Uma (não) crítica a Enigma do Medo

A imagem é uma montagem com uma cena do filme Toy Story em que Andy joga seu boneco cowboy, Woody, no chão, e diz "Eu não quero brincar com você mais". Porém em vez do Woody, na imagem se encontra a  capa do jogo Enigma do Medo do streamer brasileiro Cellbit. A capa mostra a protagonista Mia, uma jovem ruiva vestindo uma jaqueta preta, e seu fiel cachorro protetor Lupi ao seu lado

Eu não tenho costume de abandonar jogos e percebo que ao começar o texto desse jeito já entrego o seu conteúdo. Mas de fato, é muito difícil parar de jogar algo depois de começar. Mesmo que a experiência esteja sendo muito frustrante. Não é que eu seja uma pessoa persistente, é mais teimosia minha mesmo. Fora que minha atuação na internet se resume a falar das coisas que eu consumo e não acho muito justo fazer uma crítica de um jogo sem ao menos zerá-lo. É a minha “filosofia”, ninguém precisa ser desse jeito. Então, resumindo, eu abandonei Enigma do Medo. Ou como eu prefiro chamá-lo, o Jogo do Cellbit™!

Ao contrário de Divinity: Original Sin, outro jogo que abandonei esse ano, com Enigma do Medo eu me meti numa sinuca de bico. Porque eu tenho um acordo comigo mesmo no qual eu tenho que fazer um texto pro blog sobre qualquer título brasileiro que eu me dispuser a jogar. Sei que soa como bobeira, mas é a forma que encontrei para ajudar nem que infimamente o cenário nacional de desenvolvimento de jogos. Portanto eu tinha que falar alguma coisa sobre Enigma do medo que não se limitasse a um “Eu desisto, capitão!” nas minhas redes sociais. Rede social, né? Abandonei por completo a Outra Rede™ (não me perguntei porque eu tenho a mania de pôr o símbolo de trademark em algumas palavras porque eu também não sei).

Como não fui muito a fundo no jogo, parei um pouco depois do chefão do cemitério, não tinha nada que eu pudesse falar com propriedade dele. Por esse motivo que destaco que esse artigo é uma (não) crítica a Enigma do Medo. Tanto que irei publicá-lo na categoria de textos pessoais para deixar ainda mais claro. Então a minha intenção hoje é elencar os motivos que me fizeram abandonar o jogo, pois esse foi o subterfúgio que eu consegui inventar para cumprir a promessa que fiz para mim mesmo. É o meu jeito insuportável de ser.

Pois bem, eu fui uma das pessoas que abriu a carteira para ajudar Enigma do Medo a existir. Felizmente não foi muita coisa, apenas cinquentinha para garantir que eu recebesse uma cópia digital. Apesar de conhecer o Cellbit há bastante tempo, nunca fui de consumir muito conteúdo dele. Vi uns vídeos aqui e ali, mas quando ele mudou para a Twitch, já que detesto acompanhar lives, eu parei de prestar a pouca atenção que tinha nele. O fenômeno que foi a sua campanha de RPG, Ordem Paranormal, é outro projeto que eu só conhecia através dos trending topics.

De qualquer forma, Enigma do Medo me despertou interesse porque de jogos de terror eu gosto. Então fui lá, ajudei no financiamento coletivo e aguardei pacientemente os quase quatro anos que o projeto ficou em desenvolvimento e – tirem os fãs do Cellbit da sala, por favor – me decepcionei bastante com o produto semi-final que foi entregue. Tenho que usar “semi” aqui porque acho menos ofensivo do que dizer “mal acabado”.

Mia, protagonista de Enigma do Medo, está numa varanda de madeira olhando para o horizonte. Misteriosas luzes azuis podem ser vistas depois de uma densa floresta. Seu cachorro Lupi está logo atrás da jovem

Enquanto não tenho o que criticar na direção artística de Enigma do Medo – acho que a Dumativa conseguiu misturar muito bem o 2D com 3D – o desempenho é algo que não dá para relevar. Nem mesmo para mim que costumo deixar esse papo para os asseclas da execrável Digital Foundry. Difícil fugir do assunto quando leva uns dois ou três patches para o jogo conseguir iniciar em menos de três minutos. Alguns comentários na Steam falavam de outros bugs, que não deu tempo de eu encontrar e os que eu me deparei fico me questionando se eram de fato bugs ou simplesmente desatenção.

Por exemplo, o Enigma do Medo usa um sistema de save automático, geralmente quando você passa de um mapa para o outro, e quando você morre a sua personagem volta para a entrada. Agora imaginem o seguinte cenário: você passa por umas salas pegando várias munições, contudo por desatenção um inimigo acaba te encurralando e dando um golpe fatal. Agora o que você faz? Volta pelo caminho para pegar as munições de novo e toma mais cuidado com os monstros, certo? Mais ou menos, porque todas as munições terão desaparecido. Por algum motivo o jogo considera que você já as pegou, contudo não contabiliza no seu inventário, então você fica com a mesma quantidade que tinha antes de morrer.

Aí tem os kits médicos. Você está limitado a carregar apenas três, então naturalmente deve imaginar que quando tentar pegar um quarto o jogo te dará algum aviso que você não pode levar mais, certo? Errado! Você pega o kit mesmo assim, não contabiliza no seu inventário e, adivinhem só, ele desaparece para sempre igual a munição. Contudo isso não é um grande problema, os kits e as munições. O Enigma do Medo é muito generoso com a quantidade de recursos espalhados pelo mapa. Antes de desistir eu estava com mais de cem balas que mal precisei usar porque não existe motivo para usar a pistola.

Tem vários inimigos espalhados pelos mapas de Enigma do Medo. Desculpa, inimigo no singular. Até eu chegar no cemitério tudo que eu havia encontrado eram os mesmo zumbis de sangue que surgiam praticamente em todo cômodo. Contudo eles não trazem nenhum perigo para dentro do jogo, na verdade eles são mais inconvenientes do que qualquer outra coisa. É fácil derrotá-los com o pé de cabra se você for paciente. É só esperar os zumbis darem as costas, se esgueirar por trás deles e pimba. Às vezes ele acaba virando bem na hora que você ia golpeá-los, entretanto não há razão para desespero. Você pode deixar os zumbis te atacarem até dar um game over porque o jogo vai automaticamente recuperar toda sua vida ao voltar no último save.

Se você não quiser se engajar no combate ou usar de stealth também não tem problema. É fácil correr deles, ainda mais nos ambientes externos. Na verdade, o mais difícil é correr. Por algum motivo você tem que estar andando e apertar shift para ativar a corrida. Se você segurar shift primeiro a personagem anda normal. Entendem agora porque eu fico pensando se essas coisas são bugs ou algo que os desenvolvedores ignoraram? Eu tento ser mais leniente com jogos que não são produzidos por estúdios gigantes, mas é complicado relevar tantos problemas acumulados.

Um relógio antigo iluminado com luzes ultravioleta que revelam símbolos desenhados com tinta invisível no lugar onde estão os números

Agora deixa eu ser brevemente positivo. Uma das coisas que eu gostei em Enigma do Medo é como o jogo já estabelece o sobrenatural como uma parte normal do seu universo. Eu prefiro terror que não fique tentando se equilibrar numa zona de ambiguidade. Esse foi o fator que me motivou a continuar jogando mesmo com todos os reveses. Além disso, dava para ver que Enigma do Medo queria dar uma guinada para os puzzles, até porque enigmas sempre foram um carro-chefe do conteúdo do Cellbit.

O jogo abre já com um, você tem que acertar uma combinação de símbolos para a história iniciar. Foi um ponto positivo logo de cara que melhorou com o puzzle da fechadura que você precisa resolver ao chegar na mansão. Não é difícil, porém requer que você utilize diferentes mecânicas da jogabilidade como manipular objetos, usar o Lupi – o cachorro da protagonista Mia – e a lanterna com luz ultravioleta. Só que há um porém nessa história!

Notem que eu disse que Enigma do Medo “queria dar” uma guinada voltada aos puzzles. PORÉM ele ainda se pensa como um survival horror, um survival horror ruim por conta dos pontos que citei anteriormente. Muita munição, muito item de cura, muito fácil simplesmente desviar de um inimigo. Nada disso cria a sensação de vulnerabilidade que a atmosfera do jogo precisa para ser efetiva. O jogo até tenta se recuperar no chefão do cemitério, onde em vez de você ter que causar dano ao monstro você precisa destruir lápides espalhadas pelo mapa. Contudo é uma parte muito longa, chatíssima e que se vale muito na tentativa erro porque se você passar pelo portal errado tem que recomeçar o caminho todo. Dá pra ver que os desenvolvedores até tentaram fazer algo diferente, mas nem sempre diferente significa bom.

No fim, eu acho que é esse o grande problema que tive com Enigma do Medo. Ele tenta ser “diferentão”, ao mesmo tempo que tenta atingir o maior denominador comum. O jogo deveria ter essa atmosfera de horror cósmico desconcertante, mas quebra o clima o tempo todo com uma piadinha à la Marvel. Se fosse uma comédia aos moldes de Scooby-Doo talvez funcionaria, mas está claro que Enigma do Medo quer ser um terror sério que não consegue sair do PG-13. Não estou dizendo que não é um jogo que dá medo porque isso é muito subjetivo, é só um terror “seguro”.

Então é isso, esses são todos os motivos que me levaram à decisão de abandonar o jogo. Não é algo definitivo, talvez quando o desempenho estiver melhor eu dou uma segunda chance. Mas por enquanto eu não quero mais brincar com você, Enigma do Medo!


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