Para quem já me acompanha há algum tempo sabe que eu tenho o costume de iniciar coisas do nada sem motivo aparente. Isso vai desde RPGs de mais de 30 anos de idade até animês mecha da década de 80. É assim que a minha cabeça funciona e nos últimos meses a bola da vez foi os tokusatsus. Especificamente Kamen Rider. Ainda mais especificamente Kamen Rider Black.
Tudo começou com um relógio esquisito acredito eu quando decidi jogar um fangame brasileiro feito no OpenBOR de Jaspion. De novo, sem qualquer motivo aparente. Eu nunca tinha visto um episódio sequer da série. Porém, como eu estou há uns anos retornando aos jogos de beat’em up pouco a pouco, me deu vontade jogar.
Depois que eu zerei, bateu uma curiosidade de conhecer um pouco mais desse universo dos tokusatsus. Até então meu único contato tinha sido através do Godzilla original de 1954 e o seu reboot, Shin Godzilla, de 2016. Havia muitos caminhos pelos quais eu poderia começar, mas decidi ir pela estrada dos Kamen Riders.
Tal como muita coisa da cultura popular, nacional ou estrangeira, eu não sou estranho ao nome de Kamen Rider. Jiraya, Super Sentai, Spectreman, entre outros, são todas séries que eu consigo identificar no entanto nunca me dispus a conhecer a fundo. No caso do Kamen Rider o mais próximo que eu cheguei da franquia foi a vez que baixei Kamen Rider Den-O. E só fiz isso para pegar dois frames pra fazer um meme em alta definição. Vocês sabem qual!
Algo que me levou a começar por essa franquia foi porque tinha ouvido falar algumas coisas de Kamen Rider Black Sun. Esse é um reboot da série de 1987 lançado ano passado em comemoração dos 35 anos de Kamen Rider Black. Após terminar essa série eu resolvi dar continuidade retroativamente com as outras versões, a série e o mangá, que foram produzidas simultaneamente.
Para o resumo da ópera, gostei bastante de todas elas, uma bem mais do que as outras. Acho que foi uma ótima escolha para criar meu interesse por mais outras séries, e talvez filmes, que compõe o universo dos tokusatsus. Vou começar alguma outra série agora? Definitivamente não!* Eu tenho outras pendências a resolver, porém estou inclinado a voltar no futuro.
*bom… comecei a ver Jaspion enquanto escrevia esse texto!
De qualquer forma, por ter sido um início satisfatório, conclui que seria uma boa ideia registrar o evento. Portanto, farei algumas divagações sobre as duas séries e o mangá dando as minhas impressões gerais sobre Kamen Rider Black. Para esse texto eu não vou seguir a ordem na qual iniciei cada uma dessas versões e sim na que acho mais apropriada para analisá-las. Portanto falaremos seguindo essa linha: mangá -> série de 1987 -> reboot.
Por fim só gostaria de pontuar que haverá SPOILERS de cada uma das histórias, então siga pela sua conta e risco.
O MANGÁ DE KAMEN RIDER BLACK
Para falar de Kame Rider Black primeiro temos que falar de Shotaro Ishinomori. Ele foi um dos grandes autores japoneses da sua época, responsável pela criação de muitas das obras conhecidas do tokusatsu além de Kamen Rider. Mas aí que reside um problema porque eu não sei nada sobre o Ishinomori!
Só foi recentemente que eu tive um contato maior com mangás então eu ainda tenho muito que conhecer sobre a história dessa e de outras mídias japonesas. Das obras do Ishinomori, tudo que eu vi até o momento foram os dois mangás de Kamen Rider, o de 1971 e o Black. E em relação a carreira dele, o que sei foi uma leitura bem superficial sobre sua influência nos mangás, animês e no tokusatsu.
Felizmente eu não vim sozinho para essa batalha e conto com a ajuda do historiador da arte, Rafael Machado Costa. O Rafael é o criador da Ilha Kaijuu, um canal do YouTube que faz críticas de histórias em quadrinhos e outras mídias na perspectiva da história, teoria e da crítica de arte. Coincidentemente conheci o canal dele mais ou menos no mesmo período que iniciei Kamen Rider. Nos seus vídeos o Rafael dá um enorme contexto histórico e cultural do Japão, como também fala do próprio autor. Isso me ajudou horrores para compreender a sua obra.
Por isso eu vou deixar aqui no texto dois dos vídeos dele que mais me ajudaram nesse processo, começando pelo do mangá.
Quis esclarecer esse ponto antes para não fingir que entendo das visões do Ishinomori e pedir um pouco mais da compreensão de quem já está familiarizado com esse cenário. Não vou aqui ir a fundo nas referências históricas, filosóficas e culturais que influenciaram tanto a obra do Ishinomori e as que ele mesmo construiu. Eu não tenho esse tipo de conhecimento, para isso deem uma olhada nos vídeos da Ilha Kaijuu. Lembrem que o texto parte da perspectiva de alguém que apenas leu dois mangás do Ishinomori e viu duas séries de Kamen Rider.
SINOPSE DE KAMEN RIDER BLACK (MANGÁ)
O jovem Kotaro Minami se encontra perdido nas ruas de Nova Iorque e sem memórias. O rapaz é perseguido por um estranho homem que se transforma num monstro. Durante a fuga Kotaro se encontra com uma equipe de TV, cujo um dos membro é morto pela criatura. No confronto, Kotaro descobre que ele mesmo pode se transformar numa espécie de homem-gafanhoto, virando o homônimo Kamen Rider Black.
Kotaro então viaja pelo mundo tentando recobrar suas memórias e entender o que aconteceu com ele. Nessas aventuras ele descobre a existência da misteriosa Gorgom, uma sociedade secreta milenar que busca dominar o mundo que ele é uma parte fundamental para atingirem esse objetivo.
REVISANDO O KAMEN RIDER
Antes de ler Kamen Rider Black eu também li o primeiro mangá de Kamen Rider que o Ishinomori escreveu em 1971. Os motivos foram dois. Primeiro porque era muito mais rápido do que assistir os 93 episódios da série original. E segundo porque achei que seria interessante analisar Kamen Rider Black comparando com o antecessor. Como tem 16 anos de diferença entre eles, dá para observar facilmente o amadurecimento do autor. E aqui não digo no sentido de falar de coisas mais “sérias/adultas”, esse tipo de bobeira de internet. Me refiro a evolução do Ishinomori na sua arte e capacidade de contar histórias e debater os temas contemporâneos a sua época.
Vale destacar que esse mangá foi produzido enquanto a série também era transmitida. Eu não sei os detalhes do desenvolvimento de cada um então fica num dilema “o ovo ou a galinha”. Mas independente disso, ambas essas produções vieram após 6 anos do lançamento da série Kamen Rider Super-1 que aconteceu em 1981. Nesse cenário, o Ishinomori vem num momento oportuno para não apenas de dar continuidade ao legado da sua própria criação, mas como também tomar a chance de revisá-la para um novo contexto histórico do Japão. Com isso o autor traz novos temas que se alinham com as discussões daquele período, fazendo uma releitura do seu próprio personagem.
Isso já parte da forma como ele escolhe representar o grupo antagonista dessa história. As organizações secretas, pelo que eu consegui pesquisar, sempre foram um elemento comum das séries de Kamen Rider da Era Showa. Mas que o Ishinomori faz em Kamen Rider Black é transformar a Gorgom numa espécie de mal ancestral que sempre esteve presente no mundo. E especificamente no mangá, esse mal não tem uma forma bem definida.
A Gorgom não tem um “rosto”. Nós até sabemos dos seus objetivos finais, vemos diversos capangas, em um capítulo até esbarramos com dois grupos de cientistas que conduzem alguns experimentos para os vilões. Porém quanto mais o Kotaro investiga, menos respostas nós temos sobre o que de fato é a Gorgom. Nunca vemos seus líderes e nunca sabemos direito quais são exatamente seus planos até o último instante em que o Kotaro consegue impedi-los. Nós como leitores ficamos tão perdidos quanto o personagem.
Na minha interpretação, a escolha do Ishinomori foi usar a Gorgom como um símbolo da corrupção das instituições fundamentais da sociedade civilizada. Por isso eu também enxergo a decisão de colocar o protagonista viajando para vários países não apenas como uma forma de mostrar o tamanho da influência dos vilões. Para mim, o Ishinomori foi por esse caminho para nos mostrar como a corrupção se espalha por governos e organizações mundialmente. Esse é o “mal ancestral” que acompanha toda a nossa história humana.
Outro detalhe singular de Kamen Rider Black é como pessimismo do autor cresceu em relação ao futuro do planeta. Isso já tinha sido evidenciado no finalzinho do Kamen Rider de 1971, porém aqui a gente sente isso ao longo da história toda. Existe uma atmosfera de fim do mundo iminente que impregna todo mangá. Ishinomori deixa isso bem claro ao levar Kotaro temporariamente para o futuro num dos capítulos. Lá ele descobre que a Terra será destruída por um ser chamado de Rei Demônio. Acho que essa é tradução correta, mas me corrigem aí nos comentários se eu me enganei.
E aqui entra o que eu achei de mais fascinante na tomada que o Ishinomori seguiu com seu personagem.
O Kamen Rider é esse herói que protege o Japão das terríveis organizações que querem dominar o país e o mundo, criando uma nova estrutura social na qual nem todos podem integrar. Aliás, a crítica as raízes da eugenia e do darwinismo social de movimentos fascistas, pelo visto, é sempre pontuada em várias das histórias do Ishinomori. No Kamen Rider Black fica implícito que o irmão adotivo, Nobuhiko Akizuki, que também foi vítima dos Gorgoms pode se tornar o tal Rei Demônio. Contudo, diferente da série, a forma que o Nobuhiko assume ao se transformar é idêntica a do Kotaro. Portanto, é criada a possibilidade que o próprio Kotaro pode vir a se transformar no Rei Secular e causar a destruição do mundo.
O Ishinomori intencionalmente “mancha” seu próprio personagem, mostrando que nem mesmo o Kamen Rider está imune a esse tipo de corrupção. E o que me deixou mais satisfeito é como o autor nunca te dá uma resposta definitiva. O destino da humanidade ao final do mangá continua incerto.
Kamen Rider Black é uma tomada fascinante não apenas por ser uma obra “sombria”. Sendo honesto, elementos sombrios é o que não faltam na franquia de Kamen Rider. O autor utiliza esse tom para enriquecer os debates que podemos ter em cima da sua criação e nos fazer refletir sobre essas mudanças. Ao mesmo tempo ele consegue nos mostrar quais são suas preocupações com o rumo da sociedade no contexto da época. Isso demonstra a capacidade do Kamen Rider, como conceito, de sempre poder se atualizar para novas gerações e se manter culturalmente tão relevante.
A SÉRIE BACANINHA DE 1987
Eu não tenho certeza o quanto Kamen Rider Black foi importante no Japão, porém aqui não no Brasil há a menor dúvida Brasil. Isso porque essa foi essa a versão e sua sequência, Kamen Rider Black RX, que a antiga TV Manchete transmitiu junto com outras conhecidas séries de tokusatsu. Logo, essa foi a porta de entrada para muitos jovens espectadores da época para o universo dos Kamen Riders. Muita gente ainda guarda muito carinho por Kamen Rider Black e talvez seja uma das séries que mais traz nostalgia para o público aqui do Brasil.
Então não irei negar o impacto que essa série significa aqui para o nosso contexto…. mas eu acho o mangá bem melhor!
Ok, ok, eu sei que esse tipo de afirmação “pra causar” é contraproducente. Mas de verdade eu acho que a execução do mangá de Kamen Rider Black é muito superior a da série. Não estou dizendo que ela é ruim, ela tem várias qualidades legítimas e próprias que irei pontuar mais a frente. Contudo, eu acho que caráter mais autoral do mangá dá muito mais força para os temas discutidos. A série, por outro lado, é só uma boa série de tokusatsu.
Antes de entrar na sinopse, deixa eu fazer um rápido desvio aqui. Queria mencionar que a versão da série que eu assisti foi a da TV Manchete que tem várias diferenças de localização do original. Por exemplo, no Brasil o nome do Kotaro foi, por algum motivo, mudado para Issamu. Também tem como alguns vilões se referem a ele como Sr. Black, onde no original falavam “Black Sun”. Então se eu confundir algum nome ou termo, saibam que foi por isso.
SINOPSE DE KAMEN RIDER BLACK (SÉRIE)
Kotaro Minami e seu irmão, Nobuhiko Akizuki, são capturados pela Gorgom e passam por uma cirurgia que os transformam em ciborgues. Eles foram os escolhidos para ser o sucessor do Rei da Criação, a divindade suprema dos Gorgoms. Portanto, Kotaro e Nobuhiko estão destinados a batalharem entre si para decidir quem assumirá o trono.
Porém, antes que sofra uma lavagem cerebral, Kotaro consegue fugir com a ajuda de seu pai adotivo, Soichiro Akizuki. Após ser perseguido por Darom, Barom e Bishum, os altos sacerdotes da Gorgom, Kotaro consegue se transformar no Kamen Rider Black. Agora com esse poder, ele passa a dedicar sua vida para reencontrar seu irmão e proteger o Japão dos planos de dominação desse grupo.
LEGAL, IMPORTANTE, ICÔNICO! MAS…
Como podem ver, a trama do mangá quanto da série tem suas similaridades num âmbito mais geral, porém uma destoa bastante da outra. Claro que muitas dessas diferenças seriam evidentemente necessárias de um ponto de vista prático. O exemplo mais simples é como a série se passa inteiramente no Japão, acredito que em Tóquio e nas suas redondezas, uma vez que não teria orçamento e logística suficiente para filmar episódios em lugares como Estados Unidos, França, Inglaterra, China, Grécia e Austrália. E, lógico, outras precisaram ser feitas para que a história se adequasse melhor ao formato do show que os telespectadores já estavam tão habituados em assistir.
Uma das qualidades notáveis da série é como ela expande a mitologia dos Gorgoms. Por isso que na série vemos personagens e conceitos como os três sacerdotes da Gorgom, o Rei da Criação, as Kingstones, o Taurus – no original ele é chamado de Bilgenia e deve ter algum significado importante, porém eu prefiro Taurus – entre muitos outros. Por um lado eu gosto de como isso ajuda a diferenciar mais as histórias, agregando uma experiência novo, e o reboot segue essa tendência também. Porém isso invariavelmente torna a Gorgom menos misteriosa e sombria que é o que a torna tão assustadora no mangá.
Outra coisa também que eu desgostei um pouco foi a série não ter a mesma ambiguidade do mangá. Aqui ela é o que eu assumo ser o formato convencional das séries daquela época de Kamen Rider. Vilões e heróis tem seus papéis bem definidos desde o começo. Nós sabemos que o Kotaro é o mocinho e sabemos que o Nobuhiko será, eventualmente, o vilão. E eu não acho que essa foi uma mudança ruim per se, ela funciona para esse tipo de história. Eu apenas prefiro a outra.
Tem alguns elementos mais sombrios na série, contudo ela não chega a ser tão pessimista quanto o mangá. Talvez eu nem diria que é sombria, é mais por conta da inevitável tragédia para a qual a trama se encaminha. A narrativa clássica do herói trágico coloca alguns traços de melancolia na jornada do Kotaro. Ele quer proteger o Japão dos Gorgoms, mas para isso ele sabe que terá que enfrentar seu irmão.
Nós sentimos como isso consome o personagem pouco a pouco. Kotaro tenta ao máximo se agarrar numa vã esperança quede alguma forma conseguirá salvar o Nobuhiko. Inclusive até me surpreendeu como o final não trai esse narrativa tendo aquele conhecido “bittersweet ending”.
Mas acho que o que mais pesou para eu não gostar tanto dessa série quanto o reboot e o mangá tem a ver com o ritmo. E tudo porque eu não sou, ainda, um consumidor de tokusatsu. A série inicia num alto com episódios iniciais fantáscos, mas conforme a gente vai chegando ali pro décimo aparece uma barriga. São 51 episódios onde muitos dali só estão para seguir o formato de monster of the week. Se eu já fosse um fã de tokusatsu talvez eu conseguisse tolerar mais. Porém o resultado foi de que em vários capítulos eu ficava com o pensamento de “me diverti… mas precisava mesmo desse episódio?”.
Claro que de vez em quando surge um conceito interessante que é abordado em algum episódio. Alguns dos meus momentos favoritos são quando a Gorgom tenta criar um partido político que por baixo dos panos reproduz a sua ideologia eugenista. Aliás, acredito que esse episódio serviu de muita inspiração para o partido dos Gorgoms no reboot. Também gosto muito quando introduzem o personagem do Taurus. Ele traz um ótimo conflito porque mesmo estando do lado dos Gorgoms, ele tem seus próprios interesses que batem de frente com os dos sacerdotes. Outra coisa também que adorei na série como um todo foi a cinematografia criativa, principalmente em episódios com uma pegada mais voltada pro terror.
Mas de qualquer forma o volume de episódios me deu uma canseira braba!
A trama só foi me ganhar de novo lá para o final quando o Nobuhiko finalmente surge como o vilão. É nesse momento que muita daquela atmosfera do fim do mundo se aproximando do mangá se estabelece dentro dessa narrativa. Do episódio 40 para frente então, nossa, a série não para de crescer e fecha a história numa nota bem alta.
Honestamente eliminando uns 20 episódios ou mais ali do meio provavelmente eu gostaria muito mais de Kamen Rider Black. Então, resumindo, não é porque eu ache o mangá uma história melhor contada que significa que a série é ruim. Há muitas qualidades nela, só que tenho algumas ressalvas com as decisões que tomaram.
Mas antes de passar para o próximo tópico eu admito que a série tem uma coisa de melhor que o mangá: ela é bem mais acessível. Caso você não saiba nada de Kamen Rider, ela se mostra um bom ponto de partida. Você consegue entender vários dos elementos da Era Showa da franquia e os temas que eram tão caros para o Ishinomori. O mangá, por outro lado, se torna mais valioso quando você tem algum conhecimento prévio porque te faz entender o tem de fascinante nos novos conceitos que o autor traz.
UMA BREVE MENÇÃO HONROSA: KAMEN RIDER BLACK RX
Quem quiser pode pular para o próximo tópico porque esse aqui vai ser bem rápido e talvez genérico. Comecei a ver a sequência da série tem alguns dias e portanto gostaria de falar algumas coisinhas sobre ela.
Kamen Rider Black RX também é também um grande marco na história da franquia. A sequência foi a décima e última produção da Era Showa bem como a primeira série a reprisar o Rider anterior como protagonista. Embora eu ainda não tenha chegado nesse episódio, tenho conhecimento que em RX houve o primeiro evento que reuniu todos os Kamen Riders anteriores.
Na história temos Kotaro Minami novamente assumindo o manto do Kamen Rider para proteger a Terra. Só que dessa vez ele combate o Império Crisis, uma raça alienígena que quer dominar o planeta. Depois de ter sua Kingstone destruída pelos novos vilões, Kotaro sofre uma mutação que o transforma no Kamen Rider Black RX lhe concedendo novos poderes e equipamentos.
Essa é uma série curiosa porque ela tem uma personalidade bem diferente da anterior. O Kotaro, por exemplo, tem um jeito muito mais jovial e brincalhão do que na série anterior. Há também novas transformações e os vilões principais não parecem ser o que tipicamente você esperaria de uma história do Kamen Rider. Tanto é que, acompanhando alguns comentários pela internet vi que o pessoal até considera RX não bem uma série de Kamen Rider. Vi muita gente comentando que ela parece um exemplo Metal Hero, outro formato de série de tokusatsu que estava em alta na época.
Não sei se a intenção foi misturar os dois tipos de série, mas de qualquer forma é uma experimentação inusitada que até o momento tem me agradado muito. Não sei se vou fazer algum texto mais elaborado dela eventualmente, mas fica aqui a recomendação
E ela também é melhor que Kamen Rider Black!
O FANSTÁTICO REBOOT DE KAMEN RIDER BLACK
Se vocês se lembram da minha opinião a cerca desse tipo de adaptação, devem saber que quando eu elogio um remake ou um reboot é porque eu gostei muito dele. E esse é totalmente o caso de Kamen Rider Black Sun. Eu não poderia ter escolhido uma série melhor pra me iniciar na franquia.
Como eu mencionei lá no início, eu tive curiosidade de assistir Kamen Rider Black Sun porque ouvi pessoas falando sobre ele. Porém note que eu não disse exatamente que ouvi “coisas boas”. Meu primeiro contato foi com xingando a série por ela ser L A C R A D O R A. Olhando o perfil dessas pessoas já dava pra saber que provavelmente era um exagero. Eram aqueles mesmo tipos de reaças que dizem que qualquer coisa é comunismo. Por isso não foi nem surpresa ver que toda essa suposta “lacração” foi apenas pela série dizer: racismo existe e o Japão cometeu crimes de guerra!
Obviamente a série foi muito mais sofisticada do que a minha colocação. Só quis destacar dois dos principais temas que ecoam nessa versão que são suas maiores qualidades. Se o mangá veio como uma forma de revisar o personagem, o reboot revisa a série original trazendo um discurso ainda mais político para dentro dela. Isso não é uma novidade se considerarmos que vários desses temas já eram pontuados na obra do Ishinomori. O valor que eu vejo é que o reboot é mais acessível pela sua contemporaneidade. Ao mesmo tempo que ele fala do presente, ele também tem muitas críticas a história do Partido Liberal Democrata (PLD) do Japão.
Portanto, para falar Kamen Rider Black Sun precisamos falar da história política do Japão. E obviamente que eu também não sei nada sobre isso! Mas aí que o Ilha Kaijuu pode nos ajudar de novo:
SINOPSE DE KAMEN RIDER BLACK SUN
Em 2022 o Japão vive uma crise após o governo determinar a coexistência entre humanos e kaijins, uma raça de seres mutantes que podem assumir a forma humana ou de animais antropomorfizados. No meio desse caos, a estudante Aoi Izumi luta para garantir que os kaijins consigam seus direitos perante a sociedade japonesa.
Ao mesmo tempo que essa crise ocorre, Kotaro Minami e Nobuhiko Akizuki, ex-membros da Gorgom, um movimento revolucionário que tentou lutar pelos kaijins durante os anos 70, se veem novamente no centro de uma conspiração por serem os escolhidos a tomar o lugar do Rei da Criação e o conflito das suas ideologias determinará o futuro da sua raça.
KAMEN RIDER É POLÍTICA QUER VOCÊ GOSTE OU NÃO
É engraçado ver essas reações achando que o reboot politizou a série demais quando isso sempre foi uma marca da franquia. E, como o Rafael falou no outro vídeo, de todas as obras do Ishinomori. Mas eu sei o porque disso.
Se você quiser, dá para fazer uma leitura negacionista da série de 1987, onde muitos conheceram Kamen Rider, focando exclusivamente nos elementos de super-herói. Uso negacionista aqui porque, para ter essa leitura, você tem que intencionalmente ignorar todos os pontos da série onde ela mostra seu lado político.
Exemplos não faltam! Na própria concepção a Gorgom a vemos cooptando várias instituições do Estado para poder executar seus planos. Como eu já tinha mencionado, um episódio que é dedicado a mostrar a Gorgom formando um partido político. Esse partido tem uma fachada de lutar pelo bem-estar, comunitário, só que longe dos olhos do público eles na verdade se livraram de cidadãos que não são considerados úteis para a sociedade. Um dos membros da Gorgom, o Homem-Baleia, muda de lado e se alia ao Kotaro quando descobre que os vilões poluir os oceanos para alcançar seus objetivos. Esse último não é nem um caso isolado porque a discussão de questões ambientalistas está presente em Kamen Rider desde o mangá de 1971.
Mas com Kamen Rider Black Sun é impossível você fazer esse tipo de leitura negacionista. A série escancara todos esses tópicos políticos em cada um dos seus episódios. Você não precisa nem mesmo estar ciente da história política japonesa para perceber todos os temas que o reboot discute do primeiro até o último episódio.
Só para ilustrar, a gente já começa a história numa manifestação promovida por ultraconservadores que querem expulsar os kaijins do Japão. Esse grupo se choca com um segundo, formado por kaijins e apoiadores da luta pelos seus direitos civis, iniciando uma briga. A policia precisa interceder para controlar a situação, porém adivinha qual dos dois grupos que é agredido? Existem várias referências a brutalidade policial e como essa corporação é usada como um braço do Estado para oprimir a população segundo os interesses dos seus governantes.
Portanto Kamen Rider Black Sun não está politizando a franquia, ela sempre foi política!
O que reboot faz, e faz muito bem, é aglutinar todas essas questões que o Ishinomori pontuou ao longo da sua carreira. É quase como uma forma de dizer que se ele estivesse vivo essas discussões estariam todas presentes nos seus novos trabalhos.
O fato de agora os verdadeiros antagonistas não serem nem uma organização secreta nem uma sociedade milenar, e sim o próprio governo do Japão, que usa toda sua influência para esconder seus crimes, é o jeito da série mostrar sem espaço pra qualquer dúvida o que o criador de Kamen Rider esteve sempre falando,
A escolha de centrar as críticas ao PLD e o atual governo japonês no personagem do primeiro-ministro Shinichi Donami, que é quem articula todos os esquemas sombrios por trás da origem e criação dos novos kaijins, é mais uma forma de referenciar o legado de Kamen Rider. Eu não tenho tanto repertório assim para pontuar muitos exemplos, mas no mínimo conhecimento que tenho posso falar do final do mangá de 1971. Lá nós descobrimos que o supercomputador que a Shocker planeja utilizar no seu plano de dominar o Japão não é uma criação original dessa organização. Ele na verdade foi feito pelo próprio governo, como uma forma de controlar a população, e a Shocker só precisou se dar o trabalho de roubá-lo quando estava quase operando.
Eu não estou entrando em tantos detalhes da trama e nem dos arcos de cada personagem intencionalmente. Acho melhor deixar as surpresas pra quem se dispuser a assistir a série. Mas também escolhi em focar nos temas porque, para mim, eles são a melhor parte de Kamen Rider Black Sun. Ainda mais aqueles que reboot puxa das outras versões para fortalecer seus próprios conceitos.
Por exemplo, na parte de ação eu senti que o reboot resgatou as lutas mais animalescas que a gente encontra no mangá. Vejo isso como uma decisão que nos mostra como a humanidade ainda se encontra de certa forma bestializada pela brutalidade da polícia e até mesmo da população. Tanto é que a cena mais impactante não é protagonizada por nenhum monstro e sim seres humanos. Em dado momento uma multidão espanca até a morte uma criança kaijin no meio da rua e depois expõe o corpo dela na frente da sua casa.
E esse tipo de brutalidade nem é tão ficcional assim. Pega nosso próprio contexto brasileiro, mês passado completou 1 ano da morte de Genivaldo de Jesus que foi assassinado pela Polícia Rodoviária Federal. E como ele foi morto? Tiros? Não! Os policiais mataram Genivaldo jogando-o num porta-malas e fazendo-o sufocar com gás lacrimogêneo. É esse tipo de barbárie que a gente ainda vê na nossa sociedade.
Quando temos de volta os sacerdotes da Gorgom da série, eles não aparecem como membros de uma sociedade secreta milenar e sim como membros de um partido político supostamente de oposição. Porém ao longo da história percebemos que eles não lutam de fato pelos direitos dos kaijins, apenas segurança e o bem-estar da sua própria elite política. E isso é singular quando olhamos a história política japonesa onde o país já foi descrito várias vezes, por conta da dominância histórica do PLD, como um governo de um único partido.
Isso também é reforça com a figura do Rei da Criação e a ideia que alguém precisa assumir o lugar dele quando ele morrer. Ao meu ver isso é uma forma da série destacar mais uma vez a perpetuação do poder de um único partido. A narrativa trágica do conflito do Kotaro e Nobuhiko, que pode ser interpretado como o conflito de diferentes ideologias dentro de um estado democrático de direito, no final acaba sendo irrelevante porque o verdadeiro inimigo utiliza desse conflito em seu próprio benefício. O que ficamos é com a esperança na nova geração, ilustrada pela personagem da Aoi Izumi, que com muita luta e esforça conseguira alterar esse cenário eventualmente.
Enfim, eu vim pelas lutas e acabei ficando pelas política. Sem zoeira! Pra mim foi o aspecto que tornou Kamen Rider Black Sun uma história tão fascinante. É muito fácil querer reduzi-la a uma história de super-herói gafanhoto, mas a verdade é que Kamen Rider va vai a fundo em temas considerados “sérios” do que dão crédito a ele. Por isso que Kamen Rider Black Sun é mais uma versão que faz jus ao legado do Ishinomori. E se você vai chorar porque “enfiaram política na minha série de bonequinho”, lamento te informar que já fazia isso há décadas, você só não estava prestando atenção!
“CONCLUSÃO”
Hoje não vai ter nenhuma consideração final relevante. Acredito que ficou tudo bem esclarecido em cada um dos pontos anteriores. Foi uma experiência bem legal conhecer Kamen Rider através dessas três versões e me deixou bem curioso para conhecer um pouco mais da franquia.
Nessas horas que eu meteria um call to action no texto pedindo para vocês deixarem recomendações aí nos comentários, mas a verdade é que já tenho meus planos. Em algum momento eu devo assistir: Kamen Rider Amazon, Kamen Rider Agito, aquele do trem lá que citei anteriormente e esqueci o nome e por último Kamen Rider Gaim. Não sei quando eu vou conseguir ver tudo isso, até porque eu tenho que terminar Jaspion e as minhas pendências com Gundam antes de assumir qualquer outro compromisso. De qualquer forma, sintam-se livres para falar das suas séries de Kamen Rider favoritas aí embaixo.
Não garanto que eu vá fazer algum texto sobre essas séries quando assisti-las. Eu escolhi falar de Kamen Rider Black por essa qualidade de ter me introduzido a franquia. Mas, caso algo que me impressione bastante eu tento fazer alguma coisa. No mais, obrigado pela atenção!
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Assisti alguns episódios do black e do rx em vhs quando eu era criança, que tempo bom. Lembro que os monstros do Black me davam medo kkkkk. Quando saiu o remake do black eu resolvi dar uma olhada nos outros riders. Acabei assistindo o Agito e também os dois filmes do shin kamen rider. O novo de 2023 que basicamente faz um resumo da primeira série lançada la em 1971. E o outro filme é de 1992. Gostei dos 3.
Eu tô pra assistir o Agito e o Shin Kamen Rider no futuro. Mas por enquanto estou terminando Jaspion e depois volto pros Kamen Riders. Mas tô querendo assistir o originalzão de 71 primeiro para ver como tudo começou. Felizmente achei um torrent com todos os episódios legendados (em inglês, mas já ajuda bastante)