A década é a de 90 quando o gênero de beat’em up gozava dos seus melhores dias. Dezenas de títulos chegavam aos fliperamas todos os anos. Em 1991 especificamente chegou aos arcades The King of Dragons. O jogo saía dos cenários urbanos e mergulhava na fantasia medieval com uma estética que ecoava os anos 80 com seus personagens trabalhados no shape.
Já em 1991 tínhamos vários e vários títulos representando o gênero. Nem mesmo a ambientação num reino da fantasia era tão novidade assim já que anos antes já tinha sido lançado Golden Axe. Ainda assim The King of Dragons conseguiu chamar atenção. O que faz ele se destacar entre seus demais companheiros contemporâneos foi o jogo implementar um sistema simples de evolução de personagem. Era algo similar aos jogos de RPG, onde além de você encontrar upgrades ao longo das fases, aumentando o seu ataque e defesa. Os pontos acumulados serviam como experiência para o personagem subir de level e aumentar seu HP.
Contudo não foi nos fliperamas que eu vim a conhecer The King of Dragons. Isso aconteceu um bom tempo depois da sua época, por intermédio de um amigo que pegou o Super Nintendo de uma das vizinhas do prédio dele emprestado. Junto com o console vieram algumas fitas e entre elas estava o port que The King of Dragons recebeu em 1994. Meu amigo se interessou de imediato pelo jogo e depois de alguns game overs decidiu me chamar para tentarmos zerar juntos. E assim começa a minha história “moderna” com os beat’em ups.
APANHANDO É QUE SE APRENDE A BATER
Pedagogos não irão aprovar muito esse título, mas fazer o quê?
Pois bem memória mais viva que eu tenho daquela época jogando The King of Dragons com meu amigo é que nós NÃO conseguiamos zerá-lo. Bom, meu amigo, aquele viciado, conseguiu sozinho um tempo depois. Mas juntos o máximo que conseguimos chegar foi na fase 11 se eu não me engano. Claro que isso foi muito por conta da nossa falta de habilidade daqueles. A gente mais reagia do que pensava em jogar direito. Mas também a dificuldade inerente de The King of Dragons tem sua parcela de culpa nessa história. É um jogo que eu acho muito difícil zerar nas primeiras duas (ou dez) playthroughs.
Ok, depois desse recorte da minha pré-adolescência vamos ter que pular para 2021.
Esse texto, originalmente, foi escrito dias depois de eu ter jogado o fangame de Caverna do Dragão que foi lançado naquele ano. O jogo feito com base na versão arcade do The King of Dragons e também tem um pouco de influência, e dos sprites, de outros beat’em ups com ambientação medieval da década de 90 como Golden Axe e Knights of the Round. A jogabilidade dele é a tradicional do gênero, com combos simples e alguns ataques especiais. Mas também conta com o diferencial de você poder alternar entre os personagens do desenho e assim pode aproveitar suas habilidades únicas para criar novas estratégias durante uma fase.
Depois de conseguir zerar o Caverna do Dragão, me pareceu bem óbvio o que eu deveria fazer a seguir. Portanto, para reviver o passado, decidi jogar The King of Dragons mais uma vez. Sabendo que agora eu tinha muito mais experiência com jogos, em beat’em ups e no geral, eu estava certo que conseguiria finalmente zerá-lo. Então selecionei o Guerreiro e parti pro fight cheio de confiança.
Na fase 7 eu tomei um game over!
Ok, acontece. Beat’em up não foi feito pra ser zerado na primeira tentativa. Então não desanimei e comecei um novo jogo, dessa vez com o Clérigo. Depois de mais umas tentativas eu consegui chegar bem próximo da reta final do jogo, perdendo ali no chefão da fase 14. Eu estava determinado a vencer esse jogo de uma vez por todas então na última tentativa eu fui com o Arqueiro. Esse era o personagem que eu costumava jogar com meu amigo. E, vejam só, pra minha surpresa eu consegui não apenas chegar no último chefão como também deitei aquele dragão arrombado.
Mais de uma década depois eu finalmente tinha conseguido zerar The King of Dragons e agora que aquela dívida estava paga eu fiz o que toda pessoa normal faria depois de terminar um jogo: fiquei refletindo sobre o conceito de curva de aprendizagem aplicada a beat’em ups!
…
Ok, me deem um desconto. Não tenho mais nada pra fazer em casa durante o dia!
A CURVA DE APRENDIZAGEM
Beat’em ups estiveram bem presentes na minha infância. Jogos como Streets of Rage, Golden Axe e Double Dragon eram cartuchos jogos que geralmente vinham junto do console quando a gente comprava então era super comum ter uma ou mais dessas fitas. E se você não tivesse, com certeza alguém da sua rua teria. Contudo, em algum momento na adolescência, abandonei os beat’em ups e fui me aventurar em outros gêneros.
Foi só recentemente, coisa de mais ou menos uns dois anos meio atrás pra cá, quando comecei a jogar títulos mais antigos das primeiras gerações de console, que voltei a ter um interesse neles. Existe algo que eu gosto muito de observar nos jogos que é a curva de aprendizagem. E o motivo do meu atual interesse nos beat’em ups é por causa que eu os vejo como o exemplo mais puro e direto desse conceito quando aplicados aos videojogos.
Antes de prosseguir preciso fazer um desvio rápido aqui. Não exatamente um desvio porque ele nos leva pro mesmo lugar. Uma rota alternativa então. Por que eu tô perdendo tempo discutindo figuras de linguagem num texto sobre beat’em ups?
No ano passado eu finalmente joguei Vagrant Story que estava há muitos anos pegando poeira no meu backlog. Não vou entrar em muitos detalhes sobre o jogo, quem tiver interesse pode ler minhas impressões nessa thread (sério, deem uma olhada depois porque foi uma das que eu mais gostei de escrever). Aqui eu pretendo focar num único tópico a respeito do sistema de batalha de Vagrant Story.
Pra quem não conhece o jogo — recomendo que vá conhecer porque é um dos melhores títulos do PS1 — eu explico. Na superfície Vagrant Story é um RPG de ação, porém ele tem uma abordagem muito mais tática no seu combate.
Nas lutas você precisa considerar diversos fatores como: a afinidade de classe e elemental da sua arma; e do monstro que está enfrentando também, o tipo de lâmina que você deve utilizar contra o inimigo, o local do corpo dele que você irá atacar e também precisa analisar até onde vale a pena utilizar as Chain Abilities, que se por um lado te permitem criar combos longos se você tiver bons reflexos, também aumento o seu nível de Risco. E que o Risco faz? Por um lado ele aumenta a sua chance de acertar danos críticos, aumenta seu ataque físico e mágico. Por outro o Risco diminui sua precisão, a sua habilidade de desviar de ataques e diminui consideravelmente a sua defesa.
Ah sim, também tem o fato que o jogo não conta com lojas. Então você mesmo precisa criar e modificar seus equipamentos para conseguir novas combinações mais fortes. Isso é muito importante porque o tipo errado de lâmina, ou uma armadura fraca pode te fazer perder até mesmo para um inimigo comum, ainda mais se você tiver acumulado muitos pontos de Risco e tomar um dano crítico.
E não pense que grind não vai te ajudar aqui porque você não adquire experiência ao derrotar os inimigos no jogo. Você até consegue “treinar” as armas para infligir mais dano num determinado tipo de monstro, o que é um processo bem lento e que nem faz tanta diferença assim (os tipos de lâminas tem uma influência muito maior no dano infligido do que a afinidade de classe, dica gratuita aí pra vocês). Fora isso o que você consegue são pequenos bônus ao derrotar um chefão ou encontrando elixires — esse plural tá correto? — que aumentam seus atributos.
Foi um resumão muito corrido e meio embolado do sistema de batalha, mas acho que deu visualizar que a jogabilidade de Vagrant Story não é tão acessível, pelo menos não logo de cara. Se você der uma pesquisada rápida vai encontrar vários relatos de jogadores que tiveram um pouco de problema nas primeiras horas de jogos que resultou em eles não conseguindo arrancar mais do que 5–10 de HP de algum chefão. Claro que a jogabilidade de Vagrant Story não é um bicho de sete cabeças, depois de um tempo o maior problema dela é o tempo que leva para trocar de armas, mas demanda um pouquinho mais de investimento da sua atenção que um RPG de ação padrão em que você pode simplesmente sair distribuindo porrada.
Porém, quando você finalmente entende as minúcias do sistema de batalha, você nota uma melhora absurda do seu desempenho em cada luta conseguindo arrancar até facilmente mais de 100 de HP num único golpe e tankando um ataque outrora fatal — tipo uma baforada de um certo dragão desgraçado que te mata num hit e você se vê obrigado a voltar pelo mapa todo justo quando você tinha entendido como aquele maldito labirinto funcionava — com seus equipamentos melhorados.
Um dos motivos que me atraiu ao Vagrant Story, como vocês já devem ter imaginado, foi a curva de aprendizagem do combate do jogo. Esse conceito me fascina desde que eu conheci Dark Souls, que é um título muito bom também para analisarmos esse tópico. Eu até costumo dizer que depois que você zera Dark Souls pela primeira vez, você passa a morrer mais por errar um pulo ou rolar pra fora da borda sem querer do que nas mãos de algum dos chefões do jogo.
No melhor exemplo que eu consigo pensar, na primeira vez que eu joguei Dark Souls eu sofri pra conseguir derrotar as Bell Gargoyles a ponto que eu flertei com a ideia de simplesmente desinstalar o jogo e seguir com a minha vida. Da última vez que eu joguei, isso já tem uns anos, eu consegui derrotá-las na primeira tentativa porque já sabia todas as manhas pra conservar stamina, o momento certo de atacar e também já sabia da dica de usar aquele pózinho amarelo que dá um buff na sua arma e eu não lembro o nome e tenho preguiça de pesquisar.
Agora vou parar de falar de RPGs de ação e voltar aos titulares beat’em ups.
A CURVA DE APRENDIZAGEM DOS BEAT’EM UPS
Em The King of Dragons a gente não tem nenhuma mecânica complexa para dominar. Um botão ataca, outro pula, você bate e tenta não ser acertado de volta. Simples, direto e honesto! Bom, talvez eu não deveria usar simples aqui porque até que existe uma certa complexidade em todo beat’em up no que diz respeito a apanhar o menos possível pra conservar sua vida e os continues.
Você não pode simplesmente sair no button smash achando que assim você vai chegar numa boa na última fase do jogo. Essa estratégia pode até funcionar pros minions comuns, mas quando o assunto são os chefões a história é outra. Porque o segredo para vencer nos beat’em ups é o mesmo princípio de Dark Souls: o mais importante não é bater, é saber QUANDO bater.
Pegando novamente o fangame do Caverna do Dragão, você começa o jogo com cinco vidas e não tem continues então você precisa fazer de tudo para morrer o mínimo possível nas primeiras fases para garantir que tenha o suficiente para derrotar o Vingador e depois o true boss se você quiser pegar o final certo. No começo eu achei que seria uma tarefa próxima de impossível de se alcançar dado a quantidade de fases e chefões do jogo. Porém a cada partida nova eu via que tinha conseguido chegar numa nova fase e com mais vidas extras do que na playthrough anterior.
Esse é o principal motivo de eu achar que beat’em ups são um exemplo tão bom pra gente visualizar a curva de aprendizagem em jogos porque neles tem um índice bem claro que você pode utilizar pra medir seu progresso: o quão longe você conseguiu chegar.
Rapidinho, deixa eu fazer só mais outro desvio aqui porque tem um ótimo exemplo sobre isso em outro jogo: Cuphead.
A gameplay de Cuphead apesar de ter algumas fases de plataforma, foca principalmente em batalhas com chefões. E há uma característica peculiar dessas lutas que ao perder você vê uma linha de chegada na tela de game over e a posição do seu personagem em relação a ela. Essa é uma métrica que você utiliza a todo momento para visualizar como está sendo o seu progresso de forma que você consegue ter uma noção de quanto faltava para derrotar o chefão. E mais do que isso, a reta representa também o quanto você melhorou entre uma tentativa e outra.
A minha saga em The King of Dragons foi essencialmente eu aprendendo (de novo) o mesmo que precisei aprender aos trancos e barrancos em Dark Souls: analisar os movimentos dos chefões e ter a paciência para atacar na hora certa e desviar logo em seguida esperando o próximo momento oportuno para golpear o chefão novamente sem correr o risco de perder uma vida preciosa que vai dificultar meu trabalho de alcançar a última fase sem perder todos os continues.
Na minha primeira playthrough com o Guerreiro, mesmo eu sabendo como deveria abordar um beat’em up com cuidado, eu ainda me deixei levar pela vontade de sair batendo em todos os pixels que se mexiam. O que só me levou a ser trucidado pelas mordidas do Ciclope da fase 6 que me fizeram perder preciosos continues. No plural, eu consegui morrer muito pra aquele arrombado de um olho só.
Ao não conseguir chegar nem na metade do jogo eu engoli meu orgulho, coloquei no fácil e pensei: agora vai!
Narrador: não foi!
Então pra variar um pouco decidi jogar de Clérigo. Com ele eu tive uma abordagem bem mais cautelosa já que a velocidade do personagem me obrigava a ter mais paciência. Então, em vez de meter um “Leeeeeroy Jenkins!!!”, eu joguei com mais cérebro e apliquei as estratégias que aprendi nas minhas jogatinas com o Guerreiro. Foram coisas simples como:
- Esperar o Minotauro balançar o machado duas vezes antes de atacar e sair da frente dele antes que ele iniciasse outra animação;
- Me aproximar sempre na diagonal que dava mais segurança em executar um ataque sem ser atingido;
- Aproveitar o lado direito da tela na luta contra a Hidra onde eu ficava seguro dos ataques de longa distância dela e ainda era muito mais fácil acertar uma das suas cabeças;
- Usar a combinação de Pulo + Ataque no Dragon Rider, um chefão que sempre me deu raiva porque depois ele aparece mais três vezes no meio de outras fases, que tornava muito fácil de escapar da lança do cavaleiro e dos ataques daquele dragão dele. Tô percebendo que eu tenho algum caso mal resolvido com dragões aparentemente
Cheguei mais longe dessa vez e agora com um pouco mais de confiança resolvi tentar de novo. Na última tentativa o escolhido foi o Arqueiro e era notável meu avanço no jogo. Eu já tinha praticamente todas as manhas do The King of Dragons gravadas no meu DNA. Além do benefício de poder atacar os chefões de longe, eu realizava todos os momentos corretos quase que no automático, tomando cuidado ao atacar e desviando a tempo de um golpe que poderia arrancar quase metade do meu HP total. Na maioria das vezes ao menos, eu sempre dou mole com aqueles largatões e esqueletos saltitantes. Quando dei por mim já estava na 16ª fase com dois continues sobrando pra eu fazer a festa no Gildiss.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse ponto, cada vez que eu começava uma nova playthrough eu consiguia ver o quanto eu melhorei desde a minha primeira tentativa. Não só por conseguir chegar na última fase, mas também pelo tempo que eu consigo durar entre um continue e outro e menor quantidade de vidas perdidas num mesmo chefão.
Casos como os já citados: Streets of Rage, Golden Axe, Knights of the Round, Double Dragon, Teenage Mutant Ninja Turtles: Turtles in Time — não citei esse mas me culparia demais se nem ao menos mencionasse o meu beat’em up favorito da vida nesse texto — em todos esses jogos quando você começa é via de regra que você não vai chegar nem próximo da última fase. Mas algumas playthroughs você consegue, de forma bem nítida, ver a sua escalada na curva de aprendizagem e se surpreender com a facilidade que você consegue chegar onde antes você suava pra se manter vivo.
Não deixar um Ciclope te desanimar, você só precisa aprender a sair da frente dele e se mover na diagonal!
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Adoro o Sprite enorme do clérigo nesse jogo. Você citou o Openbor de Caverna do Dragão. Recomendo o Knights and Dragons: the Endless Quest, outro Openbor, com sprites de The King of Dragons, difícil até aprender a utilizar a mecânica de parry, mas fascinante. Mapa, movimentos especiais com comandos, escolha de fases, múltiplos finais. Jogaço.
Valeu pela recomendação! Pensando em fazer uma maratona de beat’em ups ano que vem, então vou incluir o Knight and Dragons na minha lista porque tô aceitando tudo de clássico, fangame e indie
Vim do futuro para dizer que recentemente joguei Knights & Dragons: The Endless Quest e ele virou meu jogo favorito do OpenBOR!