Preservando a memória de antigos  fóruns de RPG Maker como a RPG Menace
A primeira comunidade a gente nunca esquece

Mês passado, no Dia dos Pais, eu fui almoçar com meu velho num restaurante que ele gosta perto de onde eu moro. Depois do almoço a gente foi dar uma volta. Passamos por uma rua que ele conhecia dos tempos em que trabalhou como entregador. Meu pai foi me contando suas memórias sobre a rua, de como ela costumava ser movimentada e ficou chocado com a quantidade de lugares que fecharam.

Quase uma semana depois a lembrança daquela conversa veio na minha cabeça. Aconteceu quando eu escrevia o BO da Semana sobre o fim da loja do Xbox 360. Nesse texto eu uso a notícia como um gancho para falar de outro assunto que no caso é a pirataria que sempre foi tão presente na comunidade gamer. Nele eu argumento como se tornam cada vez mais necessários os jogos piratas para assegurarmos a preservação da história dos vídeo games. Hoje em dia tem muito jogo que sobrevive apenas na memória de alguns jogadores mais velhos.

Essas duas palavras ficaram ecoando na minha cachola: preservação e memória. Isso tudo se conecta ao RPG Maker que é um tópico que, de uns meses para cá, se tornou recorrente no blog.

Tecnicamente a primeira vez que o tema passou por aqui foi no texto sobre a série de jogos The Strange Men Anthology. Os jogos foram criados no Wolf RPG Editor que eu costumo chamar de primo do RPG Maker. Mas ali eu fiz uma mera menção honrosa. Comecei a falar para valer de RPG Maker quando contei sobre um jogo antigo dessa engine que estava tentando encontrar há mais de anos, porém havia um probleminha. Eu não conseguia lembrar o nome dele – agora sei que era Heart and Soul – e a RPG Menace, fórum onde conheci o projeto e o autor, acabou muito tempo atrás. Já contei a história de como tudo se desenrolou aqui então não irei entrar em mais detalhes desse causo.

Depois disso teve várias outras ocasiões que eu acabei falando sobre o RPG Maker e minha relação com as comunidades brasileiras. Duas que vale destacar são a crítica do Heart and Soul e o artigo sobre Saint Seiya RPG: Asgard Chapter porque ambas tem algo em comum. Nesses textos eu bato muito na tecla do contexto da época. Lá eu conto sobre como era a internet dos anos 2000 quando eu conheci o RPG Maker e também do que eu lembrava daquelas comunidades. Descrevo algumas das características do desenvolvimento de jogos nessa ferramenta e os perrengues que os makers enfrentavam. Velocidades baixíssimas de conexão, dificuldade de encontrar recursos para jogos, tutoriais e ferramentas para edição de imagem, entre muitas outras coisas. Isso tudo sem a perspectiva de ganhar um centavo com seu projeto.

Hoje quando eu olho para essas postagens eu não as vejo mais como meros textos. São pequenas cápsulas do tempo do período de desenvolvimento amador de jogos brasileiros que eu vivenciei e muita gente nem se dá conta que existiu. Aliás, que continua existindo! Ainda hoje temos alguns poucos fóruns que tentam manter o espírito do RPG Maker vivo no Brasil. Aproveito para citar a Condado Braveheart aqui. Essa é uma comunidade histórica que permanece de pé, muito bem organizada e é uma pena que não seja mais movimentada como merecia.

Com o tema da preservação de jogos na cabeça eu me peguei pensando no texto “Abraxas e porque eu admiro os makers”. Eu escrevi dias antes da conversa com meu pai, porém durante esse processo eu tive uma reação parecida com a dele quando visitamos a rua.

Quando eu já estava fechando o rascunho desse texto, eu me lembrei do Tanatos. Esse cara era um habilidoso maker que conheci na segunda vez que frequentei as comunidades de RPG Maker durante a faculdade. O Tantatos era meio arrogante às vezes, mas não deixava de ser muito bom no que fazia. A pira dele não era criar projetos de RPG Maker e sim sistemas dentro da engine para que outros makers pudessem aprender e replicar. Um dos seus sistemas que mais me impressionou foi quando o Tanatos conseguiu dar um jeito de simular o combate de Chrono Trigger – que já falei extensivamente como é um sistema de batalha perfeito – no RPG Maker 2k3. Isso tudo através de scripting de eventos já que essas versões mais antigas não davam suporte para linguagens de programação.

Como eu mencionei o sistema no texto, achei que seria bom adicionar o link com uma demo do sistema pro pessoal poder testar. Fui atrás do fórum que eu frequentava, a Centro RPG Maker, e fiquei feliz em saber que o site ainda estava de pé. Cacei a publicação e, apesar do Tanatos ter mudado de nickname, consegui achá-la. Porém não havia imagens dentro da postagem e quando eu fui clicar no link pra download eu me deparo com:

O site do Tanatos onde ele disponibilizava seus sistemas não estava mais no ar e não encontrei em mais nenhum outro canto. Até achei um outro fórum em que ele divulgou o sistema na versão do RPG Maker VX, entretanto o link de download também redireciona ao site que ele deletou. Foi aí que me veio a percepção que eu provavelmente era uma das poucas pessoas que ainda sabe daquele sistema. Fora o próprio Tanatos, que nem sei como está hoje na vida, apenas eu e provavelmente meia dúzia de pessoas que o conheceram na época ainda tem memórias do que ele fez.

Assim eu enfim entendi o que eu vinha fazendo nesse blog nos últimos meses, talvez inconscientemente. A princípio eu pensei que era só uma nostalgia por aqueles tempos, afinal foi uma época que me ajudou a gostar de jogos. E nas duas vezes que frequentei os fóruns de RPG Maker conheci pessoas talentosíssimas que até hoje admiro seus primeiros trabalhos. Só que não é bem pelas saudades da adolescência e o começo da vida adulta que eu estava falando de RPG Maker. O que eu estou tentando aqui é preservar parte da memória que eu tenho sobre as comunidades porque existe pouquíssimo registro daquele período.

Muito da cultura que se formou em torno dos fóruns de RPG Maker brasileiro já se perdeu quando nomes como Castelo RPG, Casa dos Jogos e Mundo RPG Maker deixaram de existir. Há makers e projetos que hoje só estão aqui na minha cabeça e de mais um pequeno punhado de outras pessoas. E o mais triste é que a cada ano a gente fica mais propenso a esquecê-los. Tem uma porrada de jogos que eu tenho pequenos flashes de memória de jogá-los, mas seus nomes me escapam.

Anos atrás eu descobri esse canal no YouTube, Chitaum-Maker, que fazia vídeos sobre alguns desses jogos do RPG Maker. Alguns títulos que eu encontrei ali eu tinha jogado décadas atrás e não me lembrava direito. Era dos Deuses, Gustavo’s Adventures, A Conta, são nomes que somente quem esteve presente na época vai conhecer. E tem mais jogos ainda que o Chitaum não cobriu e que eu sei que existiram, apesar de não me recordar do nome deles. Esse canal é um dos poucos registros que temos daquele período e corre o risco de um dia ele ser deletado já que faz mais de 6 anos que o dono não publica nenhum vídeo. Quando isso acontecer, mais uma penca de memórias vão sumir junto.

Por isso que eu escrevo tanto sobre RPG Maker. É o que eu posso fazer para ajudar a preservar essas lembranças de um período que tão pouca gente teve contato. Espero que um dia isso motive mais pessoas da minha época, ou até mesmo os mais antigos, a registrar essas memórias também. Seja no papel (digital), seja num vídeo, um podcast, no que for que estiver ao seu alcance. Depende de nós manter essas memórias vivas. Caso contrário todos esses momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas n… ok, eu não vou me apropriar de Blade Runner pra terminar esse texto!


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6 thoughts on “Preservando uma memória: porque eu falo tanto de RPG Maker”
  1. Olá, Belmonteiro! Meu nome é Ronaldo Bento. Sou EX-Professor de Matemática – a disciplina mais amada do Mundo. Escritor amador, Cinéfilo, Gamer que cresceu jogando com seu primo, amigos e vizinhos, lendo muitas revistas sobre games, frequentando os fliperamas e as antigas locadoras de videogames, hoje divido o meu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre educação, games e cinema dentre outros, costumo publicar em fóruns e sites/blogs relacionados.

    Redator das revistas Make The RPG e Make The Game ambas da editora Braveheart.

    Formado em Game Design (25 horas) pela escola EBAC – Escola Britânica de Artes criatividade & Tecnologia. Estou pesquisando o porquê ainda há desenvolvedores Indies (como esse que vos escreve) para um livro, pois fui convidado por um professor/coordenador do curso de jogos digitais da PUC-SP. Pretendo fazer mestrado em Game Design e atualmente estou desenvolvendo jogos simples como portfólio. Enfim, parabéns pela iniciativa em fomentar e promover a “Cultura Maker”, pois infelizmente está fraca. Valeu!

    1. Acabei de ver seu comentário lá na Condado Braveheart e agradeço a aparição. Desejo muito sucesso no mestrado e fiquei bem interessado na proposta desse livro. Não deixe de me avisar quando ele for lançado pra eu encomendar uma cópia! Cada um fazendo sua parte tenho certeza que o espírito do RPG Maker não morre, sobreviveu até hoje e agora temos mais meios de preservar essa história!

      1. “Não deixe de me avisar quando ele for lançado pra eu encomendar uma cópia! Cada um fazendo sua parte tenho certeza que o espírito do RPG Maker não morre, sobreviveu até hoje e agora temos mais meios de preservar essa história!”

        O projeto do livro está apenas no inicio, todavia espero que se realize… O Condado está renovando a sua Revista Maker The Game e solicitando redatores, olha você escreve muito bem. Outro ponto interessante e até mesmo para fomentar o “espírito de comunidade”, também estou escrevendo e-mails para o excelente Podcast Toca do Dragão. O legal é que os entrevistados comentam o e-mail. Eu faço o singelo “Baú do Bento”, pois na adolescência fui piloto da saudosa revista Ação Games e trabalhei em duas locadores de Vídeo e Games. Enfim, sucesso com seu incrível Blog/site!

  2. Tenho o mesmo sentimento e talvez um pouco de arrependimento pelas escolhas que adorei durante os anos de comunidade. Pois como eu sou e era ainda mais assíduo por materiais gráficos, desde personagens em miniatura a facesets, bustos/portraits, iconset e tilesets… Eu colecionava e as vezes distribuía os materiais sem os devidos créditos por não organiza-los devidamente por nome, mas por engine, não gosto de admitir que fiz isso. Meu pensamento sobre redistribuição foi mudando conforme fui adquirindo mais ética e respeito aos artistas (e ficando mais adulto), ainda mais que comecei a produzir minhas artes próprias também e comecei a ver elas serem usadas.

    Então passando o tempo, eu parei de disponibilizar, apaguei o que já havia colocado na internet das artes de outros autores, passando então a disponibilizar apenas uma imagem desfocada/baixa qualidade com poucos materiais para redirecionar as pessoas e deixando em evidente que ao acessar ao site/blog/tópico de origem o usuário deveria seguir os Termos de Uso, você talvez lembre disso na CRM, talvez.

    Porém, 1 vez perdi o HD com meu projeto pessoal junto desses jogos+materiais de anos baixando, estando acomodado ao ter feito o que comentei no parágrafo anterior, eu deixei de baixar novamente por estar facilmente há alguns cliques e eu encontrava o que queria. Porém ao retornar ao cenário maker, eu notei que muita coisa sumiu, não por causa dos próprios autores, mas por causa do sistemas que hospedavam os mesmo sites, temos como exemplos:
    1 – Fórum FSM, onde muitos japoneses disponibilizaram suas artes seguindo o estilo FSM ou com estilo próprio para divulgar seus próprio sites, o movimento era grande e sempre atualizava, o que restou foram resquícios graças ao Web Archive, pelo que andei pesquisando, aparentemente o responsável pelo site, parece ser o Mackie, não confundir com MACK, desapareceu e deixou de pagar as contas já que era o único com acesso a administração.
    2 – Os Índices Japoneses especifico de RPG Maker, eram vários sites diferentes que indexavam os conteúdo os sites para RPG Maker via formulário manuais. Era dividido em categoriais, como a serie RM específica, script, jogo, gráfico face, gráfico ícone, sistemas, mapas e outros. Bastava você enviar um formulário preenchendo o que você fazia, com as tags, url, junto do banner com medidas especificas para padronizar o site em questão, até a ASCII, posteriormente Enterbrain matinha essas listas de makers/usuários e acabou sendo deixado de lado.

    No começo do ano, quando voltei, pela 3ª vez? Bateu a saudade e fui buscar os materiais, vi que como eu, muitos passaram pelas mesmas coisas e eles foram até mais precavidos, salvando em seus computadores esses materiais ou sites, consegui recuperar o material do artista Kazimo/Kazimox, onde não encontrava em lugar nenhum. O que eu fiz? Como dizia um tio meu, “Quem tem boca vai a Roma”, sai perguntando em fóruns gringos, italianos, espanhóis, ingleses, polonês, até chegar no fórum russo e a incrível surpresa ao perguntar no chat (tive que cadastrar) desse fórum, 1 usuário disponibilizou via ImgBB com tempo para exclusão em alguns dias e assim então eu recuperei as artes de faces em Pixel Art realista que já haviam sido perdidas, como recuperei também nessa caminhada até aos Russos, os materiais do MACK, FSM e outros ligados a ele, me dando assim a possiblidade e a ideia de entrevistar um certo artista japonês, junto ao surgimento do ChatGPT que me possibilitou a conversar com ele para solicitar a tal entrevista e ao mesmo tempo encontrei um software da série Maker pela Enterbrain que estava como status “Lost Media” em wiki gringas, não sei dizer se são coincidências, não é mesmo?

    1. Infelizmente essa preocupação em preservar essas coisas só vem quando a gente está mais velho. Mas fico feliz que você tenha conseguido recuperar parte do que havia sido perdido. A gente não vai conseguir restaurar tudo – tem uma porrada de jogo que eu tenho certeza que nem mesmo o autor tem mais e como foram upados nos tempos de Rapidshare e MegaUpload pode dar adeus aos arquivo – porém é bom conseguir salvar o que dá. Principalmente pra deixar pra aqueles que ainda chegam no RPG Maker e tenham interesse em conhecer a sua história!

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