The Booze of Monkey Island existe e isso me deixa feliz

Imagem dos créditos finais de The Booze of Monkey Island, fan game inspirado nos jogos de aventura point and click de Monkey Island. Na imagem você tem vários personagens com vestimentas de piratas, alegres, bebendo, cantando e festejando. No centro da imagem está Guybrush Threepwood, o protagonista de todos os jogos, olhando para frente e erguendo um copo de bebida como se agradecesse o jogador por ter jogado o fan game

Eu já devo ser um fã dos jogos de Monkey Island há mais ou menos duas décadas, desde quando peguei o CD de The Secret of Monkey Island emprestado com um amigo. Inclusive, a primeira crítica que publiquei no blog foi de Return to Monkey Island. Tais jogos foram responsáveis por estabelecer meu gosto por aventura point and click e por isso eu nutro um enorme carinho pela série. Portanto, vocês podem imaginar o sorriso que dei quando um amigo meu chegou com um link para The Booze of Monkey Island, um singelo fan game que saiu no finalzinho do mês passado.

Acho bom começar o texto com essa informação para destacar logo de cara o meu total viés pelo nome de Monkey Island. É mais do que óbvio que boa parte da minha reação ao jogo tem influência do meu apego ao universo desses jogos. Sendo assim, eu já deixo claro que o texto fala para o público bem específicos daqueles que gostam – não precisam ser necessariamente fãs – das aventuras do atrapalhado Guybrush Threepwood. Porque, na condição de fan game, The Booze of Monkey Island já pressupõe que você já está familiarizado com o universo de Monkey Island no qual ele vai tirar dúzias e mais dúzias de referências. Sejam elas sobre personagens, piadas recorrentes e eventos passados.

Mas falando primeiro do projeto em si, o fan game é de autoria de um pequeno grupo de desenvolvedores italianos do estúdio indie Bean Adventure Agency. Eles disponibilizaram The Booze of Monkey Island gratuitamente na sua página do Itch.io onde qualquer um pode baixar sem precisar fazer uma conta nem nada. Apesar da descrição de “early access”, o jogo está completo e você pode jogá-lo do começo ao fim. Por uns comentários que encontrei da equipe pela internet, no momento estão apenas nos ajustes finais, como correção de pequenos bugs, otimização da jogabilidade e revisão da tradução. Eles até queriam incluir dublagem, porém por esse ser um projeto feito sem recursos externos e impossível de se comercializar, acho difícil de acontecer.

Guybrush Threepwood, no bar de uma ilha de piratas, conversando com um macaco branco segurando uma caneca. A direita pode-se ver o dono do bar atrás de um balcão de maldeira

Aproveito também para mencionar que o estúdio abriu um financiamento coletivo no Kickstarter para um projeto original deles, The Adventures of Tango Rio. É um jogo de aventura point and click com bastante comédia e feito com animação tradicional. Então quem se interessar pode ir lá ajudá-los, nem que seja divulgando a página do financiamento.

Quanto ao jogo, já tem muita coisa que dá para imaginar sobre The Booze of Monkey Island apenas pela alcunha de fan game. Evidentemente que é um jogo curto, não tendo mais do que uma hora ou duas de duração, com um escopo bem limitado. Toda a história começa, se desenvolve e termina num único capítulo na região de Booty Island. A trama também tem riscos bem baixos e parece ser apenas um tie-in entre os episódios de Tales of Monkey Island. Se eu não me engano, o desenvolvimento do fan game se iniciou lá por volta de 2018, quase dez anos depois do último jogo da franquia, então o design do Guybrush remete ao da Telltale Games.

A história é simples e dá para explicar num único parágrafo. Mais uma vez o LeChuck sequestra a Elaine e Guybrush parte em seu resgate. Como de costume, ele faz alguma besteira, consegue destruir o seu próprio navio e assim fica preso na Booty Island. Lá ele encontra um velho conhecido, Ignatius Cheese, que agora é dono do bar local que passa por um período difícil sem clientes. Os dois fazem um acordo que, caso Guybrush lhe arranje três novos clientes, Ignatius irá consertar seu navio de graça.

Assim, os eventos de The Booze of Monkey Island giram em torno de convencer três personagens a frequentarem o bar. Claro, do jeitinho caótico do Guybrush. Não tem nenhum puzzle mirabolante para quem está acostumado a jogos de aventura point and click e nem mesmo para os fãs de Monkey Island. Os clássicos duelos de insultos são apenas mencionados, então não esperem nada além de descobrir qual item combinar com qual e onde utilizá-los. Dito isso, o jogo consegue encapsular o bom humor da franquia, sobretudo na resolução dos puzzles.

Usar um poema sobre folhas para atiçar um bando de piratas bêbados a “depenar” uma árvore porque eles acreditam que lá tem um tesouro, como parte da sua tentativa de convencer um homem amaldiçoado que deve ficar ao lado da árvore até ela morrer é bem uma coisa que aconteceria com o Guybrush. Entretanto, eu acho que só o fato dele falar “Papel ganha” quando você tenta combinar uma pedra com alguns dos documentos é a melhor exemplificação de como os fãs entendem o humor de Monkey Island.

O escopo do jogo também é limitado no seu elenco, contando com apenas seis personagens (e sim, eu estou considerando o macaco Sax). A maioria são rostos conhecidos de outros jogos, como o já mencionado Ignatius Cheese, a capitã Kate Capsize e o coitado Wally B. Feed que terá que sofrer mais uma vez as consequências da sua “amizade” com Guybrush Threepwood. Outros personagens icônicos, como Herman Toothrot, Stan e tanto o LeChuck quanto a Elaine, apenas aparecem por nome. Mas apesar dos poucos figurantes, The Booze of Monkey Island tem até bastante texto. Acredito que foi uma forma de estender mais a duração do jogo, pois há interações que podem levar mais de dez, quinze minutos até você esgotar todas as opções de diálogo.

A ambientação e senso de humor são pontos fortes em The Booze of Monkey Island, porém o que ganhou meu coração mesmo foi a arte. Não há qualquer dúvida que a maior inspiração para os desenvolvedores foi Curse of the Monkey Island porque, tal como ele, o fan game utiliza animação tradicional. Aqui entre o meu viés de novo, porque eu assumidamente tenho fraco por jogos desse estilo. Vide Hollow Knight. Apesar de não ter nenhuma sequência animada, as cutscenes tem animações bem simples, o design geral do jogo compensa.

Claro que nem tudo são flores e The Booze of Monkey Island tem seus probleminhas que, como eu disse, a equipe já está revisando. Pessoalmente eu não gosto da escolha de você ter que segurar o botão esquerdo do mouse para liberar as três ações básicas – examinar, falar, pegar – dá para notar alguns glitches gráficos, às vezes o menu de ação aparece durante um diálogo e é perceptível o loop na trilha sonora por conta de um corte brusco. Não são coisas que quebram a experiência do jogo, apenas alguns empecilhos que vocês podem se deparar.

Num mundo perfeito, The Booze of Monkey Island receberia o mesmo tratamento de Black Mesa. Quem não conhece, esse é um remake do clássico Half-Life que foi produzido por um coletivo de fãs e acabou recebendo ajuda financeira da Valve, que também permitiu os desenvolvedores comercializá-lo na Steam. Parte de mim sonha com o Ron Gilbert fazendo o mesmo com esse fan game. Seria ótimo ver a Bean Adventure Agency podendo se beneficiar do seu esforço e ter a chance de melhorar mais ainda a gameplay incluindo dublagem e quem sabe mais alguns capítulos.

De qualquer forma, The Booze of Monkey Island foi uma grata surpresa para esse finalzinho de ano. Acredito que ele tem grandes chances de agradar os fãs que souberem moderar suas expectativas. Além do carinho pela franquia, nota-se que houve um grande esforço para produzir o jogo mesmo sabendo que não poderia vendê-lo. Então prestigiem a equipe com um download ou recomendem para alguém que vocês achem que possa gostar. Tô aqui fazendo minha parte!


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