Dificuldade foi um tema que ficou em alta na bolha gamer nas últimas semanas e não de um jeito positivo. Como sou abutre de treta, aproveitei para fazer não só um, mas sim dois BOs da Semana sobre o tema. Então para pedir música no Fantástico resolvi fazer um terceiro texto. Porém não queria repetir Dark Souls como exemplo e muito menos fazer outro BO. Aliás, provavelmente essa semana não vai ter algo desse quadro porque tenho outras coisas para escrever. Pois bem, me lembrei que eu já tive um perfil no Medium e fui dar uma xeretada nele. Lá encontrei um antigo e dolorosamente mal escrito artigo sobre The 7th Saga falando exatamente sobre dificuldade.

Caso o nome não lhe seja familiar, não se preocupe, não é um jogo muito famoso e você não está perdendo muita coisa. Caso conheça e tenha jogado, primeiro meus pêsames. Segundo, você já sabe para onde esse texto irá se encaminhar. Pois bem, como a versão antiga estava cheia de pensamentos desconexos e vários erros gramaticais, não tinha como republicar sem dar uma boa revisada. Quando comecei a fazer isso, vi que o artigo estava ficando tão diferente da sua primeira versão que resolvi recomeçar do zero. Portanto acabei por transformá-lo num texto para a minha série de Game Cuts que já tem um tempo que eu não escrevo.

Então vamos ao tema: jogos difíceis! Esse é um tópico que tem amaldiçoado a bolha gamer com suas diversas discussões cíclicas que pleonasticamente não chegam a lugar algum.

Mas não é como se a gente só passou a falar de dificuldade hoje em dia. Ela sempre foi pauta das conversas dentro dessa comunidade. Pros mais velhos principalmente, alguns vão lembrar que nos anos 80 e 90 usava-se muito o termo nintendo hard. Ele fazia referência a histórica dificuldade dos jogos do Nintendinho, mas nesses casos era tratada de uma maneira mais coloquial, algo como “lembra como aquele jogo era difícil?”

Ghosts and Goblins, conhecido pro ser um dos jogos mais difíceis do NES

Discussões mais aprofundadas sobre o tópico ficavam exclusivas a bolhas menores. Acredito eu que hoje o tema passou a ficar irritante após a ascensão de Dark Souls. Foi daí que o genérico “ser difícil” virou uma identidade muito replicada nos jogos da From Software e aqueles que se inspiraram nele. Sabemos que jogo difícil sempre existiu, contudo Dark Souls criou um mercado nas gerações mais recentes cuja dificuldade tinha um enorme apelo. Isso teve suas consequências, tanto positivas quanto negativas, porém não irei me concentrar nelas senão a introdução vai ficar mais longa do que necessário.

Particularmente eu não gosto de discutir dificuldade. Sobretudo no contexto de Dark Souls! Primeiro porque eu acho um elemento supervalorizado, como se os jogos não tivessem mais nada a oferecer além de serem difíceis. Mas também nesses últimos anos passou a me irritar o exagero com que se fala da dificuldade desses jogos. Tratam como se fosse praticamente impossíveis, quando tudo que você precisa fazer é entender a dinâmica do combate que suas chances de sobrevivência crescem em muito.

Mas nesse contexto, existe também The 7th Saga, que para reviver um meme antigo, já foi o “Dark Souls dos jogos de RPG por turnos”. Acho que vale a pena a dar uma olhada mais a fundo na sua dificuldade. Considerada por aqueles que a conhecem como muito injusta, por motivos que irei esclarecer mais a frente, em The 7th Saga ela importa demais para ter uma experiência que seja, mesmo que infamemente, memorável.

UMA REVISÃO RÁPIDA SOBRE THE 7TH SAGA

Capa do RPG The 7th Saga infamemente conhecido pela sua localização americana muito difícil
Elnard pros íntimos

Geralmente nos textos de Game Cuts eu não falo do jogo no seu aspecto geral porque a ideia é focar num único elemento. Mas hoje acho que será fundamental entendê-lo como um todo antes de focarmos exclusivamente na dificuldade.

Conhecido no Japão como Elnard, esse foi um pequeno RPG noventista baseado em turnos do Super Nintendo. É uma produção do extinto estúdio Produce! publicada por ninguém menos que a Square Enix, na época apenas Enix. Na sua localização americana Elnard recebeu o título de The 7th Saga e está longe de ser um jogo famoso. Contudo em alguns cantos da comunidade gamer ele conseguiu ser infame.

Tanto a história quanto o universo de Ticondera não chegam a ser grandes coisas se você está acostumado com RPGs antigos. Você escolhe um dentre os sete guerreiros recrutados pelo Rei Lemele para encontrar as 7 runas que milênios atrás o lendário herói Saro utilizou para derrotar uma entidade maligna chamada Gorsia. Existe uns plot twists com um uso não muito coerente de viagem no tempo como dispositivo de enredo que até agita a segunda metade da história, mas poderia ser melhor executado. Os visuais também não ajudam muito a deixar esse universo mais interessante. O mapa-múndi é em essência um deserto gigante muito sem-sal que faz todo lugar parecer o mesmo.

Acho válido destacar que já vi alguns comentários dizendo que o motivo da narrativa de The 7th Saga não ser das melhores é por conta da tradução que removeu boa parte do seu charme original. Não posso confirmar essa informação porque não existe chance de eu aprender japonês nessa vida. Também não vejo diferença já que o público majoritário vai jogar a versão americana, então pouco importa o texto japonês.

Nem parece que esse jogo é combustível para pesadelos

Apesar de uma história fraca, The 7th Saga tem umas boas particularidades na sua jogabilidade. Não nas dungeons que também são qualquer coisa, mas sim no sistema de combate. O que inclui até mesmo a forma como as lutas se iniciam. No começo do jogo você ganha uma bola de cristal do Rei Lemele. Ela serve como radar para as runas e também para monstros. Então, em vez dos tradicionais encontros aleatórios, todos os inimigos estão andando pelo mapa porém você não pode vê-los. Mesmo se você ficar parado, eventualmente um deles irá encostar em você. Achei interessante porque adiciona uma nova camada de capacidade de sobrevivência para o jogador pois, ainda que os monstros sejam mais rápidos, você tem chances de desviar deles.

Indo para dentro das lutas, as runas encontradas podem ser utilizadas para te ajudar em batalha, dando um incentivo além do narrativo para reuni-las. Outro detalhe é como The 7th Saga dá uma utilidade maior para o comando de defesa. Quando você escolhe essa opção, além de receber menos dano, no turno seguinte seu personagem dá um golpe mais poderoso. Isso vem muito a calhar nas lutas com chefões.

Mas dentre todos os aspectos da gameplay, o que mais me interessou em The 7th Saga foi o sistema de rivalidade.

Esuna enfrentando Wilme em The 7th Saga

Ao longo da primeira parte da história você encontra os outros guerreiros andando pelas cidades. Isso tem uma camada narrativa, pois fortalece a ideia que vocês todos estão competindo para ver quem consegue reunir todas as runas primeiro. Mas, assim como as runas em si, também adicionam uma nova camada dentro da jogabilidade. A interação com esses personagens pode levar a três caminhos: um diálogo aleatório, uma proposta de aliança – que você só pode fazer com um deles por vez – ou então um desafio para um duelo.

Cada personagem tem atributos e estilos de luta próprios, então você pode usar as alianças para compensar por algum ponto fraco que o seu tenha. Já os duelos não carregam muitos riscos a princípio, porém conforme você adquire runas elas podem ser perdidas neles. Sendo assim, você é obrigado a encontrar seu rival novamente e desafiá-lo para reaver a sua runa. Conforme você fica mais forte, seus rivais também passam de nível, assim o duelo está sempre acirrado.

Esse para mim seria um aspecto que o jogo poderia compensar muito pela história desinteressante. E uso o futuro do pretérito nessa frase porque, apesar de boas particularidades, The 7th Saga tem um grande problema na sua gameplay que é torna o jogo tão frustrante. Enfim, falaremos sobre a dificuldade!

COMO THE 7TH SAGA FOI TRANSFORMADO NUM JOGO DIFÍCIL

Batalha com um grupo de três monstros em The 7th Saga, um dos RPGs mais difíceis do Super Nintendo
Aquele bicho verde ali vai desgraçar a sua vida!

Então, se você é um dos que conhece o jogo você sabe que ele tem a fama de ser um dos RPGs mais difíceis do Super Nintendo. E isso não é nenhum exagero. Se você não fizer um grind pesado, você é eliminado com facilidade até pelos monstros comuns. Mais ainda se não tiver um companheiro para nivelar, e bem pouco, o combate. Chefões então, vários conseguem fazer uma one-hit kill no seu personagem se você não tiver se preparado o bastante.

Isso se estende por todo o jogo. Quando você pensa que está seguro surge um bicho maldito que tira 70% do seu HP com um único golpe. Se tiver um segundo dele no squad pode iniciar suas preces. Ao rejogá-lo anos atrás, teve lutas contra monstros normais que eu fiquei cerca de dez minutos preso nelas. Novamente, não é um exagero! Tudo porque os inimigos conseguiam aguentar tanta porrada que quando eu finalmente matava um, antes de derrotar o seguinte o monstro revivia aquele que eu acabara de matar. Ou então acontecia de eu ter que gastar um turno revivendo ou o personagem principal ou o acompanhante, o que dava mais tempo para os inimigos se curarem ou reviver um dos seus também.

Só que há um porém nessa história. The 7th Saga não era para ser um jogo difícil. A versão japonesa, Elnard, é absurdamente mais fácil do que a americana. Acontece que a equipe de localização do jogo não mexeu apenas no texto, eles fizeram mudanças nos atributos de alguns monstros e personagens. Esse foi um aumento intencional na dificuldade para tentar estender a duração de jogo. Por consequência, o resultado foi um desbalanceamento severo nas lutas, que piorou com o fato deles também removerem um bônus que seus personagens deveriam ganhar.

Essa parte é importante então explicarei melhor: cada vez que você passa de nível seus atributos aumentam aleatoriamente dentro de um intervalo. Por exemplo, sua força pode subir entre 3-5 pontos por nível, a defesa 4-6, o HP 7-9 e por aí vai. Acontece que a cada 10 níveis os limites deveriam subir um ponto. Ou seja, se do nível 1 ao 10 determinado atributo crescia dentro do intervalo 3-5, a partir do nível 11 ele passa a crescer dentro do intervalo 4-6 e no 21 será 5-7. Assim sucessivamente de forma que a evolução do seu personagem vai dando saltos cada vez maiores até o final do jogo.

Na versão americana tiraram esse bônus de forma que seu personagem vai sempre crescer dentro daquele intervalo inicial. Pode não parece muita coisa sem fazer a matemática, mas quando você está na prática você sente essa diferença. Para ilustrar irei mostrar umas imagens que encontrei num velho blog de jogos em que o autor jogou ambas as versões:

Notem que a força desse personagem é duas vezes maior na versão original, quase o mesmo para a defesa. Agora imagina o problema que isso causa quando seu personagem tem metade da força que ele deveria ter e os monstros tem quantidades de vida e defesa maiores?

Se isso não bastasse, adivinhem o que a versão americana fez também? Isso, ela manteve o bônus nos seus personagens rivais! Ou seja, como eles avançam de nível na mesma proporção que você, eles ficam com diferenças de atributos cada vez maiores que as suas por terem o bônus de aumenta. Dessa forma, quando você já está lá pelos níveis 40-50 é praticamente impossível derrotá-los num duelo. É uma força tão desigual que a única forma de vencer é dando sorte de dar um golpe crítico que tire 75% ou mais de HP deles. Assumindo que eles não tem formas de se curar. Eu enfatizo o quanto você tem que dar sorte pra isso acontecer, porque não só você precisa acertar um golpe crítico como também tem que torcer pro rival não estar defendendo ou conseguir desviar.

Mas aí você pode pensar: ora, é só não interagir com eles e lutar apenas contra os monstros, certo? Sim, isso seria uma solução válida… SE O JOGO NÃO TE OBRIGASSE A ENTRAR EM DUELOS! Isso ocorre, se não me engano, em duas partes. Uma quando um dos rivais encontra uma runa, resolve usá-la para dominar o mundo e você precisa dar um fim nele. Como isso acontece mais no começo do jogo, as suas chances de vencer ainda são boas porque nesse ponto a diferença de atributos ainda não é astronômica. Porém na segunda vez…

O jogo não é totalmente linear. Porém tem uma runa, a Sky Rune, que geralmente é uma das últimas que os jogadores encontram. Se você demorar para achar o local onde ela estava, um dos seus rivais já pode tê-la pego no momento que você chegar lá. Ou seja, a única forma de consegui-la é derrotando-o num duelo. Dependendo do seu nível, já pode ser virtualmente impossível conseguir a vitória. Aqui é provável que você tenha que recorrer a uma conhecida “trapaça” que muitos jogadores usam para vencer os duelos:

Como são duelos, então é apenas o seu personagem principal contra o rival. Porém existe uma forma de burlar isso que é deixar o personagem morrer numa batalha qualquer. Com isso, os duelos iniciarão com seu companheiro lutando no seu lugar. A malandragem é que caso ele tenha a magia de reviver, você pode ressuscitar o personagem principal no meio da luta e assim ficam dois contra um.

Podemos ver que The 7th Saga realmente é difícil. Injustamente difícil. Por isso que muitos abandonaram o jogo pela metade pela falta de paciência para fazer grind ou então porque não conseguiam derrotar seus rivais de jeito nenhum. Mas graças a comunidade de rom hacking hoje dá para contornar isso. Existe um patch que retorna os atributos para os valores do original, além de reestabelecer o bônus que eu descrevi.

E infelizmente isso torna o jogo ainda mais esquecível do que ele já é!

PORQUE A DIFICULDADE DESSE JOGO IMPORTA

Último chefão de The 7th Saga
Complicado, porém satisfatório

Depois de muito sofrimento, eu eventualmente consegui zerar a versão americana de The 7th Saga. Precisei recorrer a trapaça para vencer o duelo e quase enlouqueci na segunda metade do jogo onde seu personagem volta a ficar sozinho. Mas com bastante esforço, e falta de amor-próprio, eu cheguei ao final.

Um tempo depois eu resolvi fazer uma segunda playthrough, porém dessa vez armado com esse patch que acabei de mencionar. Minha intenção era confirmar se de fato as mudanças na versão americana tinham deixado o jogo original tão difícil assim. E, bom, é isso mesmo. É absurdo o quão mais fácil The 7th Saga se torna quando os monstros voltam aos seus atributos originais além de poder contar com bônus supracitado. Chefões que eu tinha penado para derrotar no início do jogo eram eliminados em pouquíssimos combos de Defesa + Ataque. Se eu não me engano teve um que eu quase cheguei a dar uma one-hit kill junto com um buff de força. Até mesmo os duelos não eram mais aquela dor de cabeça em que eu dependia muito mais da sorte do que qualquer outra coisa para vencer.

Lugares que levei algumas horas para chegar, por conta do grind para conseguir sobreviver a viagem de uma cidade a outra, eu alcancei numa questão de minutos. Eu até mesmo abdiquei de levar um companheiro comigo só para ter um pouquinho mais de desafio. Foi aí que saí do jogo, deletei a ROM e nunca mais voltei nele. Não fui além do primeiro duelo scriptado porque a luta foi tão ridiculamente fácil que eu me peguei tendo uma certa nostalgia dos perrengues que passei na versão americana.

Isso aconteceu porque, fora a dificuldade, não havia qualquer outra coisa dentro de The 7th Saga que eu achava remotamente interessante. A história, como já falei, não tem nada de muito relevante e toda a questão de viagem no tempo só te faz questionar mais a narrativa do que achá-la envolvente. O mundo de Ticondera também não é dos mais legais de se desbravar já que essas dungeons não tem nada demais em questão de design. O apelo delas na versão americana era a tensão que havia por você poder ser destroçado até mesmo por monstros comuns, coisa que se perde no original e você só fica percorrendo corredores vazios, sem personalidade ou desafio.

Foi nesse momento que percebi que por mais injusta e de arrancar os cabelos era a dificuldade de The 7th Saga, ao menos ela era instigante. A vontade de zerar o jogo não era nem para saber a conclusão da história e sim para não se dar por vencido. Em parte é o mesmo sentimento que me levou a zerar todos os Dark Souls, porém esses jogos ainda tinham o benefício de ter um universo no qual eu estava investido e adorava explorar seus mistérios. Mesmo que houvesse um “modo fácil” que deixasse o jogo sem qualquer desafio, eu ainda teria esse elemento da exploração para me manter engajado nele.

Infelizmente The 7th Saga não conta com essa qualidade. No final é apenas o fato dele ser difícil que chega a importar algo.


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