Já abro com um aviso: assim como aquele texto de Batem À Porta, esse aqui será abarrotado de SPOILERS sobre O Menu. Portanto, se você der sequência a essa leitura, vou partir do pressuposto que já assistiu o filme ou então não se importa em saber o que acontece. Tudo certo então? Show, podemos iniciar!
Acredito que já mencionei em algum texto por aqui que um dos canais de YouTube que eu sigo religiosamente é o Red Letter Media. O foco deles está em cinema e séries e o canal tem vários quadros nos quais eles discutem essas obras de maneiras diferentes. Um tempo atrás eles lançaram mais um episódio de catch-up no quadro de Half in the Bag. Esse catch-up é um apanho de séries e filmes que eles comentam brevemente, em vez de dedicar o episódio para uma ou duas obras que é o que geralmente ocorre. No episódio em questão eles falam sobre O Menu, filme lançado ali no final de 2022. Nos primeiros minutos da conversa entre o Mike e o Jay eu já pausei o vídeo. Senti que O Menu seria aquele tipo de filme que ficaria melhor se eu assistisse sem saber qualquer detalhe sobre ele.
E minha intuição estava correta!
O Menu agora é um dos meus filmes favoritos de 2022 – que eu não assisti em 2022 – e uma das melhores comédias de terror que eu vi na vida. Se bem que eu não vi muitas, então isso não é um elogio tão grande assim. O filme inicia como uma sátira dessa cultura de alta-cozinha e dos chefs celebridades. Ali no meio a coisa vai mudando para um suspense sobre cultos. No final terminamos com um tenso horror flick que termina com um comentário bem contundente sobre a relação entre o artista, a sua arte e o público. E é nisso que a minha opinião sobre O Menu destoa um pouco com a do pessoal do Red Letter Media.
Enquanto o Mike e o Jay interpretam o filme como uma sátira ao universo da alta-cozinha, eu já acho que O Menu pode ser muito mais abrangente na sua mensagem. Dá para encaixar o comentário do filme em várias outras formas de expressão artística, seja a música, o cinema, as artes plásticas e por aí vai.
É nessa perspectiva que eu gostaria de abordar O Menu focando nos seus personagens. A minha ideia é analisar o que como cada um deles serve como uma crítica sobre quem são os responsáveis por matar o artista. Obviamente não falo no sentido literal, a morte do artista no filme é sobre seu espírito, a sua paixão pela arte que ele produz.
Portanto, vou dedicar cada tópico a um dos personagens do filme. Obviamente² eu não vou falar de todos, até mesmo porque dá pra aglutinar alguns deles num mesmo núcleo. Porém é mais porque tem muita gente no elenco principal. De qualquer forma acho que a seleção que eu fiz foca naqueles mais importantes para a mensagem que tirei de O Menu, portanto não vai ter problema que alguns personagens fiquem de fora. Então que venha o primeiro prato!
JEREMY LOUDEN: O ARTISTA DERROTADO
Jeremy é um dos cozinheiros de Hawthorn, o restaurante do famoso e enigmático chef Slowik, e esse personagem tem uma grande importância para o roteiro em dois aspectos. É o suicídio dele diante dos convidados que gira a chave de O Menu. Até então tínhamos uma comédia com uma atmosfera um tanto desconfortante e depois da morte do personagem entramos no campo do horror.
Já o segundo aspecto é que esse evento dá início ao tema principal do filme, nos dando uma ideia do arco do personagem principal que é o Slowik. Esse arco vai ficando cada vez mais evidente desse ponto para frente conforme conhecemos mais dos outros personagens e qual é a relação deles com o chef.
Até então Jeremy era nada mais do que um rosto na multidão. Ele era só mais um cozinheiro entre os muitos de Hawthorn. Não há nenhum grande destaque no personagem, afinal nossa atenção volta-se toda para os convidados e, claro, o chef. Somente quando colocam ele no centro do “palco”, vamos dizer assim, é que finalmente passamos a encará-lo como alguém essencial para a história de fato.
Ao apresentar o personagem, o chef Slowik faz questão de pontuar que Jeremy é um bom cozinheiro. Bom, porém não extraordinário. E diz também que ele desesperadamente almeja ter o seu talento e seu prestígio. Portanto, nesse momento eu imaginei que o papel do Jeremy seria representar o artista que aspira à grandeza dos mestres que tanto o inspiraram na sua arte. Porém, ao ser incapaz de alcançar o mesmo nível deles, esse artista entra num caminho de decepção consigo mesmo.
Só que não é bem isso que Jeremy retrata.
Logo em seguida, Slowik explica como Jeremy abdicou de tudo na sua vida para seguir com seus sonhos como um mestre da culinária. A sua vida se tornou uma pressão constante de forma que até mesmo quando ele agrada os clientes e os críticos ele não consegue agradar a si mesmo. Nas palavras do chef, a sua vida se torna uma bagunça que é até o nome do prato que entra nesse menu.
Ao ser questionado por Slowik se ele gosta da sua própria vida e se gostaria de ter a do chef, o jovem cozinheiro responde não para ambas. Instantes depois ele se mata na frente dos convidados. O suicídio de Jeremy fará mais sentido uma vez que a gente perceba ideia geral por trás do filme, compreendendo também o personagem do chef Slowik.
Mas ali, naquele momento, o que Jeremy representa é o artista derrotado. Aquele que entregou tudo de si pra sua arte e no final o sacrifício não serviu para nada além de torná-lo desiludido consigo mesmo. E num ato de desespero, para tentar retomar o mínimo controle da sua vida, tudo que ele consegue fazer é tirá-la com suas próprias mãos.
LILLIAN BLOOM: A CRÍTICA ABUSIVA
Nossa próxima personagem é Lillian, uma crítica de culinária de alto renome que foi a responsável por descobrir o chef Slowik no passado. O tamanho da sua influência se mostra numa cena quase chegando na metade de O Menu, quando ainda estamos tentando entender qual é a pegada do filme. Nesse momento são oferecidas tortilhas com gravuras feitas a laser a cada um dos clientes. As gravuras tem algum significado particular para eles e no caso de Lillian nas tortilhas estão retratos de restaurantes que fecharam.
O filme deixa implícito que foram as críticas negativas de Lillian que condenaram esses estabelecimentos. Isso também é reforçado pelo chef Slowik, mais a frente no filme, quando ele demonstra o seu rancor pela personagem por todas as vidas que ela prejudicou ao longo da sua carreira. O que vale destacar aqui é que, apesar desse ressentimento, Slowik também reconhece que o ego de ambos se retroalimenta.
Essa é a palavra chave aqui: ego! Não só para esse momento, mas para o filme como um todo.
A crítica, não exatamente o profissional e sim o próprio conceito de crítica, é muito importante para a evolução da arte. Ela que tem o papel de contextualizar e traduzir para o público leigo qual o valor naquelas obras, além de discutir como elas podem se desenvolver/evoluir. Então a crítica pode ser tanto um criador quanto um destruidor, trazendo os holofotes para um artista em potencial ao mesmo tempo que pode servir de barreira para um outro ascender.
Lillian está ciente desse poder da crítica e, acima de tudo, regozija por tê-lo. E é por isso que a personagem acaba por se tornar uma tirana, abusando da influência que a sua posição lhe concede.
O poder sobe tanto à cabeça que ela passa a criticar as coisas pelo simples prazer de afirmar sua posição de autoridade entre os demais. Por exemplo ela nota uma pequena emulsão quebrada em um dos pratos e coloca isso como se fosse um pecado mortal para um restaurante do nível do Hawthorn. Ela não faz essa crítica porque quer ajudar a melhorar o trabalho do chef Slowik, ela só quer alfinetá-lo de uma forma completamente mesquinha. É só um pequeno detalhe e ela age como se estragasse toda a experiência. Me lembra até aquela frase boba de gamer: aí, tirou a minha imersão!
O grande problema é que isso é um ciclo sem fim, como eu disse no início. O próprio Slowik admite isso ao dizer que o ego dele se alimenta do ego da Lillian e vice-versa. Ao mesmo tempo que ele, no passado, quis agradá-la para que suas críticas o colocassem no mapa, ela também gosta de ser convidada para o restaurante pois isso reforça a ideia que sua palavra tem peso e poder. Na cabeça dela, talvez as suas palavras sejam mais importantes até mesmo que a própria arte!
RICHARD & ANNE LEIBRANDT: A ELITE APÁTICA
Em O Menu, Richard e Anne são retratados como um casal bem abastado. Isso não é tão grandes coisas assim. Ali a maior parte dos personagens pertencem as classes mais privilegiadas. Então, a princípio, o papel deles ali parece que vai ser apenas de serem um par de ricaços esnobes que nem mesmo suportam a companhia um do outro, mas precisam manter as aparências.
Existe até construção de uma faceta mais sombria de Richard, com detalhes revelados por uma outra personagem que irá receber seu destaque mais a frente no texto. Contudo essa parte do personagem não é tão fundamental para o grande esquema do filme, então vou colocá-la de lado. Voltemos a questão dos ricos esnobes.
Richard e sua esposa Anne evidentemente estão ali para representar a elite. A Elite, com letra maiúscula. E uma das características que o imaginário popular tem sobre esse tipo de classe é como ela está acostumada a um estilo de vida e de consumo de alta cultura que é pouquíssimo acessível para as que estão abaixo dela. Isso vai desde comprar obras de arte milionárias até comer em restaurantes luxuosos e prestigiados como o Hawthorn que, se eu ouvi direito, cada reserva custa a bagatela de doze mil e quinhentos dólares.
Novamente o chef Slowik mostra outro episódio de autoconsciência ao dizer que o seu trabalho chegou num ponto que apenas as classes mais altas da sociedade podem custeá-lo. E os Leibrandts são mostrados como clientes fiéis do chef Slowik, tendo ido ao restaurante onze vezes em cinco anos. Faz as contas aí: 12.500 vezes 11 multiplicado por duas pessoas. Um tremendo de um privilégio sendo que a maioria das pessoas capazes de pagar por uma reserva ali conseguem ir apenas uma vez na vida.
Sendo assim, assumiríamos que Slowik tem uma grande estima por esse casal que veio tantas vezes saborear os seus pratos, correto? Errado! Porque o chef sabe que não houve um momento sequer que Richard e Anne apreciaram, de verdade, a comida que ele e sua equipe colocaram na mesa deles. Slowik prova isso com uma simples pergunta: dizer o nome de um único prato que eles comeram na sua última visita.
Nenhum dos dois consegue se lembrar. O chef reforça novamente que eles já foram lá onze vezes e em todas as visitas os pratos são apresentados antes de os servirem. E mesmo assim nem Richard e nem Anne conseguem se lembrar de um mísero nome. Anne até tenta dizer que comeram bacalhau, porém Slowik corrige dizendo que era linguado.
Pode parecer um detalhe bobo, afinal quem fica se preocupando em gravar o nome do peixe que estão servindo? Mas o que fica evidente aqui é como o casal não dá a mínima para experiência que Slowik tenta prover aos seus clientes. Para os dois, aquele é só mais um restaurante chique que eles podem mostrar aos outros que foram. Richard e Anne estão somente interessados na experiência, na comida, não estão interessados nem no próprio chef, eles só querem o status que comer ali os dá, reforçando sua posição privilegiada em meio as outras partes da sociedade.
E isso que machuca o chef porque ele percebe que todo seu esforço em criar uma experiência culinária única para seus clientes é em vão. Eles não ligam para a sua arte. Ninguém quer saber do seu menu e nem do conceito que ele tenta criar. É nada mais do que um cosmético que elas consomem sem pensar muito sobre. O importante para eles, como membros da elite, é mostrar aos outros como são capazes de pagar por algo que eles provavelmente nunca terão acesso. Se o Slowik quisesse ele poderia servir sardinha em lata para o casal que não faria a menor diferença. Afinal o que importa é só a reputação do restaurante, não a comida!
SOREN, DAVE & BRYCE: OS “DONOS” DA ARTE
Soren, Dave e Bryce possuem uma função no filme que é representar um quarto personagem que é Doug Verrick. Contudo, em O Menu, ele só aparece numa sequência curta na qual afogam o personagem na frente de todo mundo. Mas quem é esse tal de Doug Verrick que chega só para ser quase que instantaneamente removido do filme? Ele é o investidor-anjo do Slowik.
Fiz uma tradução literal que não sei se é a correta, então só para elucidar: o investidor-anjo é um indivíduo que investe seu próprio capital, além dos seus conhecimentos em negócios, num empreendimento em potencial em troca participação acionária na empresa. Em outras palavras, alguém que investe na sua ideia e acaba sendo dono de parte dela.
Portanto, Doug Verrick não é apenas mais um ricaço entre os demais personagem. Ele é o dono de Hawthorn e foi graças a ele que o restaurante conseguiu se manter aberto durante a pandemia da Covid-19. Com isso a gente poderia imaginar que Slowik tem uma dívida de gratidão com Doug, vendo nele um benfeitor e, aproveitando o simbolismo, anjo-da-guarda. Certo? Assim como no casso de Lillian, errado de novo!
Como o próprio coloca: Doug é dono de Hawthorn e como Hawthorn é a vida do chef, de certa forma é como ele fosse dono de Slowik também.
Mas como Doug não está presente em 95% de O Menu, a figura dele é representada pelos seus funcionários Soren, Dave e Bryce. O trio exala aquela arrogância de jovens homens de negócio, encarando a ida ao restaurante como uma festa. O trio claramente está se divertindo com a experiência, seguindo o fluxo com animação e até fazendo perguntando algumas coisas sobre o lugar, mesmo que muitas sejam meio toscas. Contudo a verdadeira face dos personagens vem a tona quando eles tentam exigir que lhes deem algo que está fora do menu apelando para aquela carta do “você sabe com quem está falando?”.
E aí que a gente entende qual é o ressentimento que Slowik carrega de Doug Verrick. Porque não é que ele é apenas um investidor. Tal como seus funcionários, Doug se sente no direito de controlar o menu e ir contra a visão que Slowik para a experiência de Hawthorn. Suas exigências não vem do lugar de alguém que tem boas intenções para aprimorar o restaurante e sim do simples fato de, como ele põe dinheiro ali, que Doug pode mandar no que quiser.
Vejo agora que até tem um sentido dele aparecer tão pouco no filme para enfatizar o quão pouco ele contribui para a marca de Hawthorn que não seja apenas com dinheiro.
Essa mesma mentalidade se estende ao seus funcionários também. Tanto é que quando fica claro para todos que Slowik vai afogar seu investidor-anjo, Soren, Dave e Bryce tentando desesperadamente impedi-lo oferecendo dinheiro. A quantidade que ele quiser. Porém quando o chef categoricamente rejeita a oferta deles, tudo que conseguem fazer é ficar olhando sem ação. Porque na cabeça deles o dinheiro deveria comprar tudo, porém não compra a liberdade como artista que é o que Slowik mais desejava.
TYLER LEDFORD: O FÃ PREPOTENTE
Falar que Tyler é um fã do Slowik é um eufemismo. Ele não apenas admira o chef, ele o idolatra tal como uma divindade. Então é fácil imaginar o quão entusiasmado Tyler estava por finalmente ter a chance de comer em Hawthorn. É o sonho da vida dele e não somente tenta aproveitar cada segunda da experiência como fica o tempo todo tentando chamar a sua atenção.
Desde o momento que o personagem é apresentado em O Menu, Tyler está sempre descrevendo cada particularidade da cultura da alta-cozinha para a sua companheira. Personagem essa que eu novamente não irei nomear já que ela terá seu próprio tópico daqui a pouco. Mas vocês viram o filme então sabem de quem eu tô falando.
E a princípio isso é até uma característica cativante de Tyler por ver ele falar tão animadamente sobre tudo. Até que você percebe que ele é um completo de um babaca!
Na verdade isso já é demonstrado logo no início, quando a companheira dele acende um cigarro e Tyler a impede porque isso destruiria seu paladar e ela não conseguiria aproveitar a experiências que eles estavam prestes a ter. Essas atitudes vão aumentando progressivamente conforme Tyler vai se mostrando uma pessoa escrota, irritante e desagradável tentando ditar como ela deveria levar aquilo a sério igual ele.
E acho que todo mundo já deve ter conhecido esse tipo de fã. Alguém que tem tamanha obsessão nos seu hobby que é impossível ter uma conversa normal com ela. Não porque seja chato, mas porque esse tipo de fanatismo por vezes cai numa prepotência intragável.
Outra característica curiosa de Tyler é que, conforme os eventos bizarros vão acontecendo, como o suicídio de Jeremy e o afogamento de Doug Verrick, o personagem reage a tudo com uma assustadora naturalidade. Pior, ele demonstra estar adorando tudo isso. O motivo é logo esclarecido pelo chef Slowik quando revela que Tyler é o único ali que foi avisado previamente que todos iriam morrer naquela noite. E mesmo assim ele aceitou participar dos planos de Slowik para poder enfim provar a sua comida. A aprovação do chef é tanta para ele que Tyler nem ao menos hesitou em condenar a sua companheira ao mesmo destino que todos ali sofreriam.
Depois de almejar tanto sua atenção, o chef Slowik finalmente decide atender o desejo de Tyler transformando-o num membro da equipe já que ele aparentemente conhece tanto dessa arte. Mas ao tentar cozinhar um prato qualquer, sob os comentários carregados de deboche do chef, percebemos que Tyler não consegue fazer algo remotamente comestível.
Então toda aquela prepotência que mostrou no início cai por terra, pois vemos que a única diferença real entre ele e um leigo é que Tyler gravou os termos certos. Tudo bem se Tyler admirasse genuinamente aquela arte, porém o que fica parecendo e que ele só queria se sentir mais especial que os demais apenas por ter se devotado ao Slowik.
Humilhado na frente de todos, o Slowik mostra a Tyler todo o desdém que sente por ele, pois são fãs como ele que drenam todo o mistério da arte. Porque não é que Tyler seja apenas um fã obcecado, na sua soberba ele estraga a experiência de outras pessoas que poderiam se interessar por aquela arte apenas para ser o centro das atenções e se mostrar um entendido no assunto. Ele quer se sentir especial pelo simples fato de idolatrar alguém que tem real competência para produzir uma verdadeira obra de arte.
Durante todo esse tempo, Tyler esteve apenas fetichizando a culinária, sem nunca tentar compreendê-la de fato. Aprendeu os nomes, comprou os equipamentos, assistiu todos os programas, tudo para se mostrar quase como um artista de fato e agindo com arrogância para cima dos mais leigos. Mas no final ele continua sem saber cozinhar merda alguma.
CHEF SLOWIK: O ARTISTA DERROTADO PARTE II
Como eu falei no primeiro tópico, o personagem do Jeremy é muito importante para o roteiro de O Menu. Não apenas pelos motivos que eu listei lá em cima, mas também porque ele antecipa o arco do próprio Slowik que é a figura central nessa história. Por isso que esse será um dos trechos mais curtos do texto porque tudo que seria necessário já foi dito nos tópicos anteriores.
Chef Slowik, depois de tantos anos investindo na sua carreira, perdeu qualquer paixão que tinha pelo seu trabalho, sua arte. E como a sua arte é também sua vida, ele perdeu também qualquer motivo para continuar existindo. Por isso o menu é na verdade a sua vingança contra todos aqueles que representam os motivos dele ter perdido seu prazer na culinária. Só que tem um detalhe importantíssimo no roteiro. Seria muito fácil colocar o chef apensas como uma vítima nessa história, porém o que O Menu nos mostra é que Slowik também é responsável pela sua desgraça,
Se vocês voltarem nos tópicos, perceberão que em cada uma das instâncias o chef tem sua devida parcela de culpa. Para começar, foi ele que na sua obsessão – e gravem essa palavra que ela vai ser mais importante a seguir – em criar uma experiência gastronômica inigualável que transformou sua vida numa bagunça. Mesmo carregando ressentimento pelas críticas abusivas de Lillian, ele quem foi atrás dela no início desesperado pela sua aprovação para se colocar no mapa e dando-lhe mais poder para ser uma crítica tirana. Slowik que tornou sua arte tão cara e inacessível que apenas ricos que só estão interessados no status podem experimentá-la. Por culpa dessa sua ambição que ele precisou se vender para pessoas como Doug Verrick. Até mesmo Tyler de alguma forma acaba sendo uma criação dele.
Sendo assim, a maior tragédia de Slowik é perceber que ele também foi seu próprio algoz.
MARGOT MILLS: A OPINIÃO HONESTA
Margot talvez seja a personagem mais especial em toda a história de O Menu, até mesmo do que o chefe. E não estou falando isso só porque eu sou gado da Anya!
Ela é especial pois é a única que não deveria estar ali em mais de um sentido. Primeiro porque ela é a única personagem que não tem qualquer ligação, direta ou indireta, com o Slowik. E segundo porque na verdade quem deveria estar acompanhado Tyler era outra pessoa, sua namorada. Ex-namorada! Porém ela terminou com ele tempos antes e como Hawthorn não atende pessoas desacompanhadas ele contratou os serviços de Margot. Sim, contratou porque ela é na verdade uma acompanhante cujo nome verdadeiro é Erin.
Por isso que ela é a única que recebe a escolha de morrer com os clientes ou com a equipe. Evidentemente que isso não acontece porque ela é a sobrevivente do filme. E ela consegue tal façanha porque é a única dentre todos os presentes que tenta verdadeiramente compreender o que se passa com o chef Slowik.
Eles acabam criando um vínculo ao longo do filme. Não a ponto que Erin sente pena dele ou concorde com suas ações. Apenas que ambos consegue enxergar o sofrimento da vida um do outro. Logo fica óbvio que ela será a única sobrevivente daquela noite. E outra coisa que faz Erin especial é que ela não tem qualquer responsabilidade pela morte do artista. Pelo contrário, ela é que chega mais perto de lhe dar alguma salvação.
Erin, para mim, representa no filme a opinião honesta. Não aquela que o artista quer ouvir, mas aquela que ele precisa ouvir. É Erin que faz a verdadeira crítica pungente ao trabalho de Slowik, desconstruindo o personagem através da verdade nua e crua tão necessária. E ela o faz de maneira simples, porém eloquente: eu ainda estou fome!
Exatamente por não fazer parte daquele mundo é que Erin consegue trazer para Slowik uma nova visão que ele não recebia em seu meio. Erin mostra como ele está em negação, tentando se convencer qua cozinha com amor, porém faz isso é com obsessão. Ou seja, por mais que ele tente se enganar que está tentando criar arte ali, ele apenas está querendo afagar seu próprio senso de grandeza. E foi assim que ele perdeu o propósito mais puro da sua profissão: alimentar aqueles que sentem fome.
Toda arte serve a um propósito, seja encantar, divertir, assustar, enojar, trazer reflexão, alimentar sonhos, alimentar literalmente, etc. É assim que o artista cria um impacto nos nossas vidas e consegue se conectar com as mais diversas pessoas. Mas quando o artista perde esse principio tão fundamental, transformando a arte numa extensão do seu próprio ego, obviamente que ele nunca ficará satisfeito.
E ao pedir um mero cheeseburger, Erin consegue fazer o chef Slowik momentaneamente recuperar esse propósito. Quando ele está preparando o prato e depois vendo Erin comê-lo com satisfação, são os únicos momentos no filme todo em que o vemos expressar uma alegria sincera. Depois de tantos anos, finalmente ele consegue sentir de novo aquele prazer de conseguir levar sua arte para alguém que a aprecie de verdade.
Claro que ali o chef já tinha chegado a um ponto que a sua redenção era impossível. Por isso ele ainda termina o filme morrendo com toda a sua equipe e os clientes. Mas Erin não. A ela é concedido o direito de ir embora do restaurante antes do prato final.
Erin vai embora carregando pois ela quem carrega agora o que sobrou do espírito do artista simbolizado naquele cheeseburger. Não significa que ela vai se tornar uma cozinheira no futuro, mas sim alguém responsável por manter viva a memória daquela arte. Assim ela traz a esperança que a arte ainda pode alcançar alguém que esteja disposto a apreciá-la. Mas é importante notar aqui que o artista também tem essa responsabilidade de tentar genuinamente se conectar com o público e não apenas agraciar sua própria vaidade.
Geralmente eu termino os textos com alguma consideração final ou conclusão. Para o caso de O Menu eu não acho que tenha mais nada a ser esclarecido ou pontuado. Essa é a minha visão do filme e dos seus personagens e espero que tenha feito algum sentido para vocês.
E mesmo que não tenha, o mais legal da arte é ficar discutindo as interpretações que podemos tirar dela, então fiquem livres para expor suas próprias leituras desse filme.
Ainda teve alguns personagens que não deu para cobrir, como o editor de Lillian e o ator que é interpretado pelo John Leguizamo, porque o texto já estava extenso o bastante. Então se quiseram podem contribuir falando deles aí.
Bom, é isso. Obrigado pela atenção e pela paciência de ter lido até aqui.
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