A maldição das adaptações de jogos não existe há mais de 25 anos

Recentemente tivemos o lançamento da tão aguarda série da HBO que irá adaptar o grande sucesso dos vídeo games, The Last of Us. Ao que parece, o primeiro episódio já foi muito bem recepcionado pela crítica, fãs e a audiência em geral. Sendo assim há bastante otimismo que essa série será potencialmente um sucesso. E com isso já está rolando alguns comentários de como The Last of Us vai acabar com a famigerada “maldição das adaptações de jogos” que assombra gamers a décadas.

Para quem não está inserido nesse contexto, desde os anos 90 que tentam emplacar adaptações de alguns dos títulos mais populares do mundo dos jogos. Em sua maioria sem sucesso. Eu falo bastante disso naquele meu longuíssimo texto de Fatal Frame: The Movie, citando os exemplos dos filmes de Super Mario Bros e Double Dragon que saíram naquela época. Mas há muitos outros exemplos de adaptações desastrosas de franquias populares como os filmes de Resident Evil do Paul W. S. Anderson, as duas tentativas falhas de filmes de Silent Hill, as produções que eu chego a considerar criminosas do Uwe Boll, e por aí vai. Então se criou essa piada sobre como parecia que as adaptações de jogos estavam fadadas ao fracasso.

Mas olha, não é bem assim.

Para contestar esses comentários de pessoas que estão atribuindo a The Last of Us o mérito de acabar com a maldição, já citaram os filmes de Detetive Pikachu e Sonic. No geral, as pessoas consideram boas adaptações dos seus originais. Contudo essa é uma parte nebulosa porque ainda é bem discutível a tal qualidade desses filmes. Eu particularmente não gosto de Sonic e só deixo ele passar porque o histórico não era dos melhores.

Mas aí temos um exemplo muito melhor, que inclusive tem um texto aqui no Backlogger, que é a série animada de Arcane. Lançada em 2021 adaptando o lore de League of Legends, a série foi um grande sucesso também com ambas a crítica e audiência e estamos todos aqui aguardando o anúncio da segunda temporada. E embora eu tenha mencionado isso numa piada ali no meu Twitter, a verdade é que nem Arcane tem esse mérito de acabar com a maldição.

Isso porque a tal maldição não existe há mais de 25 anos! Ela já foi quebrada há tempos por ninguém menos que um garoto vestido de pijamas e um rato elétrico.

O desenho que veio ao ar em 1997 é uma das primeiras adaptações de jogos feita que podemos dizer com tranquilidade que tinha sua qualidade. Muitos até poderão argumentar que esse é só um desenho infantil para fazer propaganda dos jogos. Ao que eu responderia, e daí? Não muda o fato que Pokémon foi uma boa adaptação do material original para um novo formato de mídia. E que executou a ideia perfeitamente para o se público-alvo. Não é a toa que 26 anos depois o desenho continua em produção, embora a qualidade pode e deve ser questionada, e continua reunindo novos fãs da franquia.

E assim, se formos olhar possivelmente haverá exemplos até antes de Pokémon. O problema é que existem dois fatores que eu estou vendo se manifestar muito agora em takes horríveis na internet.

O primeiro fator é como a gente tem uma visão de cultura popular muito ocidentalizada, por vezes limitadas apenas a produções americanas. Enquanto lá do outro lado do mundo, especialmente no Japão, você tem um extenso história de adaptações de jogos principalmente na mídia das animações. As visual novels, por exemplo, continuamente recebem adaptações nos formatos de séries animadas. Ainda que eu não faça parte desse nicho, consigo pensar em exemplos como Steins;Gate, que tem uma adaptação de 2011. Ou então Fate/stay night: Unlimited Blade Works, de 2014, que é uma das várias adaptações existentes da sua franquia de visual novels. Podemos falar aqui também de Digimon e uma centenas de OVAs produzidas há décadas.

Dá até para ir antes de Pokémon porque em 1989 surgiu o mangá The Adventure of Dai que se inspira nos jogos de Dragon Quest. Exemplos para adaptações de jogos é o que não falta e são quase tão antigos quanto a própria mídia.

Claro que nem todas as adaptações tem sua qualidade assegurada, porém fato é que há anos que existem boas adaptações de jogos por aí. E nisso que entramos no outro fator que eu vejo ser o que mais pega em relação ao tema. Animação ainda sofre um grande preconceito de várias pessoas e por vezes ela não é considerada uma mídia séria como as versões em live action. Agora mesmo eu já perdi as contas da ginástica mental que estão fazendo para dizer que The Last of Us é a primeira adaptação live action de sucesso de um jogo só para não dar o mérito a séries animadas que vieram muito antes disso.

O que é uma tremenda bobeira. The Last of Us, a série da HBO, não vai ficar nem melhor nem pior por ter ser “a primeira boa adaptação live action de um jogo”. Coisa que ela nem é! Detetive Pikachu também é live action, e apesar de ter problemas com o roteiro na segunda metade da história, continua um bom filme. E não é porque ele é feito para um público infantil que isso torna menor o seu feito.

A maldição não foi quebrada. A maldição já estava quebrada há muito tempo! Não precisa ficar retorcendo argumento pra dar algum mérito maior a The Last of Us, o fato de ser uma série boa já é mais que suficiente. Mas se quer realmente conceder o título de quebrador de maldições, existe uma longa lista de animações logo atrás de vocês esperando o reconhecimento que vocês ignoram só porque é desenho.

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