Com o passar dos anos, conforme a gente fica mais consciente do mundo ao nosso redor, passamos reconhecer a quantidade de talentos que nos cercam. Aqui no Brasil existem legiões de bons diretores, escritores, artistas plásticos, quadrinistas, compositores, etc. E, obviamente, game designers. Mas a grande parte dessas artistas não tem acesso nem a muito investimento – ainda que existam alguns incentivos à cultura – nem muita distribuição para conseguir levar seu trabalho a um público maior. Para piorar, eles ainda tem que competir com um mercado internacional que tem larga vantagem, principalmente no capital.

Se tratando de vídeo games, a atenção do público geralmente fica voltada para os estúdios americanos, europeus e japoneses. Por isso o cenário brasileiro ainda é bem subestimado por grande parte dos consumidores. Já tivemos nossos blockbusters brasileiros no cinema, porém jogos ainda estão suando bastante para construir uma mercado nacional. Mas pelo menos as referências existem!

Quem está mais inteirado nos nessa comunidade, seja como consumidor ou desenvolvedor, sabe que tem muita gente talentosa aqui no país produzindo seus jogos. Há bastante tempo, vale ressaltar. Eu fiquei surpreso em saber que hoje já existem mais de mil estúdios no Brasil com uma estimativa de movimentarem 250 milhões de reais. Dentre eles está a JoyMasher, um estúdio indie fundado pela Thais Weiller e Danilo Dias, que lança jogos ativamente desde 2012.

Ao clicar no site do estúdio você é recepcionado por uma afirmação simples e direta: “We know retro”. Eu gosto da assertividade da escolha palavras de know/saber em vez de um love/amar. Com isso a JoyMasher não se põe num lugar de apenas fãs dos jogos retrô. A afirmação transmite confiança, conhecimento e capacidade da JoyMasher em recriar a experiência dos jogos das gerações passadas. Desde que foi fundado, o estúdio já lançou quatro títulos que evocam os temas de vídeo games da era dos 8 e 16 bits: Oniken, Odallus: The Dark Call, Blazing Chrome e, o mais recente, Vengeful Guardian: Moonrider.

Oniken & Odallus - The Dark Call, os primeiros jogos do estúdio indie brasileiro JoyMasher
Como indicado no título, o foco do texto será apenas nesses dois

Eu já queria falar da JoyMasher desde quando trouxe para cá aquele meu texto de Metamorfose S. Foi nesse o período em que decidi dar mais espaço para jogos brasileiros aqui no Backlogger. Meu alcance é ínfimo, eu sei, mas é algo que eu quero fazer. O problema era que até então eu só tinha jogado apenas um título do estúdio, o Odallus: The Dark Call. Pensei fazer uma crítica do jogo, porém a ideia não saiu do papel. Sei lá, não era o tipo de texto que eu queria escrever naquele momento. Foi só há alguns dias, depois de jogar o primeiro jogo da Joymasher, Oniken, que finalmente encontrei uma rota que me senti mais entusiasmado para seguir.

A ideia não poderia vir numa hora melhor porque recentemente criei alguns quadros “novos” aqui para o site. Um deles é o Double Down onde pretendo falar sobre duas obras diferentes que tenham algum elemento em comum entre elas. Logo, Oniken & Odallus se mostraram ótimos exemplos para eu encaixar nesse quadro. E planejo futuramente devo fazer o mesmo para os outros dois jogos da JoyMasher, Blazing Chrome & Vengeful Guardian: Moonrider. Só falta comprá-los, he he!

Hoje a minha intenção não é nem falar tanto assim dos jogos, mas sim sobre a própria JoyMasher. Através de Oniken & Odallus eu vou tentar compreender a visão e quem sabe assim incentivar outras pessoas a dar uma conferida nos trabalhos do estúdio. Sem mais delongas – que já foram muitas – vamos aos jogos!

HOKUTO NO… ONIKEN

Oniken, primeiro jogo do estúdio brasileiro JoyMasher
Revivendo a ação oitentista

Lançado em 2012, Oniken foi o primeiro jogo sob o selo da JoyMasher. Acredito que tanto a Thais quanto o Danilo trabalharam em outros projetos, fossem individuais ou em parceria. Mas é aqui que vou considerar o começo do estúdio. Entre Oniken & Odallus, o primeiro é o mais simples. Não uso esse termo como demérito, nem mesmo como uma forma de diminuir as expectativas em relação ao jogo. Oniken é simples porque ele precisa ser simples.

Oniken tem muita influência do retrofuturismo de Ninja Gaiden

O jogo é um claro tributo aos jogos de plataforma de ação que surgiram no período de transição dos anos 80 para os 90. A influência do retrofuturismo e da jogabilitidade da trilogia clássica de Ninja Gaiden, talvez o mais expoente do gênero na geração do Nintendinho, também é nítida. Essas não são as únicas referências que podemos elencar, tem por exemplo uma fase especial bem aos moldes de Contra, mas o mais importante é definir esse “período histórico” que o jogo está retratando.

Se a Joymasher quisesse, ela poderia colocar vários recursos na gameplay de Oniken, mas a intenção aqui é manter simples como se fosse um dos primeiros jogos de plataforma de ação a surgir no Nintendinho ou Master System. A ação é focada numa única direção. Você segue pra direita, desvia de obstáculos e destrói o inimigo que tiver na frente. Pulo, ataque normal, granadas e um único power-up para arma. Não tem mistério, não tem nenhuma tentativa de reinventar a roda. É a pura experiência de plataforma de 30 anos atrás.

Até a estética do jogo é toda feita para evocar o espírito dos jogos de 8-bits. Vai além da paleta de cortes, pois o jogo também tem um filtro que simula as antigas TVs de Tubo CRT. Inclusive vai até um pouco além, encurvando as extremidades da tela para se assemelhar aos antigos monitores, tanto dos aparelhos televisivos quanto dos computadores onde muitos de nós emulamos esses jogos. Os designs de personagens também são feitos a fim de trazer esses mesmos temas retrô. Não é a toa que o protagonista é descaradamente inspirado no Kenshiro de Punho da Estrela do Norte que é um personagem que grita action hero japonês dos anos 80.

Mas há um detalhe a se destacar aqui porque ao mesmo tempo que Oniken é um claro tributo aos plataformas mais antigos, ele não é feito exatamente como um jogo daquele período. Ainda entra uma modernização na jogabilidade, por mais simples que ela seja. Os controles não são duros e a movimentação do personagem é bem precisa e fluidas. Aqueles tão comuns glitches gráficos não ocorrem aqui e as animações são muito melhores.

Fora que Oniken toma outras decisões para deixar a gameplay menos frustrante. Ainda que o personagem tem uma quantidade limitada de vidas, continues não são uma preocupação. O jogo também salva automaticamente no final de cada fase e assim você nunca precisará recomeçar do zero caso perca todas as vidas.

Não que isso deixe o jogo mais fácil. Certamente não é a mesma dificuldade de um clássico Ninja Gaiden, contudo ainda há desafio suficiente para te manter investido. E diria que é um desafio muito mais justo. A princípio as fases parecem quase que impossíveis, mas logo você pega o ritmo, entende os padrões, seus reflexos se acostumam e rapidamente você se vê alcançando o chefão sem perder qualquer vida.

Um dos chefões de Oniken

As fases são bem curtas e isso funciona bastante a favor do jogo pois a gente logo nota que não existe tanta variedade de inimigos assim. Porém com uma boa construção de fase, com blocos que não se estendem muito e trazem seus desafios específicos, você nunca sente Oniken ficar repetitivo, o que é fundamental para um jogo de ação funcionar.

Não há muito mais o que falar de Oniken, é um jogo bem eficiente que serve para mostrar a o know-how da JoyMasher em trazer uma experiência retrô. Tanto para os jogadores mais antigos quanto os mais novos. E no jogo seguinte eles demonstram isso com mais habilidade ainda.

ODALLUS, UM “CASTLEVANIA” DIFERENCIADO

Tela título de Odallus - The Dark Call
Odallus eleva o nível da JoyMaser sem perder o charme retrô

Alguns anos após Oniken, a JoyMasher volta com mais um título original que mostra o crescimento do estúdio, em experiência, nesse período. Se quisessem poderia, ter transformado Oniken numa trilogia aos moldes de Ninja Gaiden, o final do jogo deixa espaço para uma continuidade. Porém não é isso que ocorre. Odallus: The Dark Call traz um novo personagem, um novo contexto e, principalmente, um novo gênero.

Odallus - The Dark Call, segundo jogo do estúdio brasileiro, JoyMasher, que tem inspirações bem claras em Castlevania

As referências e inspirações mudaram, pois aqui temos uma jogabilidade que dá para associar mais a jogos como o Castlevania clássico pela ambientação que puxa elementos de terror gótico e fantasia sombria. Mas as mudanças não são apenas estéticas pois Odallus experimenta como uma gameplay diferente do seu antecessor.

Ação ainda se faz bem presente na jogabilidade, contudo o jogo tende mais para um típico plataforma de aventura onde o elemento da exploração se torna fundamental na fórmula.

Ainda temos uma estrutura de fases, mas já não podemos encarar o jogo como puramente linear. A princípio Odallus se mostra assim, só que mais a frente o jogador se vê obrigado a refazer as mesmas fases a procura de novos caminhos. Tal como em Demon’s Crest, jogo de Super Nintendo que também serviu de inspiração para a JoyMasher, o protagonista adquire novas habilidades que o permite a acessar novas áreas nos mapas anteriores e assim desbloquear novas fases. A maior diferença é que você não tem um mapa-múndi e sim algo mais aos moldes de QuackShot. Finalmente consegui citar esse jogo aqui no blog!

Como podem notar, Odallus tem uma jogabilidade um pouco mais complexa se comparada a Oniken. Contudo isso não significa que ele é melhor. Para mim, ambos Oniken & Odallus estão em pé de igualdade nas suas respectivas propostas. O que acontece é que como a gameplay de Odallus tem no seu núcleo esse lado de aventura, isso implica num universo com mais lore, mapas maiores e com mais, além de equipamentos e habilidades para complementar a jogabilidade.

O que eu vejo de mais interessante é observar Odallus tendo Oniken como um referencial. Novamente, não é para comparar os dois em termos de qualidade, mas para ver o amadurecimento da JoyMasher como desenvolvedora de jogos sendo capaz de diversificar seu catálogo com diferentes tipos de gameplay.

Um dos chefões de Odallus - The Dark Call

Se ela quisesse poderia ter feito um Oniken II, contudo o estúdio opta por arriscar mais um título original fortalecendo o mantra do “We know retro”. E eu uso risco aqui porque pra Odallus, muitas outras coisas precisaram entrar no planejamento do jogo. A história, por exemplo, já não poderia ser apenas mais um contexto para a gameplay pois os jogadores prestariam mais atenção nela. Sendo assim a narrativa teria que ir além de apenas intercalar fases com alguma cutscene tal como ocorria em Oniken. Isso sem contar o world-buildin e a mudança de ambientação e atmosfera que Odallus requer.

Eu poderia entrar em maiores detalhes sobre a jogabilidade e até mesmo sobre narrativa que acabei de citar. Mas eu não gosto de ficar descrevendo mecânicas quando a própria página da Steam já tem todas as informações necessárias.

No mais, todo elogio que eu fiz pra Oniken pode ser replicado em alguma extensão para Odallus. É novamente um bom jogo retrô que executa perfeitamente a sua proposta de um clássico plataforma de aventura. A única rusga que eu tenho é com a revelação do antagonista, que pareceu um tanto convoluta, e um cliffhanger que até hoje ainda não foi aproveitado numa sequência. Mas fora isso, é outra ótima adição do estúdio ao seu portfólio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez a principal qualidade de Oniken & Odallus: The Dark Call é que esses jogos conseguem conversar com dois públicos.

Evidentemente os gamers mais velhos, entusiastas do retrogaming e nostálgicos de plantão acharão interessante a possibilidade de ter uma nova experiência retrô com títulos originais. Ao mesmo tempo eu acredito, ou pelo menos quero acreditar, que eles também cativarão o público mais novo já que a jogabilidade é modernizada o bastante.

Com Oniken & Odallus, o jogador tem a possibilidade de reviver duas diferentes gameplays que por tanto tempo moveram a indústria nas décadas de 80 e 90. Eles recriam perfeitamente a sensação de pegar um clássico de jogos de plataforma, seja de ação ou de aventura, com uma familiaridade que te faz até esquecer que são títulos originais e atuais.

Portanto, se você está buscando uma experiência retrô, seja por nostalgia ou curiosidade, essa dupla irá te entregar exatamente o que procura.


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