Mana Spark: um combate brilhante para um jogo frustrante

Belmonteiro joga outro roguelike apesar dele supostamente não gostar do gênero? Mas que surpresa! Bom, talvez nem tanto assim porque no meu texto sobre Dandy Ace eu já havia mencionado isso. Agora vocês sabem que eu falava de Mana Spark. Esse foi um dos jogos sugeridos naquele clube de jogos em que estou participando (salve de novo, pessoal do grupo), mas a democracia clamou por Dandy Ace. Por curiosidade, eu resolvi dar uma olhada nas imagens do jogo, me interessei pelo seu pixel-art e porventura ele estava em promoção na Nuuvem. E assim foi eu lá jogar mais outro roguelike.

A premissa do jogo se desenvolve num universo onde humanos são escravizados por outras raças por serem os únicos que aparentemente não possuem mana. Depois que orcs atacam um vilarejo, sequestrando algumas pessoas, um grupo resolve se revoltar contra seus captores. Mais detalhes da história são entregues através de pequenos textos que você encontra pelo mapa, mas nada que exija muita interpretação. Agrega ao lore de Mana Spark, mas eu duvido que a maioria das pessoas que o jogaram estavam muito investidas nessa trama. Por isso vou apenas dedicar este único parágrafo à história e partir para o que o jogo tem de melhor a oferecer. E também o pior!

Na estrutura mais comum dos roguelikes, Mana Spark coloca o jogador para explorar os diferentes níveis de uma dungeon enfrentando monstros e desviando de armadilhas. Cada andar é construído com geração procedural, mas ainda existe uma progressão linear. Você sempre terá que atravessar dois níveis na Floresta Wolfsbane, depois mais três Túneis Soterrados, então chega nas Criptas Esquecidas e por aí vai. Há também algumas salas entre determinados andares onde o jogador pode comprar alguns itens e até salvar temporariamente a run e os dois primeiros chefões aparecem no meio das suas respectivas áreas em vez do fim.

Cada andar é recheado de monstros, armadilhas e de vez em quando um mini-chefão. Porém você não pode rushar até a saída, uma vez que para abrir a porta para o próximo nível é necessário encontrar uma ou mais alavancas espalhadas pelo mapa. Além disso, cada andar tem um baú contendo um equipamento aleatório que melhora algum atributo do seu personagem ou então concede algum efeito especial. Isso cobre os aspectos mais gerais da gameplay, mas são nos pequenos detalhes que Mana Spark… brilha!

O jogo tem uma pixel-art bem simples que para mim é muito charmoso. Mesmo não podendo colocar muitos detalhes, o jogo consegue tem designs de monstros e umas animações de ataque ótimas. Claro que os chefões por serem maiores acabam sendo melhores desenhados, mas no geral é uma arte que se preza em focar no que é mais necessário. Essa mesma simplicidade parece se aplicar ao combate de Mana Spark, porém logo você descobre algumas particularidades que o tornam mais interessante, sendo o verdadeiro carro-chefe do jogo.

Você começa com um personagem, um caçador armado de um arco. Explorando a dungeon você consegue liberar mais outros três: uma guarda portando uma balestra, uma botânica com seu cachorro e um bumerangue e, por fim, um soldado com uma espada e um escudo. Além dos atributos de força e HP, cada personagem acaba desenvolvendo seu próprio estilo de luta. O caçador podemos dizer que é o mais equilibrado, pois além de causar um bom dano você consegue ter bastante mobilidade com ele e a possibilidade de rolar para escapar de ataque de inimigos. A guarda é bem mais fraca, porém a sua balestra vira essencialmente uma metralhadora medieval com os equipamentos certos. Ela também é uma personagem com boa mobilidade, porém em vez de rolar ela dá um dash.

A botânica é uma personagem não muito adequada para o início de jogo. Além de fraca e com uma cambalhota curtíssima, sempre que você lança o bumerangue você tem que esperar ele voltar para sua mão antes de atirar de novo. Acho que isso é meio óbvio, né? Mas a vantagem é que o cachorro dela pode atacar os inimigos que você marca ao acertar com o bumerangue. Isso também funciona com os animais que você consegue com equipamentos e uma habilidade que vou entrar em mais detalhes daqui a pouco.

Por fim tem o guerreiro que é um personagem adequado para quem é bom de parry. Em vez de rolar ou dash, o guerreiro levanta seu escudo temporariamente para protegê-lo de algum ataque. Ainda que exista a possibilidade de combate corpo-a-corpo, nota-se que Mana Spark foi desenvolvido tendo em mente a ideia de ter que mirar nos inimigos. Contudo não é apenas uma questão de lançar o projétil na direção certa, as partes do corpo do inimigo precisam ser levadas em consideração.

Você aprende isso logo no mapa inicial onde tem alguns javalis. Caso você mire na cabeça dele, as presas do javali refletem os projéteis. Então você precisa mirar no dorso, na barriga ou no popozão do bicho. O mesmo se aplica a outros inimigos como os esqueletos, pois alguns deles carregam escudos. Sendo assim, você precisa se posicionar melhor para conseguir acertar seus pontos vulneráveis, como as pernas ou o topo da cabeça. Também se aplica essa lógica a alguns dos chefões. O primeiro deles, o Beholder, só pode ser atingido quando seu olho está aberto. Sendo assim, o combate de Mana Spark não se resume a ficar spammando ataques de longe. Você tem que estar sempre em movimento, não apenas para desviar de ataques como também achar um ângulo melhor para acertar os inimigos.

Além disso, tem outros detalhezinhos que dão um tempo a mais para a jogabilidade. Todo personagem pode levar um item especial para a dungeon. Você começa apenas como uma armadilha de urso, mas logo libera outros como uma rede, uma poção de cura, um turret e a granada congelante que não demora muito para perceber o quão OP ela é em relação aos demais itens. Ela é meio que uma espada de dois gumes, porque embora possa congelar múltiplos inimigos por um bom tempo, se você estiver dentro da área de efeito também é congelado. Um pequeno detalhe dessa granada é que se você lançá-la numa poça de água, além de congelá-la você também congela qualquer inimigo que estiver ali dentro. Isso também funciona para as poças de veneno, que uma vez congeladas dá para passar sem perigo por cima delas.

Outro detalhe é com um dos esqueletos que tem um escudo azul capaz de refletir seus projéteis de volta para você. No caso do caçador ou da guarda, você é obrigado a desviar se não quiser perder um precioso coração. Porém com a botânica não é necessário porque ela pega o bumerangue na volta sempre. Um dos inimigos tem poderes de fogo e se ele acerta uma tocha ela passa a te atacar com bolas de fogo também. Mas você pode usar seus ataques ou então a granada congelante para apagar as chamas.

Essas foram algumas das particularidades que dá para citar de Mana Spark e assim eu volto para aquele comentário de parágrafos atrás sobre a arte do jogo. Me pegou de surpresa que um jogo com uma estética tão “simples” teria toda essa engenhosidade no seu combate. Assim Mana Spark poderia muito bem ser uma pequena joia desse nosso cenário brasileiro tão pouco conhecido pelo seu próprio país.

Mas infelizmente tem o resto do jogo…

Acabei me deparando com um cenário semelhante a vez que joguei Maiden Cops onde para cada qualidade que eu enxergo no jogo eu também vejo um defeito. No caso de Mana Spark isso alterna entre bugs e algumas das escolhas da sua jogabilidade que criam a frustração que mencionei no título.

Intencionalmente eu deixei de mencionar que o jogo tem um QG na forma de um acampamento porque faria mais sentido nessa seção do texto. A princípio não há ninguém no acampamento além do seu personagem, um cachorro e um NPC que está ali com o propósito de encontrar outros NPCs caso você lhe dê algumas runas que encontra pela dungeon. Assim o acampamento se expande e logo você tem um cozinheiro, um ferreiro e outras pessoas para ajudar na sua missão. Nesse microcosmo já dá para destacar alguns problemas de Mana Spark.

O cozinheiro prepara alimentos que te concedem alguns bônus como mais vida, mais força e/ou mais sorte de encontrar moedas. Mas apesar de ter várias receitas, eventualmente você só precisa se limitar a duas delas que são objetivamente melhores que as demais. A única diferença é que uma dá mais vida e a outra mais força, então você escolhe de acordo com o personagem que vai usar na run. Aí do outro lado temos o ferreiro que permite que você melhore os itens ativos. Contudo, depois que você percebe o quão poderosa é a granada congelante, não existe qualquer incentivo para usar e nem evoluir os outros itens.

Por fim tem um NPC que à primeira vista parece ser o mais útil. Ele estuda os monstros que você encontra nas dungeons e pode enfraquecer um deles para você. Ênfase no um. Como em toda run você irá passar por todos os inimigos de qualquer forma, não tem motivo para alternar suas escolhas. Eu, por exemplo, marcava o necromante e deixava assim por todas as minhas runs. Depois de um certo ponto eu até esqueci que aquele NPC existia.

Aí eu faço uma pausa para entrar nos bugs. Existem quatro efeitos negativos que você pode aplicar nos monstros: lentidão, envenenamento, congelamento e petrificação. São todos autoexplicativos, então falarei apenas nos últimos pois existe uma diferença chave entre eles. Ambos imobilizam os monstros, só que o congelamento é por um período limitado onde você pode atacar o alvo quantas vezes for possível sem ele poder reagir. Já a petrificação deixa o monstro imobilizador até ele receber um segundo hit. Por tanto a petrificação é ótima pra você diminuir a vantagem numérica enquanto o congelamento é perfeito para causar muito dano. Principalmente nos chefões que não são imunes ao efeito.

Então qual o problema? Tem um NPC que pode liberar uma habilidade especial em cada um dos personagens. No caso da guarda, a habilidade permite que, depois de aguardar uns segundos, seu próximo ataque petrifique um monstro. Porém, se você atacar um monstro que está congelado, a petrificação vai anular o efeito anterior. Por causa disso, sempre que eu usava a granada congelante eu tinha que propositalmente errar o meu primeiro ataque para que ele continuasse congelado.

Pior é que depois que você aumenta a velocidade de ataque da guarda, fazendo a balestra se tornar essencialmente uma metralhadora medieval, o efeito da petrificação de vez em quando ativa mesmo sem você esperar o tempo necessário. Isso é um bug que se estende para o congelamento também, pois existem momentos que os monstros acabam travados nesse efeito e isso inclui os chefões. A primeira run que eu consegui completar com o caçador foi porque o último chefão bugou e ficou congelado para além do tempo, o que me permitiu simplesmente ficar ali parado atirando nele até que o HP esgotasse. O bug atuou em meu favor, porém deixou aquele sentimento que venci graças a uma trapaça.

Isso se conecta a outro problema histórico que eu tenho com roguelikes que já mencionei várias vezes. Eu não gosto de sentir que o meu sucesso não foi mérito meu e sim porque dei sorte de pegar uma rota boa e com bons equipamentos. Isso acaba se manifestando aqui por conta do pico de dificuldade que existe no terceiro e no último chefão de Mana Spark. Ambos são mais difíceis não exatamente pelos seus padrões de ataque, mas sim por serem esponjas de dano que tem um HP exponencialmente muito maior que os primeiros chefões.

Então a luta depende muito de você ter itens que ajudem a travar o chefão, como a relíquia que reduz o cooldown do seu item ativo ou a que dá chance dos seus ataques normais congelarem os oponentes. E como são lutas que vão levar um tempo para acabar, a última principalmente, é quase que uma necessidade de você ter a relíquia que invoca um morcego para te ajudar porque os ataques dele tem chance de recuperar sua vida.

Eu poderia entrar em outros detalhes de como a botânica só fica efetiva depois que você libera a habilidade especial dela, que permite que você use uma vida sua para reviver uma aranha ou um morcego como seu aliado, mas acho que vocês já entenderam. Mana Spark é um jogo com um combate bem criativo, só que tem esses pequenos detalhes que geram uma frustração enorme. Pode não parecer tão frustrante assim lendo, mas podem ter certeza que sentirão isso ao jogar. Ainda mais depois que ter que repetir uma run várias e várias vezes. Ainda vale a pena conferir o jogo, até porque o cenário brasileiro precisa bastante de apoio e divulgação, então por mais que eu tenha as minhas ressalvas com ele, recomendo que testem Mana Spark por si sós. Mas tejem avisados!


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