Novamente preciso reforçar que o Backlogger NÃO está virando um blog de RPG Maker! Esse texto era para sair depois de um que estou escrevendo sobre terror folclórico. Entretanto vai demorar um pouco mais para sair porque decidir assistir umas coisinhas antes.
Logo depois da recente aventura na clássica trilogia de Legion Saga – e uma rant por conta de um tweet envolvendo RPG por turnos – me peguei pensando bastante battle design. No texto de Legion Saga eu menciono como a cada jogo o Kamau, apelido do desenvolvedor desses jogos, tentou de alguma forma dar uma personalidade diferente para as batalhas.
Em Legion Saga I você tem uma batalha frontal no estilo dos primeiros Dragon Quest que não foge do tradicional do RPG Maker 2k. E por mais que eu ache o jogo bem legalzinho, admito que não existe nada remotamente memorável nas batalhas. Entrando no Legion Saga II, o sistema de magias depende de orbes que os personagens equipam e também há uma mudança nas animações de ataque para você ver o personagem realizando o golpe. Por fim, no Legion Saga III há pequenos reajustas nas orbes e o Kamau muda as animações para criar a ilusão da vista lateral aos moldes de Final Fantasy.
Todas esses retoques dão algum diferencial para o sistema de batalha, mas verdade seja dita as lutas continuam nada memoráveis. O Kamau até adiciona umas particularidades nuns chefões, porém é a parte visual que se sobressai. Pode-se argumentar que esse era um problema da própria engine que limitava muito o que se podia fazer nela. Mas esses dias eu encontrei um exemplo que desbanca essa teoria com tranquilidade: Ariela.
QUEM É ARIELA?
Ariela é um pequeno RPG feito pelo Mogezilla também no RPG Maker 2k. Quando eu falo pequeno não é eufemismo. É um jogo curtíssimo que não deve ter mais do que uma hora de duração porque Ariela não foi pensada para ser um jogo completo tal como um Legion Saga. O Mogezilla fez esse projeto para participar da game jam de canal Farmando XP que ocorreu entre 31 de março e 03 de abril.
>>> Ariela está disponível gratuitamente aqui <<<
Sinopse: A guerreira Ariela é convocada pelo rei de Astheria, região assombrada por um eclipse lunar interminável. É dito pelo Grande Oráculo que esse estranho fenômeno faz parte de uma profecia sobre a destruição da humanidade, espalhando medo pela população. Para evitar que essa profecia se concretize, Ariela segue em rumo às ruínas do templo de Yardrath onde o fenômeno parece se originar.
Tendo poucos dias para entregar o jogo, o Mogezilla não podia investir muito tempo em mecânicas elaboradas e muito menos na história. Portanto o que a gente tem aqui é um roteiro conciso que vai direto ao ponto. Só tem uma única dungeon – muito bem desenhada, por sinal – para se explorar, alguns puzzles triviais e você joga apenas com Ariela. Dessa forma, o jogo também conta com poucas lutas então o Mogezilla decidiu se dedicar a trazer um pouco mais de desafio nessas batalhas para o jogador. Missão dada é missão cumprida.
Por isso que, embora seja um jogo bem pequeno, eu acredito que Ariela nos dá uma aula de como fazer um ótimo battle design para um RPG. O que abre uma oportunidade de falarmos desse tópico na minha série de Game Cuts, já que uma crítica aos moldes de Heart and Soul não faria muito sentido.
BATTLE DESIGN EM RPGS POR TURNOS
Sempre que o assunto é RPG o pessoal fala como a ênfase dos jogos é em narrativa. Mas, se pensarmos bem, a maior parte de um RPG é gastada com lutas. Muitas lutas. Repetidas lutas! Por isso que eu entendo perfeitamente quem não gosta muito dos RPGs baseados por turnos. É uma gameplay que se torna enfadonha até mesmo para quem está acostumada com ela.
Algo que é muito comum de acontecer nesses RPGs é o que eu chamo de “entrar no modo automático”. O jogador se cansa de tantas lutas e passar a apertar o botão de ação várias vezes sem se dar o trabalho de escolher uma opção diferente. Você ataca, ataca e ataca deixando que o primeiro monstro seja selecionado. Até mesmo em alguns chefões isso acaba acontecendo, o máximo que você faz é usar um item ou magia de cura quando necessário.
Por causa disso que considero o battle design tão importante para esse tipo de jogo. RPGs baseados por turnos nunca terão o mesmo dinamismo e interatividade de um RPG de ação. E está tudo bem! A proposta desse formatado é ser mais estratégico. Portanto é necessário pensar em diversos fatores que consigam deixar o jogador engajado nas lutas. O ATB aprimorado de Chrono Trigger é, para mim, um dos melhores exemplos de uma boa execução de battle design.
Para minha surpresa, Ariela se mostrou um exemplo tão bom quanto sobre essa arte do battle design. Dá para extrair ótimas lições do que o Mogezilla fez no seu pequeno jogo e gostaria de comentar com vocês quais são:
LIÇÃO 1: EXPLORE AS FRAQUEZAS DOS INIMIGOS
No primeiro mapa nós já damos de cara com um chefão. Para o meu espanto, ao tentar atacá-lo a protagonista não conseguiu nem ao menos arranhá-lo e em menos de 3 minutos de jogo tomei um game over. Não tenho dúvidas que era essa mesmo a intenção pois, a princípio, não esperamos que o jogo apresentará um desafio maior que a média. Você vem com aquela mentalidade de só atacar e usar item de cura.
Aí que o Mogezilla mostra sua sagacidade.
Em vez dos encontros aleatórios, as lutas iniciam quando o avatar dos monstros encosta na protagonista. No primeiro mapa temos um total de 3 inimigos, os clássicos slimes. Porém para Ariela subir de nível você tem que derrotar 4 deles. Obviamente se eu tivesse aguardado um pouco veria que os monstros respawnam depois de um tempinho e assim teria chegado no nível 2, que era importantíssimo para luta contra o chefão. E por que isso?
É no nível 2 que Ariela aprende uma habilidade chamada Combo I. Além de ser um ataque mais forte, ele tem a chance de causar paralisia nos inimigo, um status negativo que o esse chefão é vulnerável. Não só você consegue paralisá-lo, como isso também diminui sua defesa tornando os ataques normais de Ariela mais efetivos.
Aqui é onde temos os primeiros passos para se ter um bom battle design ao não deixar que lutas se resumam a uma série de ataques. Você precisa criar cenários em que o jogador tenha que explorar as fraquezas dos chefões para conseguir ganhar. Ao que nos leva a segunda lição!
LIÇÃO 2: MAGIAS SÃO ESSENCIAIS
Um dos inimigos comuns é uma armadura viva. Ela possui tanto nível de força quanto de defesa altos. Se você ficar só no ataque, vai gastar alguns itens de cura no processo. Qual a solução? Se usarmos a habilidade de Visão, a gente descobre que a armadura é vulnerável a ataques elétricos. Logo, se você usar um dos golpes especiais da protagonista que a luta fica bem fácil.
Essa parte é uma extensão da lição anterior, mostrando uma forma simples de evitar que entremos no modo automático no meio jogo. As fraquezas contra certos elementos já está na internalizado nos RPGs desde a década de 80. Só que em muitos casos eu vejo elas sendo usadas apenas como um jeito de causar mais dano nos monstros. Nessas lutas em Ariela você tem que usar as magias!
Explorar essas fraquezas contra elementos tem que ser fundamental para conseguir vencer algumas batalhas. Dar mais utilidade para as magias é o que vai impedir o jogador de cair nas ações mecânicas de ataque + ataque + ataque. Isso serve também de ponte para próxima lição que é:
LIÇÃO 3: PENSE ANTES DE ATACAR
Um pouco depois de encontrarmos aquelas armaduras tem a batalha com umcom um novo chefão, o Necromante. É uma luta especial porque ele é o único no jogo que vem acompanhado. Além dele, você enfrenta um grupo de 4 zumbis e uma armadura.
Alguém mais afobado pode escolher a armadura como primeiro alvo já que ela causa muito dano. Porém, se você fazer isso, vai ser atacado por 4 zumbis e o Necromante. Dependendo do seu nível pode ser um turno fatal. Por isso que a sua primeira ação tem que ser eliminar os quatros zumbis. O único ataque em área de Ariela é físico, então a armadura não recebe muito dano. Contudo os zumbis são destruídos na hora aumentando a suas chances de sobreviver. Depois é só eliminar enfim armadura e focar seus esforços no chefão.
Mas espera que ainda tem outro um detalhe. Como vocês devem imaginar pelo nome Necromante, o chefão conjura uma nova horda de zumbis no turno seguinte. Logo você tem que ter certeza que seu MP vai ser suficiente para usar o ataque em área de novo. Ou seja, agora você também tem que se preocupar com o turno seguinte e se preparar antecipadamente. Se sair atacando sem pensar, vai acabar levando uma surra de quatro zumbis.
Próximas lição!
LIÇÃO 4: EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS
No primeiro andar do templo de Yardrath existem dois inimgos especiais: o Efreet do Fogo e o do Gelo. Ambos são invulneráveis a qualquer ataque físico portanto a única forma de causar dano neles é usando magia do elemento oposto. Mas explorar essa fraqueza não é suficiente aqui. Os dois monstros atacam com magias fortíssimas dos seus respectivos elementos. Esse golpes são capazes de derrotar a protagonista num único turno. Logo você tem que se proteger de alguma forma. Para isso você tem que conseguir os medalhões que lhe concedem proteção contra os elementos de fogo e gelo. Como eles você quem passa a ser invulnerável aos ataques do Efreets e pode derrotá-los facilmente.
Assim como o modo automático, outra coisa comum de acontecer nos RPGs é você comprar equipamentos unicamente porque lhe concedem mais força ou defesa. Você nem pensa na utilidade dos efeitos especiais dele. Se a setinha subir é esse equipamento que você usará. Na minha opinião, os jogos deveriam tratar os equipamentos com a mesmo grau de importância das magias, fazendo deles uma necessidade para conseguir derrotar algum monstro.
LIÇÃO 5: FAÇA O JOGADOR PENSAR FORA DA CAIXA
Finalmente chegamos a última lição com o penúltimo chefão: o Cavaleiro Negro. Esse é um personagem que controlado pelo grande vilão do jogo. Essa é uma batalha complicada porque o Cavaleiro Negro além de ser imune a paralisia, também é mais veloz que a protagonista e tem ataque duplo que joga seu HP lá para baixo caso não te derrote de primeira.
Grind não vai te ajudar aqui porque o nível máximo é o 10 e ainda assim o chefão continua sendo mais rápido que você. Então qual é a solução dessa vez? Aqui a gente tem que usar um comando que pro vezes é ignorado nos RPGs por turnos que é a defesa. Se você ficar defendendo vai perceber que depois de dois turnos o Cavaleiro Negro hesita como se momentaneamente o controle mental dele cessasse.
Sabendo que ele não vai te atacar nesse turno, você pode aproveitar para o usar uma outra habilidade que Ariela aprende, o Combo II. Essa habilidade tem a chance de causar confusão, então enquanto o Cavaleiro Negro ataca a si mesmo você consegue ter um turno ou mais, se tiver sorte, para recuperar seu HP e conseguir acertar um ataque.
Isso é outra coisa que eu acho importante para manter o battle design instigante. Nem toda luta precisa ser desse jeito, mas principalmente nos chefões é preciso estimular o jogador a tentar estratégias que até então você não tinha pensado em usar. Isso é que renovará o interesse nele nas batalha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pois bem, se até um pequeno RPG feito em poucos dias para uma game jam consegue ter um batte design fantástico, não existe desculpa para jogos maiores. Claro que para os grandes estúdios que contam com grandes equipes com os mais variados tipos de funcionários isso é uma tarefa fácil de concluir. A realidade de desenvolvedores indie é outra.
Mas seguindo o exemplo do que o Mogezilla conseguiu fazer em Ariela em tão pouco tempo, já vai te por no caminho certo e não transformar seu jogo um spam enfadonho de ataque, ataque, ataque, cura, ataque, ataque, ataque…
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Pó véi! O Moge manda bem demais quando o assunto é sistema de combate, me inspiro nele para fazer meus jogos. Enfim, excelente blog!
Fiquei curioso para ver outros jogos deles. Já adicionei o Lionheart no meu radar e espero que um dia ele termine o projeto. Pelo que eu vi das gameplay que fizeram da demo, tá muito interessante.
E obrigado pelo comentário!