
Os filmes swashbucklers foram um dos grandes carros-chefes do cinema americano. O gênero trouxe diversos clássicos que datam desde os filmes mudos do começo do século XX até meados dos anos 70, quando inevitavelmente perde fôlego. Mas ainda houveram bons representantes nas décadas seguintes, como A Princesa Prometida (1987) e A Máscara do Zorro (1998). Outro notável exemplo foi Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003), trazendo de volta o interesse em histórias de pirada. E não apenas no cinema! A desenvolvedora e publisher russa Akella já vinha lançando alguns jogos nessa temática antes mesmo do sucesso de Piratas do Caribe, como Sea Dogs (2000) e Age of Sail II (2001), e em 2003 ela se organizava para iniciar um novo projeto: Captain Blood.
O jogo tinha como inspiração o personagem homônimo criado pelo autor Rafael Sabatini. O Capitão Blood já tinha dado suas caras no cinema, como clássico de 1935 protagonizado por Errol Flynn, e a própria Akella utilizaria o original como inspiração para uma das campanhas Age of Pirates 2: City of Abandoned Ships (2009). Diferente das gameplays de RPG e estratégia que empregou nos seus títulos anteriores, em Captain Blood o estúdio decidiu seguir por uma linha de hack ‘n slash que estava em alta na época. Depois de apenas 22 anos, o jogo enfim saiu!
Infelizmente bons ventos não sopraram na direção da Akella que deixou de funcionar em 2012. Captain Blood foi marcado por uma produção conturbada que o transformou num dos piores casos de development hell da história dos vídeo games. E como veremos mais a frente, pior em mais de um sentido.
Nos anos subsequentes ao anúncio de 2003, a Akella fortaleceu sua parceria com a publisher russa 1C Company, que a ajudou em alguns dos seus lançamentos, e também fechou contrato com a holandesa Playlogic que publicaria Captain Blood na Europa e nas Américas. A equipe precisou se dividir em dois times: o SeaDogs, que trabalhava em Age of Pirates: Caribbean Tales, e o SeaWolves, responsável por Captain Blood. O projeto precisou passar por algumas reformulações ao longo do desenvolvimento que culminou em toda a equipe de SeaWolves sendo vendida para 1C Company, em 2008, depois de uma disputa legal com a Playlogic por conta dos direitos do jogo.
Dois anos depois, a Playlogic declarou falência e Captain Blood, cujo desenvolvimento já tinha se atrasado por meia década, foi cancelado definitivamente. Assim terminaria a história se não fossem dois ex-funcionários da extinta Akella e da 1C Company. Ambos fundaram a publisher SNEG que tomou como uma das suas primeiras iniciativas reviver Captain Blood. A SNEG conseguiu negociar com os antigos donos, obteve os direitos e terceirizou o jogo para o estúdio malaio General Arcade. Em 2024 saiu um novo trailer e, depois de mais um ano de desenvolvimento, Captain Blood finalmente conseguiu chegar em terra firme.
É uma história no mínimo fascinante e é sempre bom ver um projeto vencendo o development hell. Mas no caso de Captain Blood existe um aspecto que eu acho ainda mais curioso. Mesmo adorando esse espírito do bom e velho swashbuckler, o que me convenceu a efetuar a compra foi o fato que a versão que saiu hoje 2025 é a “mesma” que deveria sair décadas atrás. Tanto a jogabilidade quanto os gráficos permaneceram no padrão daquele período de transição entre a sexta e a sétima geração de consoles.

Isso é algo que eu gostaria muito de ver acontecer com Beyond Good & Evil 2, outro notório exemplo de development hell, pois a versão que eu gostaria de jogar não é aquela do trailer de 2017. Meu sonho era poder ter em mãos o jogo que estava em pré-produção em 2008. Sendo assim, Captain Blood poderia abrir um ótimo precedente para outras empreitadas de resgatar jogos antigos que não tiveram a chance de serem concluídos. Contudo há um pequeno problema nessa história toda: Captain Blood é horrível!
Mas uma coisa fique clara, Captain Blood não é ruim porque é um jogo de 20 anos atrás sendo lançado hoje. Se o jogo tivesse saído em 2006, ele ainda seria comparado negativamente com seus pares como Devil May Cry e God of War. Até se você pegar um daqueles hack ‘n slash mais genéricos feitos para capitalizar em cima de uma propriedade intelectual popular ou apenas surfar na onda do gênero, ainda tem altas chances dele ser melhor que Captain Blood. Não é que “os padrões de hoje” se elevaram, isso é conversa de gamer que é incapaz de ir além da superfície do mainstream e eu já falei sobre o que acho dessa falsa percepção sobre jogo datado. Captain Blood é apenas um jogo ruim e ponto!
O combate acaba ficando terrível por uma mistura de problemas técnicos e uma ação sem ritmo. As fases são longas demais, com muitos inimigos que são esponjas de dano. Não há qualquer desafio além das hordas de soldados e piratas que você encontra em cada estágio e assim em pouco tempo o jogo fica muito repetitivo e enfadonho. Até mesmo o uso do personagem de Sabatini é nada mais do que perfumaria, uma vez que o Capitão Blood é reduzido a um action hero genérico de vídeo games. O mesmo se estende ao restante do elenco de que nada se distanciam de stock characters com um design estilizado.
Não que eu quisesse que Captain Blood se assemelhasse ao filme ou ao livro, até porque muitas liberdades criativas são necessárias para se construir uma gameplay que engaje. Só me incomoda o pouco de substância que é dada aos personagens e aventura em geral. Nenhuma fase ou vilão se torna minimamente marcante e parece que apenas estamos pulando de cenário em cenário para preencher espaço. Como eu vou passar a dizer de agora em diante, quando você chega no último chefão e a reação do seu jogador é “quem é esse cara?”, você fez algo muito errado no seu jogo. Nem estou exagerando, porque o único motivo de eu saber que aquele personagem era o vice-rei foi porque isso estava escrito na conquista que liberei ao vencê-lo.
Claro que dá sempre para argumentar que Captain Blood não tem qualquer pretensão narrativa, pois como hack ‘n slash é a ação. Não concordo, mas respeito bem pouco o argumento porque realmente é um gênero que precisa pensar mais na sua jogabilidade. Ainda mais considerando a sua inspiração no gênero dos swashbucklers que carregam desde a sua gênese os grandes duelos de espadas.
Porém, como eu disse, o jogo também peca nesse aspecto e não dá para enfatizar mais como o combate do jogo é ruim. Novamente, reforço que não é por se tratar de um projeto iniciado 20 anos atrás e que tentou se manter o mais fiel possível à sua visão inicial. A questão é que foi uma gameplay mal executada e tudo me leva a crer que isso veio da fonte.
Captain Blood tem suas raízes nos jogos de ação, em especial os beat’em ups, que transacionavam do 2D para o 3D. Assim ele mantém aquele conceito simples e efetivo de controlar um personagem contra hordas e mais hordas de oponentes. Para tal, você conta com uma série de combos que pode desbloquear com o ouro coletado ao derrotar inimigos, uma pistola que mais parece uma escopeta e granadas. Blood também pode aparar ou se defender de golpes, principalmente de inimigos com armas de fogo, ou então rolar para escapar desses mesmos ataques. Além disso, uma barra de fúria permite que você tenha um boost temporário de força.
A gente nota aqui que em algum momento o desenvolvimento de Captain Blood sofreu influência direta God of War, pois além de apresentar quick time events (QTEs) o jogo conta com golpes finalizadores quando o inimigo está com o HP muito baixo. No começo você tem um único finalizador, porém pode habilitar mais três com efeitos diferentes: um rouba a arma do seu oponente, o outro te concede mais fúria e o último mais moedas. Por fim, há um mínimo de exploração com alguns baús contendo poções de vida, refil de granadas e moedas espalhados em cada fase.
Com isso poderíamos ter uma garantia de um jogo pelo menos divertido, já que até o mais genérico dos hack ‘n slash consegue tal feito. Entretanto os pormenores da jogabilidade, somados a uma gama de problemas técnicos, diminuem a experiência. Alguns desses problemas dá até para relevar como a péssima mixagem de som de Captain Blood. Não só os diálogos não parecem sincronizar direito com a cena como também as vozes, e às vezes até a música, ficam muito baixas. Por outro lado, alguns sons de ambiente, como quando você passa próximo de uma cachoeira, ficam tão altos que quase estouram o áudio. Já outros problemas…
Comecemos com algo que por si só já gera muita frustração para o combate, o auto-lock. Teoricamente a mira do Capitão Blood fixa automaticamente nos seus inimigos, porém ela “quebra” com uma imensa facilidade. Um dos primeiros inimigos que surgem no jogo é um soldado com um mosquete cujo padrão de ataque é ganhar distância, atirar, recarregar, atirar de novo e caso você chegue perto ele te dá uma coronhada e corre. Você pode defletir as balas com facilidade apenas defendendo ou então pode rolar para cima do soldado. Contudo, várias vezes nesse processo você perde a mira e acaba fatiando o ar. Nem mesmo a pistola é uma garantia porque com frequência o personagem atira para o lado errado.

Aí vem o combate corpo-a-corpo. Os combos do Capitão Blood até são capazes de parar os inimigos mais fracos, porém logo chegam oponentes cujos ataques só podem ser cancelados por finalizadores. A defesa se torna inútil já que a maioria desses inimigos mais fortes usam ataques com um brilho amarelo que não dá para bloquear. O que se torna mais comum é acertar seus oponentes ao mesmo tempo que eles te causam dano, ou então adotar a mesma estratégia de Dark Souls de atacar, rolar, atacar, rolar. Como muitos desses inimigos são esponjas de dano, rapidamente o combate se torna moroso e muito repetitivo.
Ah, já que mencionei os problemas técnicos, convido a todos para enfrentar alguns inimigos no meio de uma escada para ver o que acontece.
Outro ponto baixo da gameplay de Captain Blood é como o combate é o único desafio – e acho que o mais correto seria falar “desafio” – que você encontra ao longo de todas as fases. Não há um puzzle sequer, nenhuma tentativa de fazer algo minimamente diferente além de derrotar mais uma horda de inimigos. O máximo que o jogo consegue pensar são passagens em que você precisa usar um aríete para derrubar uma porta que leva mais tempo do que deveria para cair.
Os QTEs também são mal empregados, às vezes com baixo tempo de reação e outras vezes com problemas de detecção. Mas o pior é como eles aparecem do nada em meio a uma cutscene te pegando desprevenido. Uma passagem que eu me recordo é um diálogo em que, de repente, surge um QTE no meio da cena. O diálogo continua normalmente de novo só para ter outro QTE mais a frente do nada. Não chega a ser um problema tão grande assim, mas vira mais combustível para frustração.
Existem alguns indícios que o jogo tinha outras ideias para ampliar sua gameplay que foram abandonadas pelo meio do caminho. Por exemplo, na primeira fase o Capitão Blood é acompanhado do seu comandante, Jeremy Pitt. No final desta seção nós podemos controlar esse personagem numa invasão a um navio espanhol. Isso nunca volta a se repetir no jogo, criando a impressão que Jeremy era para ser um personagem desbloqueável, mas que descartaram a ideia. Até mesmo os momentos que o ele volta a te ajudar nas lutas são muito esparsos.
Admito que estou sendo um pouco injusto ao falar que Captain Blood não tenta fazer algo diferente, pois ainda existem as fases de batalha naval. Só que essas são de longe as PIORES partes do jogo, logo eu nem gosto de lembrar que fazem parte da gameplay.

até para questionar se são de fato seções diferentes, afinal você não controla o navio. Pelo contrário, você segue com o Capitão Blood e agora tem que se locomover de um lado para o outro no convés disparando canhões nas naus inimigas. Para dificultar um pouco a sua vida, os canhões precisam esfriar para você poder usá-los novamente enquanto tem que desviar dos disparos das outras embarcações. Inimigos também podem abordar o seu navio caso você não consiga destruir seus barcos a tempo.
Esses embates navais poderiam servir como uma forma de dar um gás na gameplay de Captain Blood, mas são apenas outro combustível de frustração. O intervalo entre os disparos das naus inimigas, geralmente uma de cada lado do seu navio, acontecem em intervalos muito curtos de modo que você precisa ficar rolando constantemente. Quando os soldados invadem o seu convés, isso piora. Você não tem tempo o bastante para atacá-los, desviar das balas e nem usar os seus canhões. É uma bagunça nada desafiadora e sim chata, chatíssima, que te faz rezar para aquela fase terminar logo.
É muita infelicidade para mim que Captain Blood seja um um hack ‘n slack tão ruim. Não é nem porque eu gosto tanto de swashbucklers e mais porque eu queria muito que esse jogo abrisse um precedente positivo para o resgate de projetos que nunca foram finalizados. Agora vai virar só mais um exemplo pro gamer médio reclamar de “jogabilidade datada” sem qualquer nuance. No fim, a história do desenvolvimento conturbado de Captain Blood é muito mais interessante do que o próprio jogo.
Para não terminar o texto numa nota tão negativa, eu queria tirar um tempo para recomendar um ótimo swashbuckler que apareceu uns anos atrás: En Garde!. Esse sim carrega o espírito do gênero muito bem, te colocando na pele de uma heroína original, carismática e muito divertida, Adalia de Volador. É um jogo bem curtinho, mas que faz valer o seu tempo. É um combate criativo e bem humorado que não se deixa cair tanto na repetição pela quantidade de interações com elementos do ambiente. Gostaria muito que mais pessoas conhecessem esse excelente indie que torço para um dia ter uma sequência.
Quanto a Captain Blood… melhor ir ver o filme do Errol Flynn!
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