
Clair Obscur: Expedition 33 é o primeiro jogo do estúdio francês Sandfall Interactive e também um dos destaques de 2025. É um sucesso inegável, mostrando que existe por público para títulos originais e RPGs de turnos. Outra façanha do jogo foi de gerar as piores takes do ano que eu já não aguento mais ver na minha linha do tempo. Ainda mais quando parte de gente que parece que descobriu esse tipo de combate com Baldur’s Gate 3. Uma take que vem se repetindo com certa frequência é a de que Clair Obscur: Expedition 33 é um dos melhores indie do ano. Só essa semana eu me deparei com esse discurso em três ocasiões distintas, mas apenas uma vale a pena destacar.
Quase uma semana atrás, passou na minha linha do tempo a postagem de algum gamer aleatório falando como em 2025 os jogos indie deram um tapa na cara dos AAA. Para ilustrar sua afirmação ele decidiu destacar três exemplos, o já citado Clair Obscur: Expedition 33, Hell is Us e Cronos: The New Dawn. Acho que vocês já podem imaginar o tamanho do carinho da torcida nos comentários. Deboches e grosserias à parte, as pessoas tinham um ponto: nenhum desses jogos são indie. Hell is Us tem uma publisher francesa, a Nacon (antiga Bigben Interactive), e Cronos: The New Dawn é da Bloober Team, que não é um estúdio independente há um bom tempo.
Clair Obscur: Expedition 33 não é um caso mais complicado de se explicar. Na real, é tão fácil quanto os outros. O jogo tem como parceira a Kepler Interactive, uma publisher britânica que surgiu em 2021 e ficou mais conhecida por publicar o excelente Sifu. A Kepler não apenas cuidou da distribuição de Expedition 33, ela ajudou a financiar o projeto. Estima-se ter um orçamento de na casa dos 30-40 milhões de dólares. Foi graças a esse capital que a Sandfall pôde investir muito na sua produção, com tecnologia de captura de movimento, contração de vários músicos para compor trilha sonora e até mesmo chamar atores renomados como Charlie Cox e o Andy Serkis para a dublagem.
Ou seja, Clair Obscur: Expedition 33 não deixa espaço para dúvidas de se tratar de um jogo AA. Ele já é um dos principais exemplos. Entretanto, ainda tem quem insista em tratá-lo como indie e eu não acho que isso seja apenas um erro ingênuo.
Se formos generosos, dá para considerar que isso em parte é um eco de uma narrativa falsa que circulou durante o lançamento do jogo. Tendo em vista o seu sucesso, começaram a destacar que Clair Obscur foi concluído “por apenas 30 desenvolvedores”. Contudo isso é só meia verdade. Realmente a Sandfall tinha uma equipe por volta de 30 funcionários, mas ela também contou com muito serviço terceirizado nas animações de batalha, trilha sonora e QA do jogo. Ela até pode estar bem longe das equipes quilométricas de uma Rockstar Games, Naughty Dog ou Santa Monica Studio, mas ao mesmo tempo não está próxima do operacional dos estúdios independentes.
O meu lado mais conspiracionista acredita que esse discurso parte uma galera que não apenas não costuma jogar títulos indie, como também tem um inconsciente (às vezes consciente) desprezo por eles. Eu sempre gosto de lembrar que quando Balatro concorreu ao GOTY só faltou o gamer médio abrir uma petição contra a sua indicação. Mas sim existem jogos indie que são celebrados quando ficam absurdamente populares. Só que esse tipo de movimentação que vi esses dias, e já me deparei com ela em outros momentos, costuma se voltar a um tipo bem específico de jogo (não) indie.
Sabe aquela postagem que citei ali no começo? Além dos exemplos, o autor fez um comentário adicional:
A UE5 pode irritar mto com suas tenebrosas otimizações, mas ñ podemos negar q sem ela, estúdios menores ñ fariam jogos com visuais de alto padrão, como esses.
Acho curioso que, de todas as características que ele poderia elogiar desses jogos, ele escolheu destacar os gráficos. Não a direção de arte, nem nada, pura e simplesmente os gráficos. Ok, ele falou visuais, mas é sinônimo. Gráficos estes que ele classifica de “alto padrão”. Aqui nós podemos nos perguntar sobre qual seria esse padrão? Ora, ora, essa é fácil! Coincidentemente é um padrão que se assemelha muito aos dos jogos AAA.
Isso não é de hoje. Para mim não é nenhuma surpresa que quando vejo essa galera batendo palmas para os (não) indie, são jogos quem tem essa cara:
E não jogos com essa cara:
Eu posso até estar sendo um pouco injusto nessa observação, mas me chama muita atenção como é comum ver gente empurrando como indie os jogos que eu costumo dizer que tem “gráficos de Unreal Engine”. Não que exista um padrão estético no cenário independente, ainda que certas tendências ocorram de tempos em tempos. É justamente o oposto porque o cenário independente é um espaço para experimentação. Se você comparar Undertale, Stardew Valley, Hollow Knight, Cuphead, Limbo, Inside, Tormented Souls, Unsighted, Blue Prince, entre outros; o que mais tem entre eles são direções de arte diferentes. Tem pixel-art, tem animação tradicional, tem modelagem 3D com vários estilos de renderização, tem de tudo. Recentemente meu amigo PC me fez lembrar de Scarlet Deer Inn, um jogo de aventura cuja animação é feita digitalizando personagens bordados.
Mas quando chegam os tais fantásticos jogos indie que tão dando tapa na cara dos jogos AAA, eles escolhem justamente aqueles que tem mais “cara de AAA”. Logo, o que me incomoda nem é o esvaziamento ou mau uso do termo, tanto que nem abri a discussão aqui do que define um jogo como indie. O que me incomoda é como o que norteia essa discussão são as qualidades estéticas. O jogo pode até ter outros pontos fortes, mas o que enche os olhos do gamer primeiro são os tais visuais de alto padrão.
Aliás, esse é um tipo de discurso que afeta até os próprios jogos AA. Vamos pegar aqui o maior símbolo do gamer médio no YouTube brasileiro, Davy Jones. Vejam qual foi a reação dele ao trailer de anúncio de Sifu:
Eu entendo que gosto é uma parada muito subjetiva, sem contar que eu tô cada vez mais Diggo das ideias com o Davy Jones. Mas vai me dizer que esse trecho não passa uma energia de que ele só achou Sifu ruim assim de primeira porque não os gráficos não tinham o mesmo padrão dos jogos mainstream do PlayStation?
De novo, eu reconheço que posso estar sendo injusto. Felizmente tem outro exemplo mais emblemático. Por que um jogo como Dave the Diver, outro AA e que foi desenvolvido por um estúdio que era uma divisão da gigante coreana Nexon, foi chamado de indie? A informação estava lá na internet pra qualquer um que se dispusesse a procurá-la. Mas para que se dar o trabalho se Dave the Diver tem “cara de indie”?
Também não precisamos ficar só nos gráficos. Tem outro lado que acho tão pernicioso quanto que é a questão do escopo. Lá em 2023 com o fenômeno de Baldur’s Gate 3 eu vi gente falando como a Larian Studios “elevou o nível do cenário indie”. Isso não cria uma expectativa apenas irrealista para a vasta maioria desenvolvedores independentes, isso cria uma expectativa errada. Um jogo como Baldur’s Gate 3 existe com aquele tamanho e nível de detalhe porque a Larian era um estúdio com mais de duas décadas de existência e que tinha mais de 400 funcionários trabalhando no projeto. Uma realidade muito diferente de uma Sabotage Studio ou Omocat.
Por isso que tem que ser chato mesmo com quem fica chamando jogos como Clair Obscur: Expedition 33 de indie. Sinceramente, para mim isso é até ofensivo com os desenvolvedores independentes que sabem essa galera torce o nariz ao ver um jogo com escopo pequeno e que não se alinha às tendências de gameplay do mainstream. Porque a mensagem que essa galera está passando de verdade é que eles adoram jogos indie… contanto que eles pareçam com jogos AAA!
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