilidade é fraquíssima, só o básico do básico que o RPG Maker é capaz de fazer. Os mapas são bem feinhos mesmo, não pelos gráficos e sim pelo design. Só que na review eu exagerei a minha reação em alguns pontos pois tentei simular o que seria a opinião de um “gamer médio” que pegasse para jogar Saint Seiya RPG: Asgard Chapter hoje sem qualquer conhecimento prévio.

Se eu fosse analisar esse jogo da mesma maneira que eu analiso de outras coisas aqui no blog, minha fala seria mais branda. É por que eu tenho algum carinho por esse jogo? Não! Cavaleiros do Zodíaco fez parte da minha infância mais ou menos, porém nunca fui um fã da franquia. O que acontece é que, e isso fica evidente na minha crítica de Heart and Soul, quando o assunto são jogos feitos no RPG Maker eu tento levar em consideração outros fatores.

Como mencionei no início do texto, aqui precisamos ter em mente:

A PROPORCIONALIDADE E O CONTEXTO
NUM JOGO DE RPG MAKER

Dragon Ball do Começo ao Fim, Sunset Over Imdahl & The Drake Legend: The River of the Dragons são alguns títulos do RPG Maker
O RPG Maker é marcado por jogos das mais variadas qualidades, mas que precisamos levar em conta alguns fatores de onde, quando e por quem esses jogos foram produzidos

Num trecho daquele texto de Mother eu falo o seguinte:

Uma coisa básica (…) é entender que essas obras não existem no éter, sejam elas antigas ou novas. Todas são fruto de uma soma de fatores culturais, políticos e históricos (…) Portanto, um jogo produzido em 1990 vai carregar valores bem diferentes de um produzido em 2010 ou um feito no ano passado.

Para complementar esse raciocínio também cito um trecho da crítica de Heart and Soul:

(…) não posso tratar Heart and Soul apenas como um RPG. Ele é um RPG, feito no RPG Maker 2k3, por um jovem brasileiro durante a primeira metade dos anos 2000. E isso faz toda a diferença!

Esses trechos resumem perfeitamente o que eu considero de tão importante na análise de mídias, sejam elas o cinema, TV, vídeo games, quadrinhos e tudo mais. E o fator da proporcionalidade é o mais fácil de se entender e aplicar.

Não dá para você medir todas as obras produzidas pelo mundo com a mesma régua. É fundamental que você dê a devida proporção aos seus criticismos de acordo com o escopo da produção. Não significa necessariamente “pegar leve” com as coisas, mas sim entender que existem limites ao que se pode alcançar dentro de um determinado contexto. Eu vou repetir essa palavra o tempo todo aqui.

Por exemplo, não dá par você exigir o mesmo rigor técnico da animação de um pequeno estúdio independente que você exigiria de um filme da Pixar. Ou então, não dá para criticar os efeitos visuais de um filme da década de 60 só porque hoje vivemos num mundo pós-Avatar do James Cameron. Aliás, seria até mesmo injusto comparar com outros filmes contemporâneos. São poucos os diretores com cacife para mover recursos financeiros e tempo necessário para garantir uma qualidade de efeitos especiais desse nível.

Por isso que quando a gente vai olhar um fangame ou então um jogo indie não dá para fazer as mesmas cobranças que teríamos com os jogos de uma Capcom ou uma Rockstar da vida aí (e acho que usei esses mesmos exemplos no meu outro texto). Essa proporcionalidade também deve aparecer numa crítica de um jogo de RPG Maker, principalmente se for um do começo das comunidades brasileiras. Porque aqui não vale somente o contexto dos fóruns da época, era também um período muito diferente da internet como um todo.

O RPG Maker começou a se “popularizar” no Brasil bem no início do século, algo entre os anos 2000 e 2002. Para quem não vivenciou esse período não sei dá para compreender como era os primórdios da internet brasileira. Uma verdadeira odisseia, eu diria. Só se conectar a uma linha discada era um sofrimento. Tínhamos que esperar os fins de semanas e horários especiais para pagar o pulso único e torcer pro provedor conseguir conectar. Tudo isso para navegar com velocidades baixas e instáveis, downloads que não passavam de uns 15kb/s, tentando desesperadamente encontrar o que você precisava e conseguir baixar antes que a internet caísse.

A partir da metade daquela década que realidade foi mudando aos poucos conforme surgiu a banda larga. Porém para nós, os meros mortais, a internet discada ainda era a única opção. Eu mesmo, só comecei a ter mais acesso quando contratamos um serviço de internet via rádio. A velocidade ainda era baixa, mas eu podia ficar mais tempo conectado sem correr o risco de apanhar da minha mãe porque a conta do telefone chegou. Foi assim que encontrei a extinta Casa dos Jogos que me levou a conhecer o RPG Maker.

Casa dos Jogos, extinto site por onde você provavelmente baixou alguma coisa relacionada ao RPG Maker
Casa dos Jogos, extinto site que foi porta de entrada de muita gente para o RPG Maker

Esses eram alguns dos problemas da parte “física” da internet. Porém quando entrávamos enfim nela, as coisas não ficavam mais tranquilas. Ferramentas de busca como o Google ainda não tinham o grau de sofisticação de hoje e o conteúdo escasso que havia na internet ainda era muito espalhado. Conseguir as ferramentas necessárias para te ajudar a criar qualquer conteúdo e depois baixá-las já era difícil. Achar tutoriais que te ensinassem a usá-las direito mais ainda. Tudo tinha que ser aprendido na raça.

Sabendo de todas as dificuldades dessa época fica mais fácil entender também o quão era complicado para qualquer pessoa desenvolver um joguinho no RPG Maker, correto? Que é exatamente o período em que o Lord-Dracon se encontrava pois, se não me engano, a primeira versão de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter foi feita exatamente entre aquele período de 2000 e 2002.

Hoje eu posso simplesmente ir no Google Imagens e digitar “thor de phecda transparência” e em menos de 30 segundos encontrar uma imagem de boa qualidade, baixá-la, e importar para o projeto como batteset. No tempo do Lord-Dracon a conversa era outra. Você tinha que escavar dúzias de fóruns para conseguir imagens dos desenhos. Os facesets eu não tenho dúvidas que devem ter sido tirados de fotos de perfis de dezenas de usuários. E quando encontrava as imagens ideais provavelmente seria com uma qualidade questionável. E para editar, pode esquecer esses Photoshops crackeados que você encontra virando cada esquina virtual hoje. A gente tinha que se virar no Paint e olhe lá!

Thor de Phecda, Guerreiro Deus da Saga de Asgard em Cavaleiros do Zodíaco

Por isso que quando eu olho para as imagens dos Guerreiros Deuses nas lutas e noto todos aqueles pixels coloridos nas extremidades eu simplesmente relevo. Lembro bem do trabalho que era pintar toda a imagem exceto o personagem para conseguir apagar o fundo depois. E esse pontinhos minúsculos eram praticamente impossíveis de se remover quando sua ferramenta de trabalho era o Paint.

Outro ponto que eu destaco na minha “review” é como o jogo misturava sprites e tilesets que destoavam muito um dos outros. No caso de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter temos ali gráficos possivelmente ripados de Saint Seiya Paradise, Phantasy Star e também recursos do próprio RPG Maker. E, bom, isso é uma característica de praticamente todo projeto da época e até mesmo dos mais atuais.

Primeira cidade em Saint Seiya RPG: Asgard Chapter

O jogo que eu citei anteriormente, Heart and Soul, faz a mesma coisa. Você tinha os gráficos do RPG Maker misturado com os de Treasure of the Rudras e Fire Emblem. No Legion Saga II tinha muita coisa de Breath of Fire e Final Fantasy. Portanto, quando o assunto é RPG Maker, não existe uma “homogeneidade estética” para os projetos. E lá trás isso era ainda mais forte.

Você trabalhava com aquilo que tinha ou conseguia encontrar com facilidade. Não era surpresa para ninguém ver projetos repetindo recursos um dos outros e de dezenas de jogos. Pouquíssima gente entendia de pixel-art e até mesmo os que sabiam não iam conseguir sozinhos – gravem essa parte – produzir todos gráficos necessários para um jogo completo.

Agora indo para a gameplay de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter que eu falei que era bem básica e isso não foi um exagero. Se for comparar com o Legion Saga I, que é de 2001, há quilômetros de diferença. Kamau, desenvolvedor do Legion Saga, incluiu e criou vários sistemas – inspirados em Suikoden – no seu projeto para dar mais personalidade aos seus jogos. Por outro lado o Lord-Dracon não fugiu do que era de mais padrão.

Entretanto, o contexto do Kamau eram as comunidades internacionais onde o simples fato dele falar inglês já o colocava numa posição de vantagem muito maior do que qualquer brasileiro. Falo nem de acesso a uma internet melhor, mas também de muito conteúdo disponibilizado na sua língua nativa para ajudá-lo a aprender a mexer na engine. Por outro lado, nós aqui no Brasil tínhamos que dar sorte de alguém traduzir um tutorial. Muitos tiveram que esperar o RPG Maker ser traduzido por alguns usuários brasileiros para conseguir mexer na plataforma.

Quando o Lord-Dracon fez seu fangame de Cavaleiros do Zodíaco, quase ninguém sabia usar o RPG Maker direito por aqui. O jogo dele foi provavelmente um dos primeiros projetos a serem concluídos no Brasil. Se bobear pode até ter sido o primeiro. Sem contar que ele devia estar lá entre seus 12 até seus 16 anos, então o próprio criador do jogo carecia de experiência. Não é a toa que Saint Seiya RPG: Asgard Chapter tem duas versões, sendo a primeira ainda mais amadora em todos seus aspectos. Ainda assim a segunda versão veio num momento em que os fóruns ainda estavam se formando. Os primeiros tutoriais eram escritos, verdadeiros talentos surgiam nessas comunidades e recursos passaram a ser disponibilizados e criados com mais facilidade.

E o último detalhe vem da palavra que pedi para vocês gravarem poucos parágrafos atrás. Precisamos ter em mente que a maior parte dos projetos de RPG Maker daquele período eram fruto de uma única mente. Embora a geração de conteúdo nos fóruns era um trabalho colaborativo, projetos raramente eram conduzidos por uma equipe de makers. Não era apenas porque faltavam pessoas talentosas para colaborações, é porque não tinha muito jeito de trabalhar com alguém que não morasse próximo a você para repassar arquivos e discutir a direção do projeto. Hoje a gente tem a comodidade de abrir um drive na nuvem e conseguir trabalhar com um cara que está do outro lado do globo. Agora tenta fazer isso numa época em que só tinha em mãos um disquete que guardava apenas 1,44mb de informação.

Sendo assim no final do dia você acabava tendo que ser o roteirista, designer, sonoplasta e programador do jogo. Aqui volta aquela questão de proporcionalidade que eu falei. Até mesmo num estúdio indie essas tarefas se dividem por mais de uma pessoa. No RPG Maker você tinha que ser um exército de um homem só!

Créditos finais de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter

Era uma época em que estávamos todos tentando aprender a usar essa engine, se virando com os poucos recursos que encontrávamos e tendo que fazer um contorcionismo gigante para conseguir atuar em todos as áreas necessárias para se desenvolver um jogo. Esse contexto que se faz extremamente necessário para entendermos que, por mais que Saint Seiya RPG: Asgard Chapter aglutine dúzias de defeitos, é compreensível que esses problemas existam por conta de todos os obstáculos e perrengues que o Lord-Dracon teve que passar pra fazer um simples fangame numa internet de difícil acesso para qualquer brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Meu texto não tem como objetivo convencer as pessoas que na verdade Saint Seiya RPG: Asgard Chapter é um bom RPG. Até porque eu mesmo não acho isso. Porém acredito que seria muito injusto falar que o jogo é simplesmente ruim e ponto. Precisamos entender o que era aquele momento onde o jogo surgiu.

Todos os defeitos que ele apresenta são perfeitamente explicados se você se dispuser a conhecer o contexto do RPG Maker dos anos 2000. Não acho que isso irá necessariamente mudar a sua opinião do jogo, mas te fará entender melhor os problemas que ele possui e porque tem gente que gosta genuinamente dele. Pois, de um jeito ou de outro, ele é uma parte da história do desenvolvimento de jogos no Brasil.

Não tenho dúvidas que o criador de CdZ – A Saga de Hades como outros fangames de Cavaleiros do Zodíaco feitos no RPG Maker tiraram inspiração do jogo do Lord-Dracon. De alguma forma ele conseguiu impulsionar mais pessoas a continuarem investindo tempo na engine aqui no Brasil, contribuindo para a evolução das comunidades.

Então se é para julgar um singelo fangame de Cavaleiros do Zodíaco dos anos 2000, que seja feito com o devido respeito ao contexto da época.


Backlogger precisa do seu apoio para crescer. Então, por favor, compartilhe ou deixe um comentário que isso ajuda imensamente o blog. Você também pode me seguir em outras redes como TwitterFacebook e Tumblr

6 comentários em “Saint Seiya RPG: Asgard Chapter e porque contexto importa”

  1. Boa análise, meus parabéns para você Vicent. Vi seu tópico no Condado Braveheart e me levou até aqui. Foi o primeiro artigo/postagem que li da lista sobre artigos de jogos feito no RPG Maker, pois como você mesmo pontuou, para quem era novo e deslumbrava com jogos em português feitos de seus animes, pareciam perfeitos, lembrou de como eu jogava os de Dragão Ball, Samurai X e Cavaleiros do Zodíaco O Ataque dos Deuses, era mesma premissa, grindar bastante, comprar melhores equipamentos para conseguir vencer os inimigos e as imagens dos inimigos na batalha eram de variados tipos de estilo artístico e qualidades.

    1. Brigadão, Vash! Meu objetivo aqui está sendo esse de resgatar as memórias daquele início do RPG Maker porque é um pedacinho da história da ferramenta que só vive nas nossas lembranças agora. Aliás esse vai ser o tema do meu próximo texto que devo fazer mês que vem. Espero te ver mais vezes por aqui!

  2. Olá!
    Eu sou o Albert Viudes Dick (a.k.a. Lord_Dracon), criador do Saint Seiya RPG – Asgard Chapter.

    Confesso que a sua crítica foi uma das poucas críticas “duras” que eu li a respeito do meu jogo kkkkkkk Mas eu concordo contigo.

    No ano 2000 eu geria um site sobre Cavaleiros do Zodíaco (chamado na época de “CavZod”) com um colega de internet que era responsável pela parte de notícias do anime/mangá (que eram bem raras, pois CdZ ainda estava em “coma mundial”) e eu era responsável pelas “invenções de moda” do site. Até cheguei a fazer um mod das 12 Casas para o Duke Nukem 3D. Vai vendo kkkkk

    Foi então que eu descobri o RPG Maker 2000. Não me lembro como. Fiquei encantado com uma ferramenta que poderia me possibilitar fazer um RPG (pois RPG era meu gênero favorito desde o Phantasy Star do Master System). Como desde a pré-adolescência eu sempre fui muito viciado em “informática” eu já tinha alguma experiência com programação (QuickBasic). Logo, não foi muito difícil para mim entender como o RPG Maker 2000 funcionava.

    Depois de provavelmente fuçar bastante na ferramenta, eu queria criar um jogo qualquer. Como nunca fui muito criativo com histórias originais então resolvi fazer essa homenagem ao meu anime favorito, e escolhi a Saga de Asgard intencionalmente por ela ser uma história pequena. A primeira versão (beta) foi lançada no site 1 SEMANA depois que eu comecei a desenvolvê-lo (sim eu tinha tempo de sobra) e sem aviso prévio.

    Aproveitei e usei meus conhecimentos de “informática” para desvendar um pouco mais da engine e possibilitar a distribuição do jogo para qualquer um, sem que a pessoa precisasse ter o RPG Maker 2000 instalado e/ou aquele gigante pacote RTP de 30 MB (sim, nos anos 2000 era gigante). Então tive o cuidado de disponibilizar apenas os assets que foram usados no jogo e usei um instalador para Windows, pois era necessário instalar a fonte do jogo e adicionar uma chave no registro do Windows para o jogo funcionar de maneira independente. Aliás, faltou dar um ponto positivo para o instalador hein? =D

    O jogo foi uma febre na comunidade de CdZ e foi o único jogo completo que eu fiz no RPG Maker. Depois de uns anos o site foi encerrado e em parti para outras aventuras IRL.

    Outra coisa que definitivamente ajudou o jogo a não cair no esquecimento foi ele ter sido distribuído em CD-ROM pela Revista Digerati em uma de suas edições.

    Depois disso o resto é história.

    Só fui descobri esse “respeito” da comunidade do RPG Maker relacionado ao meu jogo muitos anos depois.

    Até hoje as vezes alguém me encontra na Internet e lembra “então você é o criador do saint seiya rpg asgard chapter”? Uma vez uma pessoa me encontrou no Facebook para dizer que o jogo influenciou ela a se tornar programador. Como programador que sou hoje, não sei dizer se isso foi bom ou ruim. =D

    A propósito, sou de 1981, tinha 19 anos quando fiz a primeira versão do jogo (sim, eu já era marmanjo kkkk).
    Hoje estou com 42 anos.
    E sim, eu ainda jogo games, de diversos tipos, mais raramente de RPG Maker. Porém se perguntarem para mim qual é o meu jogo favorito na engine eu respondo com dois: To the Moon e OMORI.

    Falou e obrigado pela análise sincera.

    1. Outro maker histórico aparecendo no meu blog? Assim eu vou começar a ter orgulho das minhas decisões de vida!

      Muito bacana saber da sua história com o RPG Maker porque um dos motivos de eu falar sobre alguns jogos dele aqui no blog é pra deixar registrado essa memória. Nem foi para fazer uma crítica per se, hahaha, foi mais pra mostrar pro pessoal como fazer jogos lá trás não era uma coisa tão simples, ainda mais nessa engine que tinha pouquíssimo conteúdo disponível lá nos anos 2000 e nossa conexão de internet não ajudava. Galera não tem ideia o sofrimento que era pra carregar um mísero vídeo no YouTube.

      Obrigado por aparecer pro aqui Albert Viudes Dick (a.k.a. Lord_Dracon) e dar mais alguns detalhes da origem de Saint Seiya RPG: Asgard Chapter. Acredite, foi porta de entrada pra muita gente no RPG Maker mesmo. Só do meu lado eu conheço dois amigos, além de mim, que foram conhecer a ferramenta pelo seu jogo. Sem contar a influência em outros fangames de CdZ que vieram após ele. Valeu por contribuir com essa cultura!

      Abraços!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima