Já tem uns dois anos desde que joguei Vampire Survivors e tive que pagar com a língua o texto que fiz para ele. O jogo não só conseguiu se manter bem popular como também ajudou a fomentar um novo subgênero apelidado de survivors-like. A nível pessoal, eu continuo com nenhuma vontade de voltar a jogá-lo. Nem mesmo a DLC de Ode to Castlevania, que fez os olhos de muitas pessoas brilhar, me gerou o remoto interesse. Entretanto, não significa que eu abandonei esse estilo de gameplay. Volta e meia me meto a jogar alguma survivors-like, sendo a adição mais recente ao meu histórico o jogo Karate Survivor.
Pelas minhas contas, esse foi o quinto jogo desse tipo depois de Vampire Survivors que eu me meti a testar. Tudo graças a SUPOSTOS amigos que continuam me dando presentes. Mas Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge ninguém compra pra mim, né? Apesar dos exageros, eu não desgosto desses survivors-like. Até hoje Brotato foi o único que eu de fato negativei. Porém, ao mesmo tempo, eu ainda não encontrei um que me desse a mesma satisfação que tive na vez que joguei Vampire Survivors. Karate Survivor até chegou perto disso, só que é mais pelo meu apego com filmes de artes marciais do que pelos méritos do jogo. Acredito que isso acontece porque vejo que todos esses jogos não entenderam ainda o que torna o “””original””” especial.
Porque é o seguinte, a gameplay de Vampire Survivors meio que tem um “prazo de validade”. Ela tem um caráter viciante a princípio, porém, depois que você desbloqueia tudo que o jogo tem a oferecer, não há muitos incentivos para permanecer nele. É por isso que de tempos em tempos precisa sair uma DLC para que haja um novo pico de interesse de jogadores antigos enquanto continua atraindo novos.
Todos esses jogos que eu citei, possuem também um “prazo de validade” só que ainda mais curto do que o de Vampire Survivors. Karate Survivor não foi nenhuma exceção e eu já o desinstalei para nunca mais voltar a jogá-lo. Porém, antes de entrar no assunto do texto, temos que responder aquela pergunta primordial:
O QUE É KARATE SURVIVOR?
O jogo segue a mesma lógica dos vários survivors-like que o precederam. Você se encontra numa arena, não no sentido literal, e precisa sobreviver a hordas de inimigos durante uns minutos. São cinco cenários diferentes e o tempo aumenta um pouco a cada um. No final de cada estágio você tem que enfrentar um chefão específico. Os inimigos derrotados dão dropam experiência no formato de dinheiro, enquanto a “moeda” do jogo são dentes quebrados que você utiliza para melhorar permanentemente alguns atributos. Você também tem três níveis de dificuldades diferentes, os dois primeiros – Lutador e Mestre – já vem habilitados e o terceiro – Lenda – você libera depois de concluir todos os cenários como Mestre.
Karate Survivor busca um diferencial na jogabilidade ao trocar as armas por golpes de artes marciais que você organiza na forma de um combo. Contudo não é uma mera mudança estética, o jogo se aprofunda mais nessa mudança. Os golpes se dividem em três estilos de luta diferentes (Adaga do Luar, Punho da Fúria e Toque Mortal) e ao combinar ataques do mesmo estilo eles recebem bônus de força. Além disso, cada golpe tem um número associado a ele. Ao colocá-los na ordem correta, isso gera um segundo bônus que concede efeitos especiais. Por exemplo, golpes sequenciais do estilo Punho da Fúria fazem com que o personagem emita uma onda de energia ao seu redor que causa dano extra nos inimigos.
Ao concluir determinadas ações, como uma quantidade de inimigos de uma maneira específica, você libera novos golpes e habilidades passivas. São habilidades como correr pela parede, chutar objetos e saltar sobre móveis. O combate de Karate Survivor tem uma energia das cenas de ação protagonizadas por Jackie Chan porque o cenário também faz parte da luta. Você pode usar armas espalhadas pelo mapa – vassouras, tacos de baseball e até mesmo um peixe-espada- atirar objetos – garrafas, pratos, ferramentas, etc – chutar portas, barris, motos, utilizar gangorras, quadros, postes e por aí vai. O que não falta são formas de causar dano e incapacitar seus inimigos.
Pronto, se eu quisesse o texto poderia parar por aqui. Depois de descrever a jogabilidade não existe nada mais de relevante para se comentar de Karate Survivor. Essa não é uma característica exclusiva dele, pois eu poderia dizer o mesmo de todos os outros survivors-like que eu zerei até hoje: Dino Survivors, 20 Minutes Till Dawn e Slime 3K: Rise Against Despot. Isso porque todos esses jogos tropeçam no mesmo problema de não pensarem em si para além das suas gimmicks.
A GIMMICK COMO “ARGUMENTO DE VENDA”
Vampire Survivors pode não ter sido o primeiro a apresentar o conceito principal da sua gameplay. Essa ideia de ficar numa arena sobrevivendo a vários e vários ataques de inimigos já era um estilo bem consolidado principalmente em jogos que você encontrava pela internet. Poderíamos citar, por exemplo, Crimsonland que é um jogo de 2003 e tem todo o esqueleto de Vampire Survivors. Mas dá para voltar mais ainda no tempo, lá na época dos arcades, e puxar Robotron: 2084, um jogo de 1982, que também introduziu essa gameplay num formato mais arcaico.
Contudo, ser o primeiro é algo que importa apenas quando estamos olhando para a história da evolução da mídia. Para todos os outros efeitos, o que impacta de verdade são aqueles títulos que popularizaram algum conceito. Sendo assim, Vampire Survivors é o responsável por criar o modelo que outros desenvolvedores têm seguido na contemporaneidade. Tanto que, embora alguns possam insistir que o termo é uma aglutinação de “survivor” com “roguelike”, para a maior parte do público o nome do gênero é uma referência direta a ele, tal como soulslike é para Dark Souls. Porém, o que eu vejo nos jogos que citei é que eles apenas seguem Vampire Survivors até a página 2 e esquecem o “tempero” a mais que o torna interessante.
Cada jogo do pós-Vampire Survivors tenta recriar a sua jogabilidade ao seu modo, geralmente inserindo uma ambientação diferente, uma estética própria e alguma nova mecânica:
- Dino Survivors é talvez o melhor exemplo dos que joguei que se apresenta como uma derivação bem clara do seu antecessor. Você pode resumi-lo a “Vampire Survivors com dinossauros” porque é exatamente isso que ele é;
- 20 Minutes to Dawn, por outro lado, é um jogo que aparenta se diferenciar um pouco mais. Ele busca dar mais agência ao jogador, uma vez que você precisa mirar seus ataques. O jogo também inclui uma skill tree simples na evolução das suas habilidades que produz efeitos diferentes de apenas aumentar o dano e área de impacto, priorizando assim a criação de builds mais diversas;
- Brotato não tem uma partida contínua e a divide numa série de ondas com intervalos de tempo menores. É entre uma onda e outra que o jogador pode utilizar o dinheiro coletado para comprar novos equipamentos e também melhorar aqueles que possui;
- Já em Slime 3K: Rise Against Despot você precisa montar previamente um deck com todas as habilidades que você pode adquirir ao longo de uma fase. Para evoluí-las, você tem que preencher 3 slots do seu inventário com a mesma habilidade de tal modo que você não pode simplesmente ficar escolhendo várias a esmo, caso contrário não conseguirá as versões mais fortes delas;
- Por fim, temos Karate Survivor que eu já expliquei no tópico anterior que traz como o motor principal da sua jogabilidade a ideia de uma corrente de combos.
Apesar das suas diferenças, há algo que une todos esses jogos e não me refiro apenas ao aspecto geral da gameplay. Os cinco, tal como em Vampire Survivors, buscam reter a atenção do jogador através de conteúdo desbloqueável. Personagens, armas, habilidades extra, níveis de dificuldade, etc. É exatamente por isso que o valor de replay deles despencam uma vez que você já liberou todo o tipo de conteúdo disponível.
Às vezes até mesmo antes mesmo disso. Em Karate Survivor ainda tem uns seis ou sete golpes que faltam para completar e possivelmente eu nunca tentarei. Slime 3K: Rise Against Despot também tem várias armas que eu deixei de liberar antes de desinstalar o jogo. Por outro lado, quando eu joguei Vampire Survivors eu não descansei até encontrar cada um dos segredos do jogo. A diferença não está na minha paciência ou falta dela e sim no como.
Algo que eu vejo que se dá pouco valor em Vampire Survivors é como o jogo tem criatividade apesar de uma jogabilidade repetitiva. Ele faz isso criando um pequeno senso de mistério e descoberta. Vejam, o problema que tenho com jogos como o Karate Survivor é que o desbloqueio do conteúdo é algo muito mecânico, engessado, sem graça. É só você derrotar 75 inimigos com dano perfurante e pronto, está aqui mais um golpe para sua coleção. Ou Slime 3K: Rise Against Despot que é só acumular essa quantidade de pontos e você mais uma arma nova para o seu deck.
Ainda existe isso em Vampire Survivors, porém não é APENAS isso. Peguemos, por exemplo, como você libera o personagem do missingN▯, uma referência ao clássico MissingNo. de Pokémon. Para isso você tem que ir no estágio de Green Acres com o Hyper Mode e o Hurry Mode ligados e então correr na diagonal até uma certa parte do mapa. De repente ocorrem vários glitches gráficos e parece que a fase quebrou. Então surgem vários inimigos diferentes por todos os lados e caso você consiga derrotar 128 deles você recebe o personagem. Isso faz parecer que há muito mais no universo de Vampire Survivors do que ficar apenas sobrevivendo a hordas e mais hordas de monstros por 20 minutos.
Isso, para mim, é outro problema. Não se pensou o desafio desses survivors-like para além da, bem, sobrevivência. 20 Minutos Till Dawn tem 15 níveis diferentes de dificuldade que, honestamente, não fazem grandes diferenças assim. Porque tudo que eles fazem é mexer em alguns modificadores de uma partida. Os inimigos ficam um pouco mais fortes, respawnam com mais frequência, você recebe menos experiência, têm menos opções de escolha ao passar de nível, etc. Algo que vai enjoando rápido.
Agora você olha para Vampire Survivors e vê coisas como a fase The Bone Zone. A princípio você acha que é um mapa como qualquer outro, porém ele tem um desafio extra que é um chefão especial, o Sketamari, que fica na parte debaixo da fase. O Sketamari é uma bola enorme de ossos que cresce conforme absorve mais inimigos, então você precisa derrotá-lo o mais rápido possível antes que o tempo da fase termine. Ou então Boss Rash que você enfrenta vários chefões de outras fases numa arena fechada e ainda tem que ficar desviando de uma manada que spawna de tempos em tempos. Coisas muito diferentes do que apenas ter outro mapa com uma temática diferente, mas que funciona da mesma forma que o anterior.
Os outros jogos mal se prestam a fazer algo do tipo. O Karate Survivor tem até umas side quests que pipocam aleatoriamente durante as fases, porém nada que as deixe mais instigantes. É somente repetir a mesma dinâmica em todas as fases e deixar a gameplay girar em torno de uma única gimmick. O saldo final acaba sendo:
KARATE SURVIVOR DIVERTE, MAS…
…cansa!
É mais um jogo que aposta no seguro e evidentemente será bem recepcionado. Todos os jogos que eu citei aqui foram, até mesmo Brotato que para mim é o mais sem-graça dos survivors-like que eu joguei. Os jogos tem essa zona de diversão garantida, porém eu já estou ficando farto disso. Até hoje não consegui ter a mesma reação que tive com Vampire Survivors porque não me parece nenhum dos jogos que testei se empenham de fato para construir uma nova experiência.
Claro que tenho a consciência que nem mesmo arranhei a superfície desse novo subgênero. Não faço ideia das pérolas que existem por lá. Bom, na verdade sim. Há um tempo eu esbarrei com Death Must Die, por enquanto em early access, e tudo que vi do jogo me faz crer que quando ele estiver completo será um competidor de peso para Vampire Survivors. Talvez existam aí outros jogos esperando que eu os encontre (e que um amigo me dê de presente, porque eu não vou arriscar meu dinheiro nessas coisas).Eu só gostaria de ver um novo “argumento de venda” que não fosse uma gimmick diferente. Já tive isso com Dino Survivors, com 20 Minutes Till Dawn, com Slime 3K: Rise Against Despot e agora tive com Karate Survivor. Já não é o bastante!
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