A loja do Xbox 360 fechará em julho de 2024
Se eu fecho os olhos, minha mente desenha você

Há alguns dias saiu a notícia que a Microsoft fechará a loja do Xbox 360 ano que vem. A partir de julho de 2024, usuários não poderão mais comprar jogos e DLCs pela plataforma. Apesar disso, eles poderão jogar todos os títulos comprados até o fechamento. Óbvio que a notícia gerou uma ponta de tristeza em alguns usuário pois até hoje muitos jogam no Xbox 360.

Houve uma segunda reação. Ela veio depois com um levantamento da VGC que avaliou que mais de 220 jogos irão desaparecer com o fim da loja. E por quê? É que esses jogos não possuem mídia física e sua distribuição é exclusivamente no formato digital. Salvo aqueles que tem versões em lojas de outros consoles, o fim da loja do Xbox 360 significa o fim do acesso para usuários novos a esses jogos.

Bom, pelo menos de uma forma legal, né?

Mesmo assim, o ocorrido, ou o que ainda irá ocorrer, não deixa de levantar uma séria preocupação. Ela se intensifica com outra coisa que aconteceu mês passado que para uns foi uma surpresa e para outros foi um “suspeitei desde o princípio”. Um estudo da Video Game History Foundation estimou que cerca de 87% dos jogos lançados nos Estados Unidos não estão disponíveis comercialmente.

Esses dois eventos trazem de volta uma questão que já vem sendo muito discutida nas bolhas gamers que se importam com a história da mídia: a preservação dos jogos. Tem ficado evidente, geração após geração, o quanto a indústria não parece se importar em preservar a sua própria história. Essa responsabilidade então tem recaído há anos nas mãos do público consumidor.

Muitos deles mantém suas bibliotecas pessoais de jogos para guardar a memória de jogos, sobretudo os mais antigos e raros. É nesse cenário que jogadores reforçam a necessidade de continuar existindo a mídia física. Não é apenas por questão de propriedade (ownership). Jogos puramente distribuídos de maneira digital podem sumir no momento que estúdio ou o dono da plataforma de compras decidir acabar com o serviço. A mídia física é uma aliada na preservação do jogos. Evidente que existe um revés porque elas dependem do jogador ter o hardware apropriado para rodá-la. E ambos a cópia física e o console em algum momento deixarão de funcionar.

Então há também a pirataria!

Ainda mais que a mídia física, a pirataria de jogos – dos mais antigos até os mais recentes – tem sido considerada a melhor forma de se preservar a sua existência. Até mesmo com seu revés próprio que são as empresas constantemente tentando derrubar sites de jogos piratas. Isso se aplica até mesmo a sites dedicados exclusivamente a consoles descontinuados há muito tempo. Então não existe uma solução fácil. A mídia física tem seu prazo de validade e a pirataria tem todo um conglomerado de grandes estúdios querendo a cabeça dela.

Talvez seja por isso que recentemente o Pedro Cogu, do canal Cogumelando Videogame, falou no seu Twitter como não se deve tratar preservação de jogos e pirataria como sinônimos:

Pois bem, eu respeitosamente discordo dele. E preciso ressaltar o “respeitosamente” porque sabemos como a internet opera. Felizmente não o atacaram pelo tweet e espero que continue assim. Embora discordemos nas nossas visões, não acho que o ponto dele seja digno de qualquer repúdio. O Cogu é um criador de conteúdo gente boa – recomendo o canal dele – e nos tweets ele discutiu o seu ponto com muita tranquilidade. Então, sejamos todos civilizados.

Eu discordo principalmente do primeiro tweet. O segundo eu simplesmente – desculpa, Cogu – acho bobo. Sim, é um pensamento bonito de se ter. Meu lado cínico não consegue deixar de ver ele como discurso irrealista de “eu quero a paz mundial” de Miss Universo. Mas, como eu disse, não importa. O foco é no primeiro onde ele fala que o futuro provará que preservação e pirataria não são a mesma coisa. Bom, do futuro eu não posso falar nada. Porém o passado já mostrou que isso está errado. É justamente a pirataria que permitiu e continua permitindo que muitos jogos consigam sobreviver a passagem do tempo.

E eu nem vou entrar no tópico de “democratização do acesso a cultura” porque confesso que essa conversa me dá sono. Parece mais uma discussão do lado mais ególatra do Twitter que me passa a impressão de estar mais interessado em sinalizar consciência do que qualquer outra coisa. Entretanto concordo com eles no aspecto geral. É graças a pirataria que muita gente conseguiu e consegue ter acesso aos jogos. Não vamos esquecer que ela foi a principal responsável pro impacto que o PlayStation 2 teve no Brasil. Sem o desbloqueio e a venda de DVDs piratas, é seguro afirmar que boa parte do público gamer mais velho não teria conseguido conhecer os títulos do console. Este que vos fala é um desses gamers!

O meu ponto aqui é que sim, pirataria É preservação. Não dá para contar com a boa vontade das empresas para essa tarefa. Elas irão sempre agir em prol dos seus próprios interesses. O consumidor é só uma ferramenta para tal. Se não houver qualquer benefício ($$$), as empresas não se preocuparão com a sua história. Ainda mais de títulos não-lucrativos. Óbvio que um clássico atemporal influente (e rentável) como Chrono Trigger vai ser preservado. Porém esses jogos não são um décimo do que a história dessa indústria produziu. É em prol desses jogos menores e quase já esquecidos que a pirataria vem ao socorro.

Para mostrar o quanto a pirataria é necessária, vamos considerar que a afirmação do Cogu esteja correta. Digamos que pirataria não tem nenhuma relação com a preservação dos jogos. Aí eu pergunto:

O QUE A GENTE FAZ COM MOTHER 3?

Mother 3, um dos melhores títulos do GBA que até hoje não tem uma localização além do japonês
E aí, Nintendo?

Eu poderia encaixar dezenas de outros exemplos aqui. Escolhi especificamente Mother 3 porque esse é um jogo que tem centenas de milhares de fãs ao redor do mundo. Ok, talvez eu esteja exagerando um pouco. Mas de verdade tem muita gente que idolatra esse jogo e a série como um todo também. Existe uma característica particular entre esses fãs que é, novamente exagerando um pouco, 95% deles não jogaram Mother 3 de maneira oficial.

Exatidão da estatística à parte, fato é que se você gosta de Mother 3 e não fala japonês você provavelmente o jogou com uma ROM que baixou de algum site pela internet. Ele é mais um dos jogos que nunca foram lançados fora do Japão. Até hoje, 17 anos depois do seu lançamento, Mother 3 não tem uma localização oficial mesmo com os fãs pedindo a Nintendo há anos por isso. Se não fosse alguém pirateando uma ROM de Mother 3 para fora do Japão e um grupo da comunidade de Earthbound traduzindo-o, estaríamos há quase duas décadas sem poder jogá-lo.

Agora vamos imaginar que aquele cenário que o Cogu descreveu no seu segundo tweet existisse. Imaginemos que estamos numa versão alternativa do Brasil em que boa parte da população tem acesso a tecnologia de ponta e dinheiro para adquiri-la.

O ano é 2006. Todos que querem ter conseguem comprar um Game Boy Advance. Mother 3 é lançado. Adivinha? Mesmo nesse cenário você não poderia jogá-lo. Claro que daria para você importar do Japão, mas do que adiantaria se o jogo está todo em japonês? Você até pode tentar jogá-lo ignorando os diálogos, contudo perderá toda a beleza do seu texto por não entender a língua. Mesmo se tivéssemos a melhor condição financeira das Américas, ainda estaríamos dependentes de algo que a Nintendo mostra ano a ano que não tem: boa vontade com seu próprio público consumidor.

E aí que a pirataria entra para corrigir esse problema.

Deixa eu puxar outro exemplo aqui: Tengai Makyō Zero. Esse é um jogo de 1995 feito no Super Nintendo que faz parte de uma popular (no Japão) franquia de RPGs que recomendei na minha Jogospectiva de 2022. Assim como os outros títulos da série, Tengai Makyō Zero nunca foi lançado fora do seu país. Por conta do tamanho do texto do jogo – e sim, tem texto pra cacete – além de problemas com o hardware, demorou quase que 30 anos para sair uma tradução… FEITA POR FÃS!

Vocês tem noção disso? Passaram-se 5 gerações de consoles até que Tengai Makyō Zero conseguisse chegar a um público fora do Japão. Assim como Mother 3, a questão vai muito além do que ter acesso a tecnologia. Por consequência isso também afeta na preservação da história dos mesmos. Ainda que ambos os cartuchos originais sejam preservados, o mundo continuaria sem poder aproveitá-los. A barreira da linguagem persiste e por conta da própria empresa, seja a desenvolvedora ou aquela que detém os direitos do jogo, que não traduz os jogos. Preservar não é apenas guardar, é também garantir que outras pessoas tenham acesso a esses títulos.

Isso só são dois exemplos entre vários. A série Kunio-kun tem boa parte dos seus jogos lançados exclusivamente no Japão e alguns deles você tem acesso hoje graças as ROMs localizadas. Todo ano um novo jogo é “revivido” por um patch de tradução. Mas não graças a uma empresa que resolveu relançá-lo localizados em uma das suas plataformas. Quem faz isso são coletivos de fãs, como o Aeon Genesis, que através de ROMs pirateadas se prestam a traduzir os jogos para que mais pessoas possam ter acesso a eles.

É muito bonito pensar num mundo em que não existe a necessidade de operar na ilegalidade para garantir que a história dos jogos seja preservada. Contudo estamos no mundo real. Nesse mundo uma empresa não pensa duas vezes em puxar o cabo da tomada e desligar todo um servidor que dá acesso há pencas de jogos porque precisa cortar gastos. Nesse mesmo mundo uma empresa faz lançamento limitado para criar escassez artificial dos seus jogos, tornando ainda mais elitizado o acesso aos mesmos. É também nesse mundo em que fãs podem ficar pedindo por uma localização por 20 anos que não serão ouvidos.

Enquanto vivermos nesse mundo, a pirataria é e será necessária!


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2 thoughts on “Xbox 360, Mother 3 e porque precisamos da pirataria”
  1. Belmonteiro, gostei muito da crítica, vale lembrar, assim como você já mencionou anteriormente, que só é possível acesso a antigos títulos devido aos sites que disponibilizam ROMs, falo pelo motivo de ser jogador de PS1.

    1. Sim e no PS1 mesmo podemos caçar várias dúzias de exemplos de jogos que hoje só podem ser jogados por gente fora do Japão porque piratearam o CD e fizeram um patch de tradução. Fora que até mesmo jogos que foram lançados globalmente, porém pouco conhecidos, precisam da pirataria para que sua história seja preservada já que se depender dos estúdios esses jogos caem no esquecimento. Por exemplo, um dos meus RPGs favoritos do PS1 é Legend of Legaia cujo estúdio provavelmente foi absorvido pela Sony que era a publisher na época e duvido que a empresa sequer se lembra que possui os direitos do jogo. Nunca vai haver um relançamento desse jogo porque não é uma propriedade intelectual criativa. Sem a pirataria ninguém teria a chance de jogá-lo hoje a não ser que desembolsasse muita grana para conseguir um PS1 e uma cópia se ainda existir!

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