Dias atrás eu zerei o beat’em up Mayhem Brawler feito por um pequeno estúdio indie turco chamado Hero Concept. Ele foi presente do meu amigo amigo Savino do canal The Flying Kick que está sistematicamente me convertendo a Santa Igreja da Briga de Rua. Salvo dizer que curti muito o jogo e quem quiser saber mais das minhas impressões tem uma crítica aqui no blog. Recomendo dar uma olhada no canal do Savino que lá tem uma review (em inglês) muito boa no canal dele. Além de uma entrevista com Serkan Özay, criador do Mayhem Brawler, que eu recomendo também.
Mas eu trouxe o Mayhem Brawler aqui porque, embora eu tenha gostado muito dele, depois de zerá-lo eu fiquei com um sentimento meio agridoce. A razão dessa ambivalência de sentimentos é que por um lado fiquei feliz em ver que ainda se fazem bons jogos de beat’em up. Reação essa que eu já tinha sentido com Fight ‘N Rage – recomendação de outro amigo – lá em 2021. Só que por outro lado também bateu um certo desânimo ao perceber que por mais que o jogo seja ótimo, ele está preso aos confins da nichada comunidade de jogadores de beat’em up que consegue sobreviver hoje a duras penas.
Talvez para o jogadores mais novos seja até difícil de imaginar que houve um tempo em que o beat’em up dominava a indústria. Sem brincadeira! Muitos jogadores da minha idade e alguns mais velhos vieram a ingressar nos vídeo games por causa de algum beat’em up que viu num desses fliperamas da vida ou então na casa de um amigo que tinha um Super Nintendo ou Mega Drive. Eu até hoje tenho memórias de estar jogando Streets of Rage quando eu era bem pivete. E jogando com a minha tia!
Refletindo nisso eu me peguei pensando no presente e possível futuro para o gênero de beat’em up. 2022 foi até um bom ano em questão de notoriedade porque tiveram dois títulos que foram bem comentados. Um deles foi um clássico beat’em up 2D, Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge, feito pela Dotemu que em 2020 já tinha surpreendido com Streets of Rage 4. E o outro foi Sifu, um 3D brawler que surpreende por ser um título original que conseguiu furar a bolha sem o impulso da nostalgia. Ah, não quero tirar o mérito do jogo das Tartarugas Ninja. Só que era bem mais fácil para ele receber atenção por conta de ser uma franquia mega popular com produtos em diferentes formatos de mídia.
Eu até poderia falar aqui do nosso mercado nacional em que tivemos o modesto sucesso de Punhos de Repúdio. O jogo chegou até a receber uma matéria no Globo. Entretanto no caso desse jogo tem que levar em consideração que o nosso contexto político atual teve grande influência para dar mais projeção ao jogo. De qualquer forma, 2022 foi um ano atípico para os beat’em ups e não sei se podemos considerá-lo um indício que um revival do gênero estar por vir. Mas minha mente é um lugar terrível que não me deixa em paz se eu não falar algo. Portanto eu queria divagar um pouco sobre o passado, presente e possível futuro que podemos esperar para o beat’em up.
A ASCENSÃO E QUEDA DE UM GIGANTE
Olha, não vamos ficar perdendo nessas tecnicalidades de que foi jogo X e não Y a ser “o primeiro beat’em up feito” porque isso não é uma corrida, não importa quem veio primeiro. A nossa história começa em 1987 com o lançamento de Double Dragon. Esse foi o verdadeiro responsável pelo BOOM dos beat’em ups que deu início a dita era de ouro do gênero.
E quando eu uso letras maiúsculas eu digo isso sem qualquer exagero. O beat’em up já foi o gênero que “conquistou todos” como diz Trevor Adamos, ninguém menos do que… um cara que eu achei aí pela internet. Não de verdade, ele é editor do site Tilting at Pixels que tem um texto muito bom sobre a história dos beat’em ups: The Life, Death, and Rebirth of the Beat ‘Em Up Genre.
E é preciso destacar a contribuição dos fliperamas – ou arcades, para os mais pedantes – que tiveram uma relação mutualista com os beat’em ups e jogos de luta. Chega a ser quase que inumerável a quantidade de títulos que foram lançados para os fliperamas entre as décadas de 80 e 90 e, eventualmente, para os consoles. Muito clássicos a gente conhece o nome até hoje como Final Fight, Golden Axe, Captain Command, Cadillacs & Dinosaurs, Battletoads, Comix Zone, Splatterhouse, etc.
E isso se falarmos apenas de títulos originais. Porque se eu for colocar no pacote também jogos licenciados dá pra citar uma penca de beat’em ups de super-heróis da DC e da Marvel. Você tem Batman Returns, X-Men, The Punisher, Spider-Man and Venom: Maximum Carnage, The Death and Return of Superman e muitos outros. Tem até mesmo outras marcas que a gente nem iria imaginar como Os Simpsons. Para se ter noção, até aquele filme Hook – A Volta do Capitão Gancho – sim, o do Peter Pan com o Robin Williams que vivia passando na Sessão da Tarde – chegou a ter uma versão beat’em up.
Era um tipo de jogo bem acessível no que tangia a gameplay. Qualquer um conseguia pegar o jeito rápido e te instigavam pelo desafio. Além disso, quem não entendia patavinas de inglês não tinha que se preocupar. Bastava você saber o que significava Start Game que estava tudo certo. Precisamos também levar em conta que os beat’em ups foram uma das primeiras experiências cooperativas que muitos de nós tivemos. Nos divertíamos horrores com nossos amigos… até um pegar o item de recuperar vida quando era o outro que estava com HP baixo. E se tratando dos fliperamas, eram gráficos que enchiam nossos olhos com aquela riqueza de detalhes pixelados. Na era do 2D o beat’em up sem dúvidas foi rei.
Notem: na era do 2D!
Quanto mais nos aproximamos dos anos 2000, mais fácil enxergamos o declive em que os beat’em ups se meteram. A transição para o 3D não foi tão generosa para o gênero como foi como vários outros como os jogos de plataforma e os RPGs. Não que tentativas não tivessem sido feitas. Acho que todos aqui lembram do saudoso Fighting Force do PlayStation 1. E anos atrás soube que existiu uma versão de Duro de Matar lançada para os fliperamas.
Cito também aqui um favorito meu, tanto na versão de filme quanto na versão para vídeo games, que é o clássico The Warriors. Lançado no auge do PlayStation 2, The Warriors foi uma das melhores traduções do gênero de beat’em up para o mundo dos jogos 3D que já houve. Tinha todos os ingredientes ali com a ambientação urbana, as gangues de ruas, a porradaria honesta. Era o título que poderia trazer uma nova era para o gênero.
Bom, não trouxe!
Assim, ano após anos, o beat’em up foi minguando e minguando sofrendo o mesmo destino que os jogos de aventura. Estes também foram titãs dessa indústria não vital, mas agora estão mais ligados a um nicho de jogadores. Mas não acho que o beat’em up é apenas um gênero nichado. Ele também é para mim…
Além disso, o beat’em up ainda foi destronado por um dos seus próprios filhos. Enquanto ele tinha dificuldades de fazer essa transição para o 3D, um sub-gênero que se originou dele. Falo do hack ‘n slash, encontrou no 3D uma terra muito fértil para se estabelecer e expandir. Não é a toa que alguns franquias que surgiram nesse período ainda conseguem lançar novas sequências. Mais recentemente tivemos Devil May Cry 5, Bayonetta 3 e os novos God of War. Embora nesse último item há quem questione se os últimos jogos podem ser chamados de hack ‘n slash.
UM GÊNERO ABANDONADO
Aqui no blog eu já postei um texto falando sobre curva de aprendizagem e beat’em ups em que eu passo rapidamente sobre minha história com o gênero. Joguei bastante na infância, porém fiquei anos e mais anos afastado explorando outros tipos de jogos. Em parte é gosto pessoal, lógico. Mesmo agora que eu conheço um pouco mais da história desses jogos, o beat’em up não configura nem meu top 5 de gêneros. Mas ali pra uns 15 anos atrás, eu acho que a falta de oferta também foi um fator importante para me deixar longe desses jogos.
Hoje ninguém discorda que o beat’em up se tornou um gênero nichado. Mas acima disso eu diria que ele é um gênero que foi abandonado pelo mainstream.
Com o declínio dos fliperamas e ascensão dos consoles, que permitiu que outros gêneros pudessem se desenvolver a dominar o mercado, os grandes estúdios que antes lançavam vários beat’em ups por ano começaram a mudar o modelo de negócio. Gigantes como a Capcom conseguiram lançar novas e muito mais rentáveis IPs. Enquanto isso, outros estúdios tão importantes para o nascimento do beat’em up como Technōs Japan se foram junto com os fliperamas. E com o passar do tempo cada vez menos estúdios grandes passaram a lançar beat’em ups puros para se adaptar as novas tendências. A franquia da Sega, Yakuza, por exemplo, por mais que tenha mecânicas do gênero, se vende como uma série de jogos de ação-aventura. Ver um estúdio de grande e até mesmo médio porte hoje lançar um beat’em up aos moldes da velha guarda é quase que um sonho de uma noite de verão.
E tudo bem nesse sentido. As coisas mudam com o tempo, evoluem, incorporam novos elementos, adaptam seus formatos. Só que a sensação é que nem mesmo esse supostos beat’em ups modernos existem numa quantidade significativa. Pelo menos não no mainstream como veremos mais a frente.
Jogos de luta conseguiram ter uma enorme sobrevida graças ao cenário competitivo e por isso gigantes daquela época como Mortal Kombat e Street Fighter se mantém com grande relevância até hoje. Não é a toa que existe uma categoria exclusiva para eles em premiações, enquanto os beat’em ups são relegados a de jogos de ação, como foi no último The Game Awards com o Sifu e o Shredder’s Revenge. E ainda tivemos a polêmica de Sifu ser indicado no evento para a categoria de Melhor Jogo de Luta, contudo isso é mais galhofada do TGA que rola todo ano.
Acho bom pontuar essa questão da premiação porque ela revela o quão o gênero do beat’em up é sub-representado no mainstream gamer. Ainda porque eu já vi isso acontecer em outra mídia. O gênero de terror teve um longo período em que foi estigmatizado como “filmes b” e ainda hoje você nota uma maior dificuldade deles serem nomeados em premiações mais prestigiadas do cinema como os Oscars, quiçá ganhar em uma das categorias. Depois de O Exorcista em 1973 só mais cinco outros filmes de terror concorreram como Melhor Filme no Oscar e o único que conseguiu vencer foi O Silêncio dos Inocentes. E olha que tem uma discussão se o filme pode ser de fato considerado terror que eu não vou entrar aqui porque, francamente, eu não me importo.
Mas o caso dos beat’em ups é ainda pior porque ele sofre em todos os setores. Se você digitar aí no Google “best RPGs 2022″ ou qualquer outro gênero, vai encontrar várias e várias listas nos mais diversos veículos gamers. Agora experimenta fazer o mesmo para beat’em up. Não só você mal vai encontrar listas, como também as que você encontrar serão artigos como esse que tem Gotham Knights e God of War: Ragnarok como exemplos de beat’em up.
E lógico que tem um motivo para isso que é o “jogo do SEO“. Mas falo disso no próximo tópico.
SOBREVIVENDO A DURAS PENAS
Se você tem um site você, automaticamente, entra na corrida do SEO que é a sigla para Search Engine Optimization. Os sites de cultura pop em especial estão sempre tentado formas de atrair a maior quantidade de cliques possível, então você tem desde thumbnails chamativas até chamadas com clickbaits grotescos. Mas isso não se limita apenas a fachada, no corpo do texto há várias “técnicas” que são aplicadas a fim de conseguir o melhor desempenho possível nas ferramentas de busca.
Logo essas listas de “melhores jogos X” não são necessariamente para ranquear os jogos e sim para citar os títulos populares do momento, afinal estarão entre os nomes mais pesquisados. Dessa forma o site tem maiores chances de aparecer como resultado nessas ferramentas de busca. Portanto vale muito mais a pena num artigo citar dois jogos recentes que foram largamente comentados nas redes sociais mundo a fora como God of War e Gotham Knights do que citar meia dúzia de beat’em ups que pouquíssimas pessoas fora de uma bolha sabem que existe.
No tópico anterior eu falei sobre a “falta de oferta”, mas hoje eu sei que é uma mentira. Tem beat’em up sendo produzido a rodo todo ano. Como meu amigo Savino mostrou num dos seus vídeos, só ano passado saíram 14 jogos do gênero. E esses são os que ele tinha conhecimento na época que fez o vídeo. certamente outros foram aparecendo ao longo do ano. E para esse ano a gente tem pelo menos aí 24 anúncios.
Se eu perguntar para você, que não é do nicho, quantos títulos da lista do Savino você jogou ou ouviu alguém comentar sobre. Ah sim! E que não seja o das Tartarugas Ninja, ok? Se alguém aqui responder três já é muito. Isso porque a maior parte dos jogos de beat’em up vem justamente de desenvolvedores indie que não podem se dar ao luxo de desprender muito dinheiro em divulgação e contam quase que exclusivamente da propaganda boca a boca.
E aqui a gente consegue enxergar o grande problema dos beat’em ups hoje.
O que mantém o beat’em up vivo hoje são essencialmente os desenvolvedores e estúdios indies onde poucos são os títulos que tem o privilégio de receber uma cobertura da mídia feito Sifu. Eles contam com os esforços da pequena comunidade de beat’em up que pessoas como o Savino e outro perfis, infelizmente pequenos, criaram e divulgam esses jogos no boca a boca digital. Jogando Mayhem Brawler no Google, por exemplo, a maiorias das análises que eu esbarrei (que já não foram muitas) são justamente de sites menores como o Delfos, Arkade e Starbit.
E se ir na gringa não há muita diferenças no cenário. Pesquisando no Metacritic a quantidade de reviews que eu encontrei para cada plataforma foram: 4 para Playstation 4, 4 para PC, 6 para Nintendo Switch e 6 para Xbox One. O River City Girls 2 que saiu ano passado e tem uma publisher por trás para ajudar no marketing suou para ter o dobro de resultados nessas plataformas, exceto PC que é o mesmo número e Xbox Series X que tem 2. E ainda assim, as reviews que são agregadas no site também em sua maioria pertencem aos pequenos sites.
Se não fosse a pequena comunidade que tenta manter essa chama acesa, o gênero só seria lembrado quando surgisse um ponto fora da curva como Sifu ou então utilizando nomes conhecidos. como Shredder’s Revenge e Streets of Rage 4. Que é o que a gente viu acontecer nesses últimos anos. Aí vem a pergunta:
HAVERÁ UM FUTURO PARA O BEAT’EM UP?
Apesar de ser ranzinza, no fundo eu sou um otimista que tenta ter esperança no futuro. Só que eu também não sou nenhum oráculo, então a resposta mais honesta para essa pergunta é um simples: eu não sei, mas espero que sim!
Se pensarmos no gênero de aventura, por exemplo, que entrou em declínio mais ou menos na mesma época que o beat’em up deixou o mainstream talvez haja sim esperanças. Jogos de aventura passaram por um revival ali em meados dos anos 2000, com ajuda de campanhas de crowdfunding e também alguns sucessos como foi o The Walking Dead da Telltale Games. Mais recentemente tivemos a volta de uma clássica franquia do gênero com o lançamento de Return to Monkey Island que pegou todos os fãs de surpresa.
Obviamente jogos de aventura não vieram para os holofotes da indústria de jogos e ainda é muito sustentado pelos estúdios indie. Mas há sim um mercado mais sólido para eles. Portanto há de se sonhar que o beat’em up consiga também se reestabelecer. Se eu fosse apostar as minhas fichas em algum lugar, diria que nos próximos anos vamos ver uma segunda tentativa de fazer a transição do beat’em up para o universo 3D. Por outro lado, os side scrollers tradicionais ficarão ainda nas mãos dos desenvolvedores indies que tem mais coragem criativa. Então veremos o quão bem ou mal esse texto vai envelhecer nos próximos anos. E nas palavras de Arquivo X: eu quero acreditar!
O Backlogger precisa do seu apoio para crescer. Então, por favor, compartilhe ou deixe um comentário que isso ajuda imensamente o blog. Você também pode me seguir em outras redes como Twitter, Facebook e Tumblr.