Na corrida dos metroidvanias eu cheguei um pouco tarde ao evento. Apesar de ter jogado Castlevania: Symphony of the Night na pré-adolescência – e conhecer a história da franquia de Metroid – esse era um tipo de jogo que ficava fora do meu radar. Isso permaneceu até uns anos atrás quando passei a me dedicar a jogos relativamente mais velhos. Num determinado mês eu decidi fazer uma dobradinha com o já citado Symphony of the Night e Super Metroid. O motivo foi justamente para entender um pouco mais sobre o nascimento do metroidvania como um subgênero das gameplays de ação-aventura.

E não é que me vi apaixonado por esse formato?

Daqueles anos para cá, fui pouco a pouco mergulhando nesses jogos. Quase zerei o cardápio de Castlevanias da fase de metroidvania, incluindo seu sucessor espiritual, Bloodstained: Ritual of the Night, e joguei alguns Metroids. Também fui para títulos indies como Momodora: Reverie Under the Moonlight e Salt & Sanctuary. E nesse mercado dos indies também teve um que quanto mais eu jogo mais eu sinto que ele talvez seja o meu metroidvania favorito de todos os tempos. Até mais do que Castlevania: Circle of the Moon, que é o melhor da franquia e não pretendo elaborar mais.

Revisitado recentemente já que eu tinha a vontade expressa de fazer um texto sobre ele, hoje venho falar com vocês sobre Hollow Knight e tentar deixar evidente porque já podemos chamá-lo de um clássico moderno dos metroidvanias.

A BELEZA DE UM REINO DECADENTE

Primeiro mapa de Hollow Knight
O começo de uma longa e melancólica jornada

Após passar pelo menu inicial e dar seus primeiros para dentro de Hallownest, a sensação que Hollow Knight nos passa é de, bom, vazio! Essa é uma palavra que vai ganhando mais significado conforme progredimos no jogo. Porém no início ela surge inconscientemente nas nossas cabeças. Seja pela melodia tristonha da música tema ou então pelo atmosfera de cidade-fantasma de Dirtmouth. Uma tristeza se esgueira por nossa mente ao iniciar a aventura.

Essa não é bem a emoção que a gente espera ter nesse tipo de jogo. Porém ela é cai como uma luva considerando o tipo de história contada aqui. Afinal não iremos explorar os horrores do castelo do Drácula ou adentrar o covil de uma raça alienígena. Iremos percorrer as terras de um reino em ruínasm anos e anos depois dos seus tempos áureos.

Alguns mapas demonstram um pouco mais vida, como o Caminho Verde ou o Jardim da Rainha, mas até mesmo dentro deles conseguimos observar detalhes da desolação e abandono que tanto afligem esse reino. Sim existe uma excitação pela curiosidade em descobrir os eventos que levaram Hallownest ao seu fim. Muitos dos cenários são belíssimos, contemplativos eu diria, porém existe sempre essa forte melancolia que te acompanha em cada novo lugar que você encontra.

Hollow Knight
Nessas horas você entende que pode estar solitário, porém não sozinho

E é interessante a imagem dos banquinhos que você encontra espalhados por todo canto que servem como checkpoint para o jogador. Porque todas vezes que você senta num deles, você de algum jeito é absorvido pela imensidão daquele reino. E até mesmo quando tem um NPC do seu lado você não deixa de se sentir pequeno e solitário.

A figura do Cavaleiro Solitário é um arquétipo muito presente em diversas narrativas e também cai com uma luva aqui no nosso pequeno e bravo ‘Knight’ e sendo assim o tom e clima do jogo se alinha ao seu protagonista. Com isso, mesmo que estejamos andando sozinhos (nem sempre) por um imenso reino decadente, existe uma beleza triste porém, poética nos quadros de Hollow Knight.

UMA IMENSIDÃO DE LORE (E DE CHÃO TAMBÉM)

O mapa de Hollow Knight
Eu entendo porque algumas pessoas dropam Hollow Knight

Umas das características mais conhecidas de Hollow Knight é o seu gigantíssimo mapa que merece todo o superlativo que recebe. Para para alguns isso é um catalisador para o espírito de aventura e de exploração, enquanto para outros é um banho de água fria. E se formos ser honestos, ambos os lados estão certos nesse caso.

Eu já mencionei em algum tweet antigo como devo ser uma das poucas pessoas que detesta o Castelo Invertido de Castlevania: Symphony of the Night. Isso porque eu acho que duplicar o mapa com alguns inimigos mais fortes só estende desnecessariamente o tempo de gameplay sem adicionar nada muito relevante para a história do jogo a ponto que nem dá vontade de ir atrás do true ending. Por isso eu entendo perfeitamente quem olha uma imagem do mapa completo de Hollow Knight e decide largar o jogo.

E agora a princípio vai parecer hipocrisia quando eu falar que adoro o fato do mapa ser tão extenso!

Mas veja bem, ao falar do Castelo Invertido eu destaquei que meu problema com ele é que o fato que ele torna o jogo maior em tamanho. Não necessariamente em conteúdo. E não me refiro a itens e inimigos, me refiro a lore. Essa é uma palavra que é difícil traduzir para o português sem perder parte da mensagem, então manterei o termo em inglês. Para maiores esclarecimentos quando eu falo de lore eu me refiro ao “conjunto de informações a respeito de um universo ficcional, envolvendo histórias, lendas, línguas, povos, geografia e outras informações semelhantes”. Não tirei isso de um livro, mas sim do Dicionário Informal.

O mapa gigantesco de Hollow Knight é diretamente proporcional a extensão do lore do jogo. Cada nova área não é apenas um novo cenário, mas como também um pedaço da história já quase apagada de Hallownest onde você encontra uma gama de diferentes culturas de insetos. Com uma narrativa, que até na ambientação, tem suas similaridades com Dark Souls, toda a história é contada através de pequenos diálogos de NPCs, descrições de itens & monstros, além da boa e velha narrativa ambiental. E lembremos que a narrativa é uma importante qualidade diferencial.

Uma das várias estátuas que contam a história de Hollow Knight
Vale a pena ouvir as estátuas

Essa forma de storytelling – outra palavra em inglês que se traduzir perde parte do sentido então manterei o termo assim – eu chamo de “quebra-cabeça narrativo“. O jogo espera que seus jogadores montem a história de acordo com as peças que ele espalha em momentos espaçados da gameplay. É uma forma de narrativa que estimula o nascimento de uma comunidade em torno da obra, pois transforma o ato de jogar numa experiência coletiva. Cada pessoa acaba contribuindo com um detalhe que ela pescou ou teoria que ela criou que talvez outro jogador não tenha visto ou pensado.

Mas esse estilo de “quebra-cabeça narrativo” serve também a um propósito prático dentro da gameplay pois estimula a curiosidade do jogador. Ao ver um pequeno detalhe no mapa em que a história até o momento não esclarece direito, e talvez nem vá esclarecer conforme você progride, a sua imaginação toma as rédeas e sua mente viaja pelas possibilidades narrativas daquele elemento.

Assim, inconscientemente, o jogo está te instigando a continuar explorando o mapa. Tudo na esperança de encontrar mais algum detalhe que te ajude a fazer sentido de tudo. Com isso, aquele ambiente melancólico a sua volta se transforma numa terra de centenas de mistérios que você pouco a pouco se sente inclinado a entender.

Claro que isso não funciona pra todos, eu diria que não funciona para maioria. Então ainda continuo entendendo quem se sente desanimado e até desiste de explorar os mapas de Hallownest.

PLATAFORMISMO BONITO, PLATAFORMISMO BEM FEITO, PLATAFORMISMO FORMOSO

Um dos vários desafios de plataforma de Hollow Knight
Essa é a minha praia!

Como a exploração de mapas é um dos principais fatores de metroidvania, aqueles típicos desafios de jogos de plataforma são diluídos para que não atrapalhem a navegação do jogador. Você ainda tem algumas armadilhas aqui e ali, mas é óbvio que a estrutura dos mapas não é pensada da mesma forma que a de uma fase do Super Mario. O motivo é bem claro, afinal em algum momento o jogador vai precisar passar por aquela área novamente. Talvez até mais vezes.

Se você tornar o que eu chamo de “plataformismo” mais complexo, arrisca perder o interesse do jogador por dificultar a progressão da história. Nesse sentido, a outra qualidade de Hollow Knight é ser capaz de balancear bem esses elementos de exploração com algumas curtas passagens com um desafio de plataforma mais clássico. Vide o Castelo Branco que é uma área feita 100% pensando nesse antiga gameplay. Os mapas comuns contem obstáculos o bastante para quebrar o gelo do: anda, anda, pula na plataforma, anda, inimigo, anda, anda.

O maior problema é que ainda estamos expostos ao fato de serem mapas muito extensos. Logo os obstáculos podem ser tornar um empecilho insuportável do que uma forma de agitar a gameplay para um jogador já entediado. Porém eu argumentaria que por mais que obstáculos estejam presentes, raramente eles te travam em qualquer lugar. Podem te fazer perder um ou dois pontos de vida, e os mais complexos geralmente estão reservados a seções que levam a algum item colecionável que não é um requisito que te impede de progredir na história.

A ELEGÂNCIA DO COMBATE DE HOLLOW KNIGHT

Todos os amuletos de Hollow Knight
Um dos poucos jogos que me impeli a pegar tudo

X ataca, Z pula, C dá dash e A solta magia. Mas dizer que o combate de Hollow Knight é S I M P L E S seria uma bela de uma subestimação. E não digo que é porque depois você libera alguns novos ataques com o Ferrão, como o ataque giratório, algumas outras magias e habilidades especiais como pulo duplo que são esperadas para esse tipo de gameplay. Me refiro as lutas em si!

Para começar temos o sistema de amuletos, acessórios que você equipa no pequeno Knight para melhorar e ativar algumas habilidades. O que faz esse sistema se sobressair é como não existe a resposta certa. Você pode criar diferentes combinações que se adaptem ao seu estilo pessoal de jogo. Se quiser pode seguir uma build para fortalecer ataques físicos ou mágicos. Ou então buscar mais mobilidade para o personagem. Pode focar em invocar minions que te ajudam nas lutas ou talvez conseguir habilidades de suporte. São várias possibilidades. E outra coisa a se destacar é como alguns amuletos trabalham em conjunto, fortalecendo e até mesmo alterando as novas habilidades adquirida.

Assim parte da graça do sistema de batalha de Hollow Knight vem de experimentar as mais diversas combinações que geram novas estratégias para se derrotar os chefões. A única crítica que eu tenho aqui é que colocar um amuleto para habilitar o jogador a ver sua localização no mapa foi algo bem desnecessário. Dava para facilmente transformá-lo num item colecionável.

Eu classifico o combate de Hollow Knight como elegante porque cada batalha é uma pequena dança onde você aprende cada passo do chefão e reage de acordo. Com o uso de técnicas de animação tradicional para compor os gráficos do jogo, os movimentos dos personagens são fluidos e graciosos. Assim eles te permitem com mais facilidade identificar o tipo de ataque com base nas suas poses. E o jogo é cheio dessas dicas tanto visuais quanto sonoras não apenas nas lutas, mas como também nos próprios mapas para encontrar segredos.

Lorde Gafanhoto, um dos melhores chefões de Hollow Knight
Ô lutinha maravilhosa!

A batalha que eu mais gosto de utilizar para exemplificar o quão bom é o combate de Hollow Knight é contra o Lorde Gafanhoto. A princípio no singular! Sendo um chefão bem mais veloz que o Cavaleiro Falso que você enfrenta na primeira seção de Hollow Knight, é possível que você seja sobrepujado pelos seus ataques na primeira tentativa. Porém logo em seguida você consegue perceber os padrões de ataque dele com base nas suas animações e fica bem fácil desviar e contra-atacar. Aí vem a surpresa que depois de derrotar o Lorde Gafanhoto você é atacado ao mesmo tempo pelos dois Lordes restantes. Mais uma vez é capaz de você ser sobrepujado pela adição de um novo combate. Contudo, pela segunda vez você repara nos padrões de ataque, aprende os passos da dança, e começa a se mover, desviar e atacar de acordo.

Com o tempo você percebe como o combate de Hollow Knight é perfeitamente justo. Tudo bem que lutas como Nightmare King Grimm ou o último chefão são de arrancar os cabelos. Mas é porque elas são feitas exatamente com esse propósito de te dar uma dose maior de desafio. As demais lutas em Hollow Knight podem até te assustar de início. Contudo você pouco a pouco pega a manha e consegue observar seu crescimento conforme menos hits você leva a cada subsequente tentativa.

E se eu consegui derrotar o Nightmare King Grimm significa que tudo é possível!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O final da quest de Quirrel às margens do Blue Lake em Hollow Knight
Não tem uma imagem melhor para simbolizar uma despedida

Assim como Castlevania: Symphony of the Night e Super Metroid são considerados os grandes clássicos do metroidvania, eu acredito que Hollow Knight será um dos títulos a dividir esse pódio com os gigantes do passado. Para mim ele já configura como um clássico moderno, mostrando que o gênero não precisa ficar preso a IPs conhecidas e que existem muitas mentes talentosas por aí prontas a por sua visão nesse estilo de gameplay.

Com cenários contemplativos belamente desenhados, uma estética única que usa e abusa de animação tradicional para criar uma movimenta fluida para seus personagens, muito lore a ser explorado e um combate “simples” e elegante, Hollow Knight reúne todas as características para merecer tanto reconhecimento.

Demanda um pouco de paciência? Com certeza! Mas quem se deixar absorver por esse reino subterrâneo encontrará um universo de mistérios intrigantes que atiçam a sua imaginam por horas a fio.

4 thoughts on “Hollow Knight: uma melancólica Vida de Inseto”
  1. Agora eu não vou descansar até que você faça um texto de 20 minutos explicando porque você acha que Circle é o melhor Castlevania. O Brasil merece saber!

  2. Como um fã ávido de Metroid e Castlevania, eu me sinto na obrigação de jogar Hollow Knight. Ele já tá até comprado na minha Steam, só esperando a oportunidade, que deve chegar nessas férias.

    Só tenho cagaço da dificuldade, pq sou um mestre na arte do Save State, que nesse caso não terei como usar kkkkk

    1. A dificuldade dele é um pouco exagerada pelo povão. Tipo, tem dois chefões que são realmente difíceis pra cacete, mas um é opcional e o outro é o true last boss então tinha que ser mais complicado mesmo. De qualquer forma é bom deixar pra quando tiver mais tempo mesmo porque o mapa é gigantesco. Acho que ganha fácil do tamanho somado do Castelo Normal e Invertido do Symphony of the Night.

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