Há alguns meses eu iniciei uma jornada pela mais do que conhecida e super-reverenciada franquia de Mobile Suit Gundam. Comecei a experiência pelos seus primórdios com a série original de 1979 porque eu sou dado a esses saltos no passado. Tecnicamente foi com Iron-Blooded Orphans, mas isso não vem ao caso agora. Depois de assistir a primeira série, fui galgando pouco a pouco as demais produções da linha do tempo do Universal Century (UC) decidindo que ela seria meu norte para conhecer a franquia.

Ao passo que eu percorria a franquia, passei a fazer alguns textos numa minissérie que chamei de ‘A (minha) saga Gundam’. Nela eu descrevi as experiências gerais com todas séries, OVAS, filmes e mangás dessa marca que fui acompanhando. A intenção dela não é, nunca foi e nunca será de criar um guia de por onde começar na franquia. Tão pouco servem como críticas mais elaboradas de todas essas séries. Eu estou apenas descrevendo como foi -> para mim <- conhecer Gundam desse jeito.

Até o momento havia dois textos: a origem e a supremacia das OVAs. Na verdade tem três, porém esse outro é de um filme específico de Gundam que saiu ano passado. O texto não faz parte da minissérie, porém fica aí para quem quiser conferir. Enfim, hoje é dia de escrever o terceiro e (talvez) último capítulo da minha saga. Existia a possibilidade de eu fazer um capítulo extra cobrindo algumas linhas do tempo alternativas. Porém isso não está mais certo. Olhando a data que terceiro capítulo ficou pronto, acho difícil que assistirei qualquer outra coisa de Gundam. E se assistir, vai me faltar tempo porque tenho outros projetos em mente.

Enfim, no episódio de hoje falaremos de três mídias distintas: um filme, um mangá e uma série. Respectivamente, Mobile Suit Gundam F91, Mobile Suit Crossbone Gundam e Mobile Suit Victory Gundam.

Mobile Suit Gundam F91
Mobile Suit Crossbones Gundam
Mobile Suit Victory Gundam
Da esquerda para direita: F91, Crossbone e Victory Gundam

Com o lançamento do filme Char’s Counterattack de 1988, Gundam tinha teoricamente encerrado a linha narrativa do UC ao fechar os arcos de Amuro Ray e Char Aznable. Mas como não podiam deixar esse peteca cair, obviamente que haveria mais séries. Já em 1988 tivemos a fantástica OVA de Mobile Suit Gundam 0080: War in the Pocket dando início a novos projetos com histórias independentes ocorrendo nessa linha do tempo.

Três anos depois, temos o segundo filme da franquia e que tentaria iniciar uma nova sequência de histórias no futuro do UC. E, bom, o resultado não foi dos melhores! Não vou dizer que a origem de Gundam foi perfeita. Eu tenho várias ressalvas com Zeta Gundam e ZZ Gundam, esse último então eu até tento esquecer que existe. Porém essa primeira etapa de Gundam ao menos tem um começo, meio e fim mais ou menos coeso. Essa fase, por outro lado, é… complicada. Foi uma jornada tempestuosa onde eu só consigo afirmar com segurança que gostei do mangá e mesmo assim é porque o filme que veio antes dele jogou minha expectativa lá para baixo.

Então, sem mais delongas, vamos tentar fazer sentido nesse circo.

MOBILE SUIT GUNDAM F91 (1991): A SÉRIE QUE DEVERIA TER EXISTIDO

Esse filme é uma bagunça e essa é a forma mais branda que eu posso colocar. Ah, quer saber? Não vou ficar me moderando aqui: Mobile Suit Gundam F91 é uma merda! E se estou demonstrando uma raiva mais do que a necessário, até porque não acho ele mais ofensivo que ZZ Gundam, é porque eu detesto potencial desperdiçado e o começo desse filme me fez crer.

F91 que não deveria ter existido como longa-metragem. Isso nem foi bem uma crítica a obra, mas sim um “fato histórico”. Ok, fato é um termo muito forte para se usar aqui porque os detalhes da produção são meio nebulosos. Porém um registro não-oficial com base em diversas fontes nos fornece algumas informações que nos levam a essa interpretação.

Pôster do filme Mobile Suit F91 Gundam

Basicamente, havia planos para uma nova fase de Gundam que colocaria a franquia numa nova era. Mas tinha um problema, não ficou decidido se o primeiro passo desse projeto ambicioso viria na forma de um filme ou de uma série. A pré-produção já estava em andamento quando o presidente da Sunrise pediu que a equipe já se preparasse para a opção de uma série para TV. Entretanto, tempos depois foi enfim decidido que F91 seria um filme. Entretanto, nesse ponto já tinham sido roteirizados 13 capítulos para a série. A decisão final foi então de pegar esses roteiros e condensar num único filme. Foi uma tentativa de salvar o que já tinha sido produzido, porém o estrago já estava feito.

Não seria a primeira vez em Gundam que uma série foi convertida num filme. A série original de 1979 e sua sequência Zeta Gundam foram relançadas no cinema cada uma como uma trilogia. A diferença é que nesses casos você já tinha tudo pronto quando decidiram compilar os episódios. Ninguém precisou quebrar a cabeça para reestruturar algo cuja produção já estava em andamento. E assim que F91 se tornou, para mim, um excelente exemplo dois tais potenciais desperdiçados que eu tanto odeio.

Porque, assim, o filme começa de maneira fenomenal. Estou enfatizando porque falo sério. Os primeiros 25 minutos de F91 são um dos melhores que Gundam já teve. Se tivesse ido ao ar no formato de série teríamos aqui talvez a melhor introdução do UC. O ataque a colônia Frontier IV começa de repente e rolam vários cortes que criam uma agoniante sensação de caos. Toda essa sequência transmite o desespero e horror de estar em meio ao fogo-cruzado. Coloca o filme lá no alto, o que é um tremendo feito para deixar qualquer audiência no famoso hype. O grande problema é que depois disso o roteiro despenca abismalmente.

Os 3/4 restantes do filme deixam evidente que ele é uma coletânea de diferentes roteiros que tentaram comprimir e adaptar num longa-metragem. F91 passa a dar diversos saltos para conseguir mover os personagens onde a trama precisa que eles estejam e assim a narrativa não parece orgânica. A edição também não ajuda muito e só ressalta o quanto esse é um projeto que se apressou. Tem uma parte horrorosa onde logo após a primeira batalha do protagonista – bem fraca, por sinal – há um corte seco e nós já pulamos para o personagem infiltrando uma nova colônia. Não sabemos qual é aquele lugar e nem o que ele foi fazer lá, numa sequência caótica que dessa vez te afasta da história.

Notem que até agora eu não mencionei o nome de nenhum personagem sequer e isso foi intencional porque eu nem me preocupei em gravar seus nomes. Claro que se eu olhar aqui no Google verei que os personagens principais são o Seabook e a Cecily, que evidentemente são os que recebem o melhor desenvolvimento. O problema é que como a história vai saltando de um lugar ao outro ao passo que vários e vários personagens são introduzidos e removidos na trama constantemente sem muita construção, você não se dá ao trabalho de memorizá-los. Mesmo na segunda metade do filme ainda surgem novos personagens na trama a ponto que você nem sabe mais quem já foi introduzido e quem está chegando agora. Um dado momento é mencionada a irmã do protagonista e eu fiquei coçando a cabeça tentando me lembrar se ela apareceu no primeiro ato.

Sendo assim tudo fica subutilizado em F91, do elenco de apoio até os antagonistas que mesmo trazendo um tema sobre aristocracia para dentro de Gundam no final são só um Zeon 2.0 mal desenvolvido. Mobile Suit Gundam F91 desperdiça uma animação fenomenal num roteiro bagunçado, com cenas que não se conectam bem e uma sopa de personagens que não tem tempo suficiente para serem minimamente memoráveis. É triste porque aquela sequência inicial merecia um filme muito melhor!

MOBILE SUIT CROSSBONE GUNDAM (1994-1997): TENTANDO REDIMIR OS ERROS DO PASSADO

Primeira edição do mangá de Mobile Suit Crossbone Gundam

Sendo um fenômeno tão estrondoso como Gundam é no Japão não é surpresa que existem centenas – e reforço o centenas – de mangás publicados em diversas editoras desde a sua criação no final da década de 70. Para vocês terem uma noção, só no linha do tempo de UC especificamente existem mais de cem mangás de diferentes autorias. Não existe a menor chance que eu vá mergulhar nesse universo de arte sequencial de Gundam, contudo um mangá veio ao meu interesse. Falo de Mobile Suit Crossbone Gundam, de Yuichi Hasegawa, o segundo, e por enquanto o último, mangá de Gundam que eu li.

O que me levou a escolher esse título no meio de todas as possibilidades foram dois motivos. O primeiro é porque ele funciona como uma sequência de F91, se passando 10 anos depois dos eventos do filme. Não queria deixar que esse texto se resumisse ao filme e a série que vem a seguir, portanto foi uma adição bem-vinda. E o segundo motivo é porque esse mangá em particular foi escrito com base em algumas notas de produção do criador de Gundam, Yoshiyuki Tomino. Então, ao meu ver, ele se encaixava perfeitamente na linha que eu pretendia seguir no terceiro capítulo da minha minissérie.

Crossbone Gundam é uma sequência bem “leve” por assim dizer, porque são poucos os detalhes de F91 que são transmitidos para cá. No geral são apenas alguns dos personagens anteriores que marcam presença como a Seabook e a Cecily. Fora isso temos um novo protagonista – Tobia Arronax – uma nova facção inimiga com um antagonista completamente megalomaníaco – o Império de Júpiter e Crux Dogatie – e novas discussões como uma crítica ao elemento central da franquia que colonização espacial.

Mas o que temos principalmente aqui é um novo tom. Gundam sempre esteve nessa zona nebulosa entre as space operas e a ficção científica militar, porém em Crossbone ele vai fundo na primeira. Ainda que os temas sobre guerra estejam por todo o mangá, é evidente que ele tem um espírito de aventura muito maior. Diria até que há uma certa ludicidade aqui por conta do protagonista, porém não tanto quanto em War in the Pocket já que o Tobia está bem consciente dos problemas que a guerra acarreta. Faz ainda mais sentido pelo fato de terem tantos motifs de piratas que desde os tempos de A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, tem um grande apelo com o público infantil.

O personagem também é tratado muito mais com heroísmo do que como um soldado, a ponto que dado momento ele chega até a enfrentar (e vencer) um duelo contra um mobile suit sem um Gundam. Talvez essa seja a série da franquia que demande um pouco mais do que a média de suspensão de descrença. Quando olho para trás, Crossbone Gundam me parece mais um swashbuckler espacial do que o drama militarista da franquia. Deve ser por isso que ele me agradou tanto se vocês levarem como base a recente maratona de filmes que fiz.

Então dos três títulos que temos aqui nesse texto, Crossbone Gundam é o que eu classifico plenamente como satisfatório. Mesmo que parece que o Hasegawa está mais emulando do que representando o “espírito de Gundam” – se é que existe algo assim – acho que ele conseguiu fazer uma obra consistente dentro do seu estilo. Claro que ela tem seus problemas. Pra mim é o fato dela tentar se encaixar na linha narrativa um tanto torta de F91 que, como vimos, não foi o melhor dos pontos de partida. Talvez teria funcionado melhor se deixassem o mangá ter sua linha do tempo própria, como outras séries da franquia. Ela se destoa do seu meio, algo como ZZ Gundam fez lá trás, porém no caso de Crossbone isso foi positivo.

Eu não acho um mangá fantástico, mas é uma aventura bem agradável para quem curte esse tema de pirataria e que tem uma crítica interessante do seu próprio universo. Comparado ao desastre que foi a tentativa de estabelecer uma nova linha narrativa no futuro do UC, Mobile Suit Crossbone Gundam é muito melhor do que merecia ser.

MOBILE SUIT VICTORY GUNDAM (1993): UMA PERDA DE TEMPO

Para alguns, Mobile Suit Victory Gundam foi um dos pontos mais baixos de Gundam na sua fase da década de 80 até a de 90. Para alguns pode se um dos pontos mais baixos de Gundam até hoje. Eu discordo em ambas afirmações. Ainda acho que a atmosfera fora de tom de ZZ Gundam e a bagunça narrativa do F91 são bem piores. Porém uma coisa posso afirmar, eu odeio Victory Gundam mais do que todos eles! E o motivo é simples: de todas as séries, OVAs, filmes e mangás de Gundam que eu viaté agora o Victory foi o único que me vez sentir que eu estava efetivamente desperdiçando o meu tempo.

Capa do animê de Mobile Suit Victory Gundam

Até os piores exemplos da franquia conseguem me engajar de alguma forma. Eu vejo um ponto em analisar como as tentativas de comédia de ZZ Gundam não funcionam e como a edição e narrativa de F91 são um desastre. Poderia ficar um podcast todo falando desses dois. O mesmo não posso dizer de Victory Gundam. Não existe nada nele que eu ache que vale a pena discutir. E até mesmo as coisas que teriam algum potencial, você encontra exemplos melhores nos títulos anteriores. Foi difícil para eu terminar de assistir essa série, 3 meses se eu não estou enganado. Cheguei a fazer um texto específico só para falar dessa minha árdua tentativa de fechar Victory Gundam. Não porque estivesse achando particularmente ruim, mas sim porque eu estava completamente apático a tudo que acontecia na sua história.

Isso não quer dizer que não dê pra pinçar boas coisas de Victory Gundam, contundo quando eu olho o todo ele simplesmente me dá sono. Dá pra sentir o quanto aquele é um projeto sem paixão. Aqui precisa destacar alguns elementos externos a série influenciaram nesse problema. Tomino enfrentava a pior fase da sua depressão, ainda pior do que Zeta Gundam, e talvez o vazio dessa série é uma representação bem fiel do vazio que ele sentia no momento. A produção também teve o azar de receber muita interferência dos executivos, que na época estavam numa disputa interna pelo controle criativo de Gundam. Então tudo estava armado a favor do desastre.

Vejam que até agora eu não mencionei a história nem nada. Isso demonstra o quão indiferente eu sou a ela. Nenhum dos temas é particularmente interessante, boa parte sendo apenas um repeteco dos que já tinham sido discutidos – e bem melhor – nas outras séries de Gundam.

A trama parece nunca ter um foco, somente no final que parece encontrar uma boa linha narrativa para seguir. O ritmo é insuportavelmente lento e só é piorado por um elenco com o qual você não consegue se conectar por dois motivos: metade dele é descartado só para efeitos de choque e há uma sequência de escolhas bestas que os personagens fazem apenas para o roteiro ter uma desculpa para criar um conflito. Ou você para de se importar com esse elenco ou só não dá tempo de você criar conexão com eles. Fora que tem umas tentativas de humor que dão um péssimo flashback ao pastelão sem-graça de ZZ Gundam e isso nunca é um bom sinal para uma série.

Honestamente, não tenho vontade de seguir com essa análise. Já perdi tempo demais com a série e não quero perder nem mais do que alguns minutos escrevendo com ela. Esquecível e, sobretudo, completamente passável.


Bom, assim encerra a minha jornada no UC de Gundam. Infelizmente essa terceira parte não foi nada positiva e quase que matou por completo a minha vontade de seguir em frente com a franquia.

Felizmente ainda tem algumas séries que eu estou curioso de assistir, então em algum momento devo voltar para Gundam. Só não garanto que haverá o quarto capítulo dessa minissérie de textos. Bom, pelo menos não esse ano. Não sei quando conseguirei assistir as outras séries, mas provavelmente eu escreverei algo sobre porque não consigo mais guardar as coisas na minha cabeça.

No mais, agradeço a paciência de todos com essa minha jornada. Finalizo recomendando que deem uma lida nos outros dois capítulos dessa minissérie caso não os tenham visto ainda. Sobretudo o das OVAs que pra mim seguem como a melhor parte de todo o UC. Também recomendo ficarem longe das obras aqui descritas a não ser Crossbone Gundam que é uma leitura rápida e agradável. F91 e Victory Gundam, não valem o seu tempo a não ser que você queira completa todo o álbum de Gundam. Mas reforço que existem coisas melhores para você se ocupar.


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