Hoje tem um BO da Semana porque já faz um tempo que não rola um, né? Vou nem me alongar como de costume. A pauta do dessa fatídica quarta-feira foi: Yasuke, um dos protagonistas do recém-anunciado Assassin’s Creed Shadows. O jogo vai se passar no Japão do século XVI onde você poderá controlar o já citado samurai Yasuke e a kunoichi Naoe. Em face desse anúncio o gamer, como de costume, fez o que sabe fazer de melhor: reclamar por bobeira.
Para ser justo, a maioria das pessoas que eu vi falando sobre Assassin’s Creed Shadows estavam animadas como esse novo título da franquia. Porém sempre tem… aquela gente. Vocês sabem de quem eu tô falando. Não precisei ir muito longe até tropeçar nos primeiros comentários de reacionários-que-não-se-consideram-reacionários achando ruim o fato do jogo ter um samurai negro. Mas obviamente eles não acham isso por vieses racistas, não é mesmo? Óbvio que não! Magina! Um gamer sendo racista? Onde já se viu algo assim acontecer, não é mesmo²? É só uma preocupação suuuuuuper legítima com a precisão histórica de Assassin’s Creed que está sendo destruída por essa agenda woke.
*sigh*
Conforme alguns desses comentários foram viralizando, logo chegou o contraponto feito por pessoas mais bem-intencionadas (e com uma paciência e boa vontade que eu simplesmente não consigo mais ter com os gamers). Elas trouxeram para o debate público uma informação que essa turma que convenientemente passa a se preocupar com precisão histórica sempre que certos personagens surgem numa mídia. O Yasuke não é apenas um personagem criado para Assassin’s Creed, ele é de fato uma figura histórica que viveu durante o período Sengoku no Japão.
Pronto, né? Com certeza isso pois um ponto final nas reclamações infundadas sobre a representação correta da história do Japão em Assassin’s Creed, né? Se eu olhar no YouTube não vou encontrar um canalzinho laranja repetindo o mesmo discurso que eles fazem em todo santo vídeo para toda santa situação, vou?
Ok, estou divagando. Óbvio que pelo meu tom eu acho as pessoas que reclamaram do samurai negro são r…ídiculas para dizer o mínimo. Logo direi o máximo também. Mas eu também tenho uma espécie de hot take sobre o outro lado da discussão. Eu acho que a tentativa de defender o uso de um personagem negro com um registro histórico é uma grande besteira. Reconheço que as pessoas estão repetindo isso aos quatro ventos com as melhores intenções. Até porque se precisão histórica é o argumento que aquela gente vai utilizar, nada melhor do que um fato histórico para contrariá-las, correta?
Eu concordo, mas existe um detalhe que para mim torna esse tipo de argumentação desnecessária:
A FICÇÃO NÃO TEM QUALQUER
COMPROMISSO COM A REALIDADE!!!
Mesmo que nunca houvesse existido um retentor de origem africana que serviu ao Oda Nobunaga no Japão do período Sengoku ainda não haveria qualquer problema de Assassin’s Creed colocar um samurai negro num dos seus jogos. Nenhum livro, série, filme ou jogo precisa de um aval da realidade para justificar seus elementos. Já parte-se do princípio que aquilo se trata de uma obra de ficção e por isso algumas liberdades criativas e licenças poéticas serão tomadas. Seja para fortalecer os temas e discussões daquela história ou então contá-la numa perspectiva diferente.
Pensem no precedente besta que estaríamos abrindo se aceitarmos um samurai negro no determinado jogo APENAS porque temos registros históricos que citam a existência de um. O que a gente vai fazer? Exigir que qualquer representação numa obra de ficção tenha que buscar referências reais que concedam a história uma espécie de “certeza plausível”? A ficção não precisa disso e nunca precisou.
Uma narrativa pode buscar um alinhamento maior com a realidade. Ninguém vai negar esse direito a ficção. Contudo ela não tem que tomar isso como uma preocupação primária. A ficção, e a arte como um todo, não existe para retratar a vida como ela é ou como ela foi. Alguém aqui fica questionando em filmes que retratam a Idade Média o fato dos personagens não falarem em inglês antigo, por exemplo? A arte pode buscar expressar determinados sentimentos, imaginar cenários paralelos, discutir ideias diferentes sem essa preocupação de ser “historicamente acurado”. Ela não é obrigada a te ensinar a história real do mundo e adultos já deveriam estar cientes disso.
Gostaria de explorar outro ponto aqui, pois não é somente o descompromisso da ficção com a realidade que me faz dizer que a existência de um Yasuke real importa para essa discussão. É também porque eu considero que as pessoas que reclamaram do personagem, tão logo quanto ele foi anunciado, não estão realmente preocupadas com precisão histórica. EM ASSASSIN’S CREED!!!
Caso tenha-se criado a ilusão que a franquia em algum momento prezou por por comprometimento com a realidade, garanto que não passa disso, uma ilusão. No fundo nós sabemos porque aquela gente está falando isso. Não precisa medir palavras, é preconceito dos mais chulos com uma pitada de cinismo por cima.
Ninguém vai estar exagerando ao apontar o viés racista por trás desses comentários, estão ali bem evidentes. Só quem está se fazendo de sonso que finge que não vê. Coisas como guerra cultural e agenda woke funcionam mais como uma justificativa muito conveniente para pessoas poderem destilar um pouco de preconceito sem comprometer tanto a sua imagem. Porque quando chega a noite, aquela gente pode dormir com a consciência tranquila e mentir para si que não existem motivações preconceituosas por trás das suas ações. Elas só estão fartas com essa lacração no mundo dos games, oras!
O problema não é que o personagem é negro. Longe disso! Essas pessoas gostavam muito mesmo das aulas de histórias no colégio e decidiram advogar por mais precisão histórica na mídia. Afinal essa é uma crítica que as pessoas sempre fazem nos jogos, não é mesmo? Tem vários exemplos, não consigo pensar em nenhum no momento, mas com certeza tem vários exemplos!
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