Depois de uma espera de três anos, neste novembro finalmente chegou a tão aguardada segunda temporada de Arcane (2024), série baseada no universo e personagens de um jogo que não importa. Como eu gostei bastante da animação, dessa vez eu decidi não enrolar e peguei para ver todos os episódios no lançamento. Mais ou menos. Sabendo que sairiam semanalmente de três em três, como em 2021, eu vi o primeiro ato e depois deixei acumular os outros dois para maratonar tudo de uma vez. Foram bons episódios, tão bons que enquanto assistia eu até esqueci que não haveria outra temporada.
Os eventos da segunda temporada continuam exatamente de onde a primeira parou, após o atentado da Jinx contra o Conselho que resultou na morte de alguns dos membros, incluindo a mãe de Caitlyn. Com isso aumentam as tensões entre Zaun e Piltover e o medo de uma guerra civil torna-se uma constante. Vi e Caitlyn se unem para rastrear Jinx que se torna a inimiga número #1 de Piltover e um símbolo para a população da cidade baixa.
Isso serve como uma sinopse do Ato I, porque nos dois seguintes temos desdobramentos que fogem dos temas das lutas de classe e desigualdade que marcaram tão bem a primeira temporada. Não é um problema per se, até porque sabíamos que em algum momento a série teria que seguir por uma linha mais épica e fantástica. A questão é que a progressão desses eventos não ocorre com a mesma cadência da temporada de 2021 anterior, de forma que fica a impressão que deveria haver mais alguns episódios, ou toda uma nova temporada, antes da batalha final. Porém estou me apressando (igual a série).
Começando pelos elogios, Arcane (2024) é uma animação fenomenal e falo isso na parte artística mesma. A Fortiche fez outro trabalho incrível, incorporando vários estilos e técnicas de animação que criam muitas sequências memoráveis. Não tenho a menor dúvida que ela fará muitos profissionais e entusiastas da área ficarem com os olhos brilhando. Além disso, é uma série muito divertida. Não no sentido de engraçada, mas sim que é muito gostosa de assistir e você nem mesmo vê o tempo passar. Eu maratonei seis episódios numa manhã de domingo, iniciando um após o outros sem nunca me sentir exausto.
Porém esse sentimento mudou quando eu cheguei nos dois últimos e a súbita consciência do fim da série, não apenas da temporada, me fez pensar: mas já?! Com isso eu acabei chegando à conclusão que a segunda temporada, embora muito boa, correu muito!
Se você procurar alguns comentários na internet sobre a série, verá que tem muita gente batendo na tecla que essa temporada parece apressada. “Mas como assim?”, pensarão alguns, “Foram três anos de produção!”. Sim, mas não tem nada a ver com o aspecto técnico da animação. Como eu disse, desse ponto de vista Arcane (2024) é impecável. Essa pressa aparece quando a gente olha para a progressão dos eventos e as viradas do roteiro. Parece que está tudo em ordem, os desfechos não vem do nada, você entende várias das decisões e mudanças dos personagens. Entretanto fica a sensação que deveria ter mais. Mais tempo!
Para mim isso ficou muito forte no último ato, especialmente a partir do penúltimo episódio, que ele deveria ser a sua própria temporada. É como se os roteiristas tivessem elencado todos os pontos que a história precisava cobrir e estavam dividindo-as nas suas respectivas temporadas quando um produtor entrou correndo na sala e avisou que eles só tinham uma temporada para finalizar tudo. Até é um pouco compreensível, dado que divulgaram que o custo para a produção da série foi de 250 milhões de dólares, mas não significa que dá para a gente relevar o resultado. Então tiveram que cortar aqui, emendar ali, juntar acolá, tentando salvar o máximo possível do que planejaram inicialmente.
Algo que fez a primeira temporada de Arcane funcionar era a noção que havia muito mais coisa por vir. Havia um planejamento, ou pelo menos aparentava que havia um. Os personagens estavam perfeitamente posicionados num tabuleiro, cada um nos seus respectivos lados, para a grande partida que se iria se desenrolar naS temporadaS seguinteS. Ao menos era o que eu pensava. Na minha cabeça a série se expandiria por três temporadas no mínimo e eu estava disposto a aguardar mais dois ou três anos para chegar a essa conclusão.
Quando Arcane (2024) começa ainda existe essa impressão que a série vai deixar cada evento desenrolar no seu tempo apropriado. A temporada anterior deu vários vislumbres que um conflito estava prestes a estourar entre Piltover e Zaun e o Ato I se centra nisso. Ficamos apreensivos, esperando o momento que as sirenes irão tocar e as ruas se encherão de caos, revolta, violência sangue. Isso fica muito simbolizado na Caitlyn que a tínhamos como uma pessoa equilibrada tentando manter a paz e então a vemos nutriz um ódio profundo pela Jinx depois da morte da sua mãe. Esse ódio é utilizado por Ambessa, que vê nele uma forma de atingir seus próprios objetivos com Piltover a a Hextech.
Terminei o Ato I empolgado com o que estava por vir, porque o terceiro episódio termina de uma forma maravilhosamente tensa. Caitlyn completamente cega pelo ódio, a ponto que até mesmo Vi não consegue mais ficar com ela, assume o controle da cidade e dá indícios que está disposta a usar toda força possível para capturar Jinx e reprimir os insurgentes de Zaun. E então nós vemos toda essa descida moral da personagem… numa montagem! Eu queria estar brincando, porém toda a repressão do regime de Caitlyn passa rapidamente nos primeiros minutos do quarto episódio e, tão rápido quanto começou, nós terminamos vendo a personagem já questionando suas decisões. Você vê pelo olhar da personagem que ela já não está mais segura das suas ações e quer voltar atrás. Toda a transformação que aconteceu no arco interior já começa a ruir no instante seguinte.
Não é que isso não seja condizente com o que foi estabelecido para Caitlyn. Se pegarmos tudo que vimos dela na temporada anterior, ela ter uma crise de consciência é completamente justificado. Contudo, da forma que foi executado, fica parecendo um atalho narrativo e infelizmente esse não é o único que a série toma. Por mais de uma vez Arcane (2024) recorre a montagens para jogar muita informação que sabe que não terá tempo o bastante para desenvolver. O resultado é que muitas viradas da trama, sobretudo relacionadas às escolhas de personagens, parecem um pouco forçadas. Não porque elas não tenham sentido, mas porque não se deu espaço o bastante para essa linha narrativa se desenvolver.
Vou dar um exemplo bem simples sem spoilar nada. Em determinado episódio é introduzido de supetão um relacionamento. Nos episódios seguintes ele some da série, retornando apenas no meio de uma única linha de diálogo mais a frente. Porém não dá para dizer que não há repercussão nesse relacionamento, porque depois ele serve para uma reviravolta de “Até tu, Brutus, meu filho?”. Deveria ser um momento impactante, mas como a gente teve muito pouco tempo vendo essas personagens interagindo a traição não funciona como deveria. Ela se reduz a um choque momentâneo e nada mais que isso.
Viktor é mais uma vítima das circunstâncias da produção apressada de Arcane (2024). O desdobramento inicial dele é bem interessante. A divergência entre ele e Jayce sobre a Hextech aumenta e Viktor abandona sua posição de um cientista habilidoso para adotar o manto de uma figura messiânica. O momento que vemos ele curar o que viria a ser seu primeiro seguidor é lindo. Mas aí ele some da tela por um tempo e quando volta já tem todo um séquito ao seu redor. Sendo justo, de todos os atalhos que a série toma esse é o que é mais fácil de se perdoar. O difícil de perdoar é a mudança da mentalidade do personagem que acontece de um episódio para o outro. Óbvio que existe um evento no meio deles que vai servir de justificativa para a mudança, mas novamente o problema aqui é que tudo acontece rápido demais.
Isso também traz outra questão da narrativa de Arcane (2024) que é mostrar primeiro, explicar depois. E não no sentido do “show, don’t tell” que estamos acostumados. No final do Ato I, Jayce, Ekko e Heimerdinger entram em contato com a anomalia que a Hextech produziu e são enviados para outra realidade. Jayce é o primeiro a reaparecer no episódio cinco, tão transtornado que ele nem mesmo hesita em matar uma pessoa a sangue-frio. Nós ficamos em choque, perguntando o que diabos houve com ele e isso só vem a ser explicado no episódio sete. Tudo bem, serve para criar um mistério instigante, mas porque a série está correndo por um tempo fica a impressão que é mais uma das mudanças apressadas do roteiro.
Isso é muito perceptível a partir do Ato II e se intensifica no Ato III. Pode até ficar uma impressão que a série deixou algumas pontas soltas, mas eu prefiro dizer que faltou corda. Porque tem núcleos demais nessa história para se resolver em nove episódios. Você tem Jinx e Vi, Vi e Caitlyn, Ambessa e Mel, Jayce e Viktor, Ekko e Jinx, Jinx e Isha, Reveck (Singed) e sua filha.
Algumas resoluções são plenamente satisfatórias, como o caso das irmãs Vi e Jinx. Porém isso já era esperado, afinal desde a temporada anterior que elas representam a âncora emocional que mantém a série no lugar. Outras resoluções acabam por se beneficiar da sua associação a essas duas. O melhor episódio de Arcane (2024) para mim é de longe o sétimo, “Fingir que é a primeira vez”. Primeiro porque é aqui que temos as respostas do que aconteceu com o Jayce, mas ainda melhor é o foco que se dá no Ekko e seus sentimentos em relação a Jinx. É um episódio tão bom que eu estou quase parando de escrever esta crítica para revê-lo.
Porém tem também aquelas outras resoluções…
Quem assistiu a série já deve ter reparado que eu ainda não mencionei a Rosa Negra e isso foi intencional. É para representar o mesmo tratamento que Arcane (2024) dá a essa aparente sociedade secreta arcana, jogando no meio da história sem muita explicação e exigindo que a audiência apenas passe a aceitá-la como parte desse universo. “Ah mas é que no jogo…”, não importa. A série deveria falar por si só e adição da Rosa Negra é somente mais um atalho para explicar as motivações de Ambessa e criar um novo desenvolvimento para a personagem da Mel.
Outra consequência da pressa é que ela acaba desperdiçando as melhores partes da temporada e dos episódios anteriores. Toda aquela construção de um potencial conflito entre Zaun e Piltover é jogada no lixo para ficarmos com a previsível adição de um inimigo em comum para unir os povos. Enquanto isso, a ideia de transformar a Jinx num símbolo de resistência, uma heroína para as comunidades da cidade baixa serve a propósito nenhum. A série chuta para escanteio uma vez que Hextech e Ambessa tomam o centro da narrativa no Ato II pra frente. Sabíamos que eventualmente esse deveria se tornar o centro da trama, mas isso ocorre enquanto outras peças ainda estão se movendo no tabuleiro.
Quisera eu que fosse uma série ruim, porque seria muito mais fácil criticá-la. Mas é justamente o contrário e isso que me frustra. Tem tanta coisa boa, cenas maravilhosas do ponto de vista da animação e do ponto de vista emocional também. Em alguns momentos eu fiquei comovido, em outros eu fiquei empolgado. Ao mesmo tempo, teve aqueles que eu fiquei olhando para tela balançando a cabeça e pensando que deveriam ter esperado um pouquinho mais. Só um pouquinho. Porém esse pouquinho custaria algumas centenas de milhões a mais.
Arcane é uma boa série, uma animação fantástica, um deleite para fãs do jogo que não importa e de entusiastas da arte da animação. Tenho certeza que a maioria não vai se arrepender. Eu, apesar de todas essas ressalvas que coloquei no texto, não me arrependi. Só que deveria muito haver uma terceira temporada!
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