Cutscene de Dawn of the Monsters que monstra um dos primeiros chefões enfrentados pelos jogadores
Algo me diz que aquilo ali é o chefão

Em 1933 dois diretores, Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack lançaram um dos grandes clássicos do cinema americano: King Kong. Inicialmente, essa era apenas uma história de aventura com alguns elementos de terror. Porém ela se tornaria uma das grandes referências para os filmes de monstros gigantes no futuro.

A partir da década de 50, o cinema passa a explorar com muita frequência a paranoia pós-Segunda Guerra Mundial causada pelo surgimento das armas nucleares. Diversos filmes relacionando os temas de criaturas gigantes com radiação, principalmente oriunda de testes de bombas atômicas, passam a marcar presença nas grandes telas. Um bom exemplo é O Monstro do Mar (The Beast from 20,000 Fathoms), um dos primeiros trabalhos do grande Ray Harryhausen, sobre um dinossauro que é despertado após um testes de armas nucleares numa geleira. Décadas depois, esses filmes de monstros impulsionados por King Kong também surtiriam efeito nos vídeo games, como é o caso de Rampage desenvolvido em 1986.

Mas vamos voltar para os anos 50. Do outro lado do mundo, no Japão, o cineasta Ishirō Honda também daria sua contribuição para a história do cinema. Unindo talentos com o diretor de efeitos especiais Eiji Tsuburaya, ambos criaram outro pilar fundador dos filmes de monstros gigantes: Godzilla. A mesma influência que King Kong exerceu no cinema americano, ele o fez no cinema japonês e depois no mundo. Godzilla catapultou sua própria franquia e abriu um leque extenso de criaturas que ficaram conhecidas pelo termo kaiju. Tais filmes, com frequência, associam-se ao tokusatsu que, embora alguns interpretem como um gênero em si, é quase um termo guarda-chuva.

Tokusatsu é por vezes traduzido como “filmes de efeitos especiais”, o que seria uma tradução incompleta já que o termo abrange também séries live action. As produções se dividem em diversos gêneros – geralmente ficção científica, aventura, fantasia e terror – e são muito populares na mídia japonesa. Hoje elas angariam um nicho de fãs ao redor do mundo.

O que faz os filmes e séries tokusatsu se destacarem é a tradição de técnicas em comum empregadas na sua cinematografia, como maquetes, fantasias e efeitos práticos. Existem hoje centenas de obras dentro desse universo tokusatu que vão desde personagens e obras únicas até franquias multimídia inteiras. Alguns exemplos que podemos destacar são os Kamen Riders – que eu já comentei especificamente sobre a série Kamen Rider Black aqui – Metal Heroes, Ultraman, Super Sentai – que originariam os Power Rangers – outros kaijus como Gamera e também mechas como Giant Robo.

Ufa, foram muitos nomes, né? E olha que só estou arranhando a superfície. De qualquer forma, acho que agora já posso enfim falar de Dawn of the Monsters!

Único modo moralmente correto de se resolver conflitos

Deus sabe como eu tenho mania de ser prolixo, porém conhecer mesmo que superficialmente o que é tokusatsu beneficia bastante a experiência desse jogo. Desenvolvido pelo estúdio indie 13AM Games, Dawn of the Monsters combina as mecânicas de beat’em ups com algumas referências de obras tokusatsu, sobretudo aquelas relacionadas com os kaiju. Na sua premissa, temos uma Terra futurista invadida por misteriosas criaturas gigantes, os Nephilim. A humanidade então cria a DAWN, Defense Alliance Worldwide Network, um grupo que estuda e combate esses monstros. Para isso são recrutados quatro personagens selecionáveis: Megadon, Ganira, Aegis Prime e Tempest Galahad.

Megadon e Ganira são dois dos primeiros Nephilims que surgiram na Terra e, de alguma forma, são controlados pelos operadores da DAWN. Aegis Prime é o codinome de Eiji Murasame, uma clara referência ao Ultraman, um cientista que por conta de um acidente adquiriu a habilidade de se transformar num guerreiro colossal. E por fim tempos Tempest Galahad, um traje de combate gigante pilotado pela Jamila Senai. Com a última DLC lançada, um quinto personagem ingressou no grupo, o Meteor Temujin, que é uma traz o tema de Super Sentai para dentro de Dawn of the Monsters. Que aliás eu não comprei porque eu estou falido então vamos fingir que ela não existe.

Cada personagem tem suas habilidades especiais e alguns atributos diferenciados. Aegis Prime, por exemplo, é o mais rápido dentre os quatro e Ganira pode invocar um minion para ajudá-lo na luta. Além disso, cada personagem tem um status negativo que ele pode causar nos monstros, como Megadon que causa queimaduras e o Tempest Galahad que causa choque. Porém os golpes especiais não consomem vida como beat’em ups mais clássicos e sim as barras de fúria que acumulam de acordo com a destruição que você causa na cidade ou batendo nos inimigos.

Tempest Galahad usando seu poder especial
Dinheiro do contribuinte sendo bem aplicado

Além disso, cada personagem tem uma segunda barra que enche conforme você usa os ataques especiais. Quando fica completamente cheia, ela libera um “limit break” – eu esqueci qual é o termo que o jogo usa então vou partir pras minhas referências de RPG – que você vai querer guardar para chefões e chefinhos. Também existe a possibilidade de usar uma das suas barras de fúria para executar um golpe finalizador em alguns monstros que recupera um pouco de HP do seu personagem.

No mais você tem a mesma jogabilidade associada a qualquer “briga de rua”, porém agora em proporções… kaijutescas? Ataque fraco, ataque forte, bloqueio, dash, dash + ataque, etc. Vou assumir que já conhecem o gênero suficiente para preencher as lacunas por si mesmos. Ou então vejam o vídeo do Savino. Em determinado momento você pode pegar armas deixadas no chão ou então arrancar prédios e outras estruturas do chão. Que pode soar como um detalhe trivial, mas é imensamente gratificante. Existe uma satisfação única em quebrar um arranha-céu na cabeça de um monstro gigante. Dá até para argumentar que esse é outro aceno aos filmes e séries tokusatsu pois cada fase dá a ilusão de estar atravessando uma daquelas maquetes que usavam nos sets de filmagem.

Por fim, vale destacar outro diferencial na jogabilidade de Dawn of the Monsters que é o sistema de aprimoramento. O jogo está dividido em missões e ao fim de cada uma delas você recebe um conjunto de aprimoramentos genéticos que pode equipar nos seus personagens. Eles alteram seus atributos, concedem alguns bônus temporários ou então modificam algum aspecto da jogabilidade para dar mais variedade aos personagens. Quanto melhor o seu desempenho nas fases, melhor são os aprimoramentos que você tem acesso.

Falando nisso, algo que fica evidente é como os personagens, exceto o Aegist Prime, são bem mais lentos do que a média de beat’em ups. Isso pode até incomodar alguns, mas para mim é o que dá o “peso” necessário para criar a noção que você está controlando seres colossais e faz os golpes terem um impacto muito maior. O que eu realmente acho que será frustrante é a estrutura repetitiva das fases que deixa a gameplay um tanto enfadonha em alguns momentos.

Eu não mencionei Rampage lá no início apenas para enfiar mais uma referência goela abaixo nesse texto. O contato que tive com a franquia foi pelo Rampage World Tour, do Nintendo 64, que meu amigo alugou um dia e me chamou para jogar. Lembro que nós nos divertimos demais com o jogo… nos primeiros minutos! Umas dezenas de fases depois já estávamos trocando olhares nervosos de “vai ser só isso mesmo?”. Destruição em massa inconsequente entretém só até certo ponto. A gameplay de Dawn of the Monsters não chega a ficar tão monótona quanto a de Rampage World Tour, porém não dá para ignorar que certas horas o jogo enche um pouco o saco.

Aegis Prime arrancando um prédio em Dawn of the Monsters
Existem limites até para a diversão de porretar um bicho gigante com um prédio

Todo beat’em up possui repetição natural, afinal as fases são uma enorme linha reta em que você precisa derrotar dúzias de inimigos diversas e diversas vezes. Só que é uma repetição que você não costuma sentir graças ao ritmo da gameplay. Já que você está constantemente agindo e reagindo, uma sequência de combate já te leva a outra em poucos segundos, não há tempo para seu cérebro perceber que está executando a mesma ação sempre. O problema de Dawn of the Monsters é que ele cria muitas pausas dentro e entre fases. São nesses espaços que cria-se a oportunidade para o padrão do jogo ficar tão aparente.

A campanha principal se divide entre cinco capítulos, cada um numa região diferente, e cada capítulo tem uma quantidade específica de fases/missões. Cada missão tem o seu “roteiro” com um objetivo diferente que os personagens precisam completar. Porém isso se dá mais no campo narrativo do que propriamente no da jogabilidade. Geralmente o que acontece é: você inicia a fase, anda um pouco até encontrar o primeiro squad de monstros. Você os derrota, recebe uma notinha pelo seu desempenho e anda mais um pouco enfrentando mais um ou dois squads. Aí você passa pelo checkpoint que te leva para segunda metade da fase e o que acontece? Isso mesmo, você anda mais um pouco, enfrente mais uns squads ou então um mini-chefe e completa a fase. Depois inicia-se a próxima missão que terá exatamente a mesma forma da anterior. Agora pensa nisso se repetindo por umas 30 fases?

O jogo até toma algumas escolhas para criar mudanças de ambiente que variem um pouco as coisas como o fato de cada região tem um elemento diferente associado a ela. Na primeira região que é Toronto, por exemplo, a partir de uma certa missão começam a cair raios do céu que você precisa desviar. Já no segundo capítulo nós vamos para Foz do Iguaçu. Você começa numa cidade normal que depois acaba sendo inundada e então você passa a ter que desviar de ondas de tempos em tempos. No Cairo há tempestades de areia e em Tóquio o chão fica coberto por lava.

Ganira e seu minion destruindo um ninho de Nephilims
Acostume-se, tem mais uns três desse negócio para destruir

São escolhas que ajudam a mitigar o caráter repetitivo das fase, porém o padrão continua perceptível. Até porque ele se reproduz no macro também. Toda a região possui a mesma dinâmica: você conclui uma série de missões, a penúltima é sempre sobre destruir um ninho de Nephilims e na fase seguinte você enfrenta o chefão daquela área. É assim em Toronto, em Foz do Iguaçu, Cairo e Tóquio. A última região eu deixarei de surpresa para vocês.

Mas aqui vale destacar que o jogo cria essas pausas por um motivo bem claro. Porque existe uma narrativa que se cria não apenas durante as missões, mas entre elas também. Há sempre uma cutscene introdutória ao começar cada capítulo e diálogos que ocorrem ao fim de algumas missões. Tudo seguido uma dinâmica de HQs que alguns quadros ecoam bastante os pôsteres de filmes de kaiju. Você também pode acessar uma sala que contém cenas extras de diálogos entre os personagens. Tudo isso é utilizado para expandir o lore do jogo e desenvolver a trama e os personagem com uma complexidade maior do que outros beat’em ups que geralmente estabelecem apenas uma premissa para contextualizar o jogo e se orientam unicamente pela jogabilidade.

Então, ao meu ver, Dawn of the Monsters não foi feito pensando na típica experiência de um beat’em up tradicional. Esse não é um jogo para você apertar start e jogar tudo de uma vez, mas sim de avançar região a região no seu tempo. O modo arcade, detalhe que sei que vai incomodar muito dos entusiastas do gênero, só foi incluído agora pela DLC. Particularmente não gosto da ideia de trancar alguns modos através de conteúdo pago, mas o jogo teve problemas orçamentários e de prazo que impossibilitaram de incluir a feature no lançamento.

Então, no balanço geral, Dawn of the Monsters tem muito mais prós do que contras. Para quem é fascinando por obras tokusatsu esse é o tipo de homenagem que tende a agradá-las. Acredito até mesmo quem está fora dessa bolha, porque eu mesmo conheço o tokusatsu mais pelo que eu pesquisei sobre do que pelo que eu realmente assisti. Só enfatizo que não é para tentar jogá-lo como se fosse um Street of Rage com monstros gigantes, o ritmo aqui é completamente diferente. Quebre uns prédios, arranque umas cabeças de Nephilim, depois faça uma pausa e volte outro dia.

Megadon usando um golpe finalizador num Nephilim em Dawn of the Monsters
Hehe, ok, disso eu não me canso não!

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