Altair observando a cidade de um dos pontos de vistas

Falar de Assassin’s Creed hoje em dia é um pouquinho complicado, né? Não por esses motivos e sim porque é uma franquia muito oito ou oitenta aos olhos do público gamer. Parte disso é pelo fato de ser uma propriedade da Ubisoft, uma das maiores empresas non gratas da atualidade. Mas também os jogos têm seus méritos (e deméritos) próprios para causar essa divisão.

No meu caso, não tenho qualquer opinião forte. Seja a favor ou contra a franquia. Eu estive investido no universo de Assassin’s Creed, pelo menos na série principal, do primeiro de 2007 até o Assassin’s IV: Black Flag. Depois disso eu cortei laços com esses jogos indefinidamente. Não porque eu achasse eles não tinham mais nada a me oferecer, só estava saturado com a gameplay e resolvi seguir com outros títulos mais alinhados com meus interesses.

Então tudo que veio de Black Flag para frente eu não tenho investimento emocional o bastante para me importar a ter uma opinião a respeito. Com exceção do caso do Yasuke, mas por motivos maiores do que o jogo em si. Porém, recentemente – lê-se: mais de um mês atrás – eu decidi revisitar o primeiro jogo.

Como muitas das coisas que eu escolho para jogar, óbvio que havia uma segunda intenção por trás dessa decisão. Por algum motivo eu tinha uma teoria na minha cabeça sobre esse Assassin’s Creed que precisava pôr à prova. Na verdade eram duas, a segunda eu comento mais para a frente no texto. Pois bem, eu acreditava que o primeiro jogo de Assassin’s Creed era melhor do que a gente lhe dava crédito ao mesmo tempo que ele não é tão bom quanto poderia ser.

A ambientação de Assassin's Creed é inquestionavelmente excelente

Então, confirmei essa teoria? Mais ou menos. Tem dia que eu penso que é mais para menos, outros dias eu penso que é mais para mais. Porque falar desse Asssassin’s Creed em particular é uma tarefa mais ingrata do que falar da franquia. Honestamente. Falar de qualquer jogo com mais de dez ou quinze anos é. O gamer hiperfixado no moderno parece ter só um interesse de carimbar o “envelheceu mal” e ficar por isso. Mas eu não acredito nessa bobeira e vocês deveriam parar de acreditar nela também. Depois falamos mais disso, antes vamos dar aquele contexto geral sobre a trama do jogo.

Assassin’s Creed (2007) conta a história de um embate milenar entre duas facções, os Assassinos e os Templários, que se alastra até os tempos modernos. No presente, Desmond é um ex-membro dos Assassinos, capturado por uma empresa controlada por Templários que quer usá-lo numa das suas invenções, o Animus. A tecnologia permite que acessem as memórias dos antepassados de Desmond, em particular o lendário Mestre Assassino Altair, que viveu durante o período da Terceira Cruzada. Depois de desonrar a Ordem dos Assassinos, Altair é incumbido pelo seu mestre e mentor, Al Mualim, a assassinar nove indivíduos que ameaçam a paz na região

Voltando à discussão. Esse é um jogo que não cabe mais hoje no discurso gamer tomado pelas redes sociais e que se pauta demais em hipérboles. O que falamos na atualidade é de GOTYs e de flops, pelo menos é o que dá para ouvir das vozes mais altas. O que fica ali no meio geralmente é esquecido ou ignorado e é exatamente onde o Assassin’s Creed de 2007 particular se encontra. É um jogo okaaaaaaaaay, com todos os A’s possíveis. Tem acertos, tem erros. Foi um marco, ao mesmo tempo que não tem nada tão marcante para além da sua principal gimmick. Gente boa, mas que vacila, como eu gosto de falar.

E muitos desses vacilos tem um nome já citado: Ubisoft. Eu não acredito que a empresa é de todo ruim. Historicamente ela nos trouxe bons títulos e séries como Rayman, Beyond Good & Evil, a trilogia de Prince of Persia. Também temos a sua outra grande franquia, Far Cry, que tal como Assassin’s Creed, tem seus altos e baixos. Até nos seus títulos menores, Child of Light e Valiant Hearts por exemplo, eu acho que a Ubisoft é capaz de entregar algo bom quando tem o mínimo de integridade. As coisas complicam quando a gente vai para títulos de mundo aberto porque esbarramos num modelo muito engessado de game design.

Até que tem alguns jogos que os estúdios conseguem trabalhar isso melhor, como o Assassin’s Creed: Brotherhood. Porém ficou claro para mim que no primeiro título a Ubisoft não sabia o que fazer com um jogo de mundo aberto. Por conta disso ela caiu no que enxergo como pecado capital desse modelo que é inflar a gameplay para criar a ilusão que existe muito conteúdo.

Altair, campeão do torneiro de pique-bandeira de 1191

Enche-se o jogo de colecionáveis faz com que o jogador repita os mesmos objetivos até a exaustão. Onde poderia haver apenas um ponto de vista, a Ubisoft coloca seis. Ela salpica de civis em perigo que te leva a um combate com cinco ou mais inimigos. Esconde dezenas de oponentes teoricamente mais fortes – e praticamente ridículos de se derrotar – e deixar o jogador caçá-los como se isso tivesse algum impacto para a gameplay. Assim a gente se vê andando em círculos e mais círculos, apenas fazendo a mesma coisa sem qualquer emoção ou desafio.

Talvez isso seja o suficiente para alguém classificar o jogo como ruim. Entretanto não dá para bater o martelo com Assassin’s Creed tão precipitadamente. Gostando ou não, ele é um marco para a história dos vídeo games. Um jogo não precisa ser fenomenal para causar um impacto. Eu não sei se vale o uso do adjetivo ‘revolucionária’ aqui, mas a jogabilidade de Assassin’s Creed estabeleceu um novo paradigma. Personagens já escalavam paredes e faziam acrobacias mirabolantes. Vale lembrar que apenas quatro anos antes a própria Ubisoft lançou o fantástico Prince of Persia: Sands of Time que elevou o parkour nos consoles. Assassin’s Creed fez o mesmo à sua maneira com um misto de mecânicas e design de mapa.

Eu ainda me impressiono com o nível de interação que conseguimos ter entre o Altair e as construções. A forma tão natural como ele escala muros, prédios, salta entre telhados e plataformas suspensas, simplesmente fantástico. Não é à toa que se tornou a marca registrada da franquia. A questão para mim é que no Assassin’s Creed de 2007 essas mecânicas acabam se comportando mais como uma gimmick pelo jogo não conseguir expandi-la tanto quanto poderia.

Não é a toa que o real responsável por firmar a franquia como um título de peso foi o Assassin’s Creed II. O que até bem compreensível, existem vários outros casos na mídia em que a sequência que foi responsável pelo sucesso da série. Assassin’s Creed II soube muito melhor integrar e expandir as mecânicas na sua gameplay, enquanto seu sucessor sofre com três problemas principais: falta de criatividade, repetição e interrupção.

Os dois primeiros estão fortemente relacionados. Porque para um jogo em que tem como centro um assassino, Altair não consegue fazer muitas coisas com a lâmina oculta. As execuções áreas ou feitas de um esconderijo simplesmente não existiam no primeiro jogo. Você tem que estar só um pouco acima do inimigo para conseguir fazer uma stealth kill pelo ar.

Altair prestes a fazer uma execução área num Templário

É muito menos trabalhoso simplesmente andar até o alvo e pimba. Uma das coisas que eu acho mais ridículas é que o próprio jogo te dá a dica de usar um corpo para distrair os guardas. Só que tem um detalhezinho: o Altair não consegue carregar um inimigo abatido. A única forma de você usar essa “mecânica” é matar um guarda muito próximo da beirada e torcer para que o corpo caia onde os outros soldados possam ver. E sabe quando isso é útil? Nunca!

Por isso que eu falo que parece que a Ubisoft não sabia exatamente o que ela podia fazer com a sua jogabilidade, levando a tomar as decisões mais semgraça possíveis. A estrutura do jogo se desenvolve ao redor dos alvos que o Altair precisa eliminar e para isso ele precisa reunir pistas sobre cada indivíduo. No papel parece interessante, mas na prática você é obrigado a fazer os mini-games mais ridículos como pegar bandeiras, ir do ponto A ao ponto B num determinado tempo, socar um cara para obter informação, roubar cartinha. Nada disso apresenta grandes dificuldades e só piora com o fato que você terá que repeti-las dezenas de vezes ao longo de toda história.

Além disso, as pistas que você acaba obtendo nem são tão relevantes assim para conseguir concluir a missão. Boa parte delas funciona mais para fins narrativos e só atrasam a gameplay. Eu lembro que da primeira vez que eu joguei Assassin’s Creed eu só obtinha a quantidade mínima de pistas necessárias para permitir a missão de assassinato para não ter que passar por outro mini-game entediante. Missões essas que se resumiam mais a assistir uma cutscene, andar até o alvo e fugir. Em poucas exceções o jogo conseguia fazer algo diferente e que infelizmente não chegava a ser tão empolgante.

Nem me surpreende o quanto a história do jogo acaba sendo muito melhor do que o jogo em sim. Essa foi a segunda teoria que eu desenvolvi, dessa vez enquanto jogava, sobre como Assassin’s Creed deveria funcionar muito melhor como livro do que como jogo. E isso eu consegui comprovar que para escrever o próximo parágrafo eu acabei comprando o romance A Cruzada Secreta, escrito por Oliver Bowden, pseudônimo de Anton Gill. O livro não é tão grandes coisas assim, a narrativa sobre por estar presa a estrutura do jogo original, mas a experiência chega a ser bem melhor.

Assassin's Creed: A Cruzada Secreta, livro de Oliver Bowden que reconta os eventos do primeiro jogo e outros títulos da franquia

Assassin’s Creed tem muitos diálogos, muitos diálogos mesmo. Todo momento você tem que parar para escutar algum personagem e não é apenas nas cutscenes. Em alguns casos são diálogos bem longos, em outros nem tanto, só que acontecem muitas vezes. Um bom exemplo é que sempre que você salva um dos civis você precisa ouvir pela enésima vez ele te agradecendo até poder seguir com o jogo. E eu reafirmo que essas são as melhores partes. Bom, não esse exemplo dos civis, isso é só um empecilho. Quando tem dois personagens grandes conversando na tela, o jogo brilha.

O que tem de tão bom nesses diálogos é porque são neles que se desenvolvem os principais conflitos da trama. O jogo é sobre o embate entre duas facções e muitas das conversas são choques e visões e ideologias diferentes. Desmond vs Abstergo, Altair vs Al Mualim vs Alvos. Inclusive essa foi uma característica que lembro que a franquia foi perdendo até onde eu acompanhei. Os alvos do Altair plantando a sementinha da dúvida na cabeça dele é o que motiva a transformação do personagem na história, ao passo que reforça esse tema de pontos de vista diferentes que é tão presente ao menos nesse título. É uma pena que provavelmente a maior parte das pessoas irá achar esses momentos apenas chatos.

Assassin's Creed é cheio de diálogos que acabam sendo muito mais interessantes que a sua gameplay

Geralmente aqui é onde eu exercitaria meu desprezo ao gamer que tem preguiça de ler (ou, nesse caso, ouvir), mas dessa vez eu até consigo entender a frustração. Primeiro porque não tem legendas e você não pode pular os diálogos, portanto se você não fez o cursinho da OpenEnglish vai ter que ficar uns bons minutos aguardando a cena terminar. Mas aí, quando ela acaba, você não tem nem uma ação empolgante. Isso incomoda. Você está constantemente fazendo as mesmas coisas e sendo interrompido, tudo no meio de uma gameplay com pouquíssima inspiração.

Com isso eu termino batendo mais uma vez na tecla que falar desse jogo é complicado. Claro que a internet pode fazer as simplificações de bom/ruim que gosta tanto de fazer, mas para mim não dá para reduzi-lo assim. Longe de ser um dos melhores jogos da franquia, ele segue um marco no contexto geral e por isso acho importante analisá-lo com mais cuidado e sem essa conversinha de se envelheceu bem ou mal. Dá para a gente ser mais profundo, até mesmo com um jogo da ojerizada Ubisoft.

Ao mesmo tempo eu entendo quem simplesmente não consegue apreciá-lo. Tem vários problemas aqui e ali que se amontoam e, no final, fazem você gritar “me ajuda a te ajudar, Assassins’ Creed”.


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