Oniken e Odallus – The Dark Call: a face brasileira do retrô

Às vezes sinto que culturalmente o brasileiro é um tanto paradoxal. Ao mesmo tempo que ele ama ser quem é, ele também carrega um histórico complexo de vira-lata que se manifesta sobretudo na nossa produção cultural. Basta ver o quão pouco se conhece o cinema nacional, com o pessoal sempre indo recorrer a Cidade de Deus e O Auto da Compadecida como se fossem os únicos grandes filmes que produzimos em mais de um século. Mas talento é que não falta nesse Brasilzão de Deus. Atores, diretores, escritores, artista plásticos, músicos, desenhistas, compositores e, obviamente, game designers. E mesmo assim haverá brasileiros – não todos, só os mais entreguistas – subestimando a arte do nosso país.

Em parte eu acho que é muito porque a produção cultural no Brasil é um reflexo da nossa desigualdade social, se concentrando na mão de muitos poucos. Existem incentivos, porém não o suficiente e que com muita dificuldade atende artistas fora de uma elite artística. Ao mesmo tempo eu também acho que existe uma mentalidade escrota de se medir a arte por um critério de blockbuster. Não basta ser bom, tem que ser um mega sucesso.

Vejo isso com muita força nessa bolha gamer que infelizmente me incluo, onde o complexto de vira-lata chega a ser gritante. O gamer médio se alimente de AAA e como o Brasil não tem a sua Rockstar Games ou a sua Santa Monica Studios, pensa-se que não temos jogos fantásticos sendo produzidos aqui apesar de todas as dificuldades.

Essa impressão não poderia ser mais errada e não nos faltam ótimas referências. E há bastante tempo, vale ressaltar. Eu fiquei surpreso em saber que hoje já existem mais de mil estúdios no Brasil com uma estimativa de movimentarem 250 milhões de reais. Dentre eles está a JoyMasher, um estúdio indie fundado pela Thais Weiller e Danilo Dias, que lança jogos ativamente desde 2012. Demorei um pouco para conhecê-los, que veio a acontecer graças a um vídeo do Gemaplys, e agora eu gosto de chamá-los de “a face brasileira do retrô”.

Jogos com uma pegada retrô são bem comuns no nosso cenário, então a JoyMasher não é nenhuma exclusividade nisso. Eu os chamo assim devido o posicionamento que o estúdio faz no seu site com uma afirmação simples e direta: “We know retro”. Eu gosto da assertividade da escolha palavras de know (saber) em vez de um love (amar). Com isso a JoyMasher não se põe num lugar de apenas fãs dos jogos retrô e monstram a sua confiança, conhecimento e capacidade de transmitir a experiência dos jogos das gerações passadas.

Desde que foi fundado, o estúdio já lançou quatro títulos que evocam os temas de vídeo games da era dos 8 e 16 bits: Oniken, Odallus: The Dark Call, Blazing Chrome e, o mais recente, Vengeful Guardian: Moonrider. Como vocês notaram pelo título, o texto vai se focar nos dois primeiros.

Oniken & Odallus - The Dark Call, os primeiros jogos do estúdio indie brasileiro JoyMasher

Eu já queria falar da JoyMasher desde quando trouxe para cá aquele meu texto de Metamorfose S. Foi nesse o período em que decidi dar mais espaço para jogos brasileiros no blog, mesmo que meu alcance seja ínfimo. Toda ajuda é válida, né? O problema era que até então eu só tinha jogado apenas um título do estúdio, o Odallus: The Dark Call. Até pensei em fazer uma crítica do jogo, porém a ideia não saiu do papel. Sei lá, não era o tipo de texto que eu queria escrever naquele momento. Foi só há alguns dias, após zerar Oniken, que finalmente encontrei uma rota que me senti mais entusiasmado para seguir.

A ideia não poderia vir numa hora melhor porque recentemente criei alguns quadros “novos” aqui para o site. Um deles é o Double Down onde pretendo falar sobre duas obras diferentes que tenham algum elemento em comum entre elas. Logo, Oniken e Odallus se mostraram ótimos exemplos para eu encaixar nesse quadro. E planejo futuramente devo fazer o mesmo para os outros dois jogos da JoyMasher, Blazing Chrome e Vengeful Guardian: Moonrider. Só falta comprá-los!

Mas adianto que a minha intenção no texto não é falar tanto assim dos jogos. Na verdade o que eu quero é usar Oniken e Odallus como objetos para tentar compreender a visão da JoyMasher como uma desenvolvedora de jogos e quem sabe incentivar mais pessoas a conhecê-la. Então, sem mais delongas – que já foram muitas – vamos aos jogos!

HOKUTO NO… ONIKEN

Oniken, primeiro jogo do estúdio brasileiro JoyMasher
Revivendo a ação oitentista

Lançado em 2012, Oniken foi o primeiro jogo sob o selo da JoyMasher. Acredito que tanto a Thais quanto o Danilo trabalharam em outros projetos, individuais ou já em colaboração. Mas é aqui que vou considerar o começo do estúdio. Entre Oniken e Odallus: The Dark Call, o primeiro é o mais simples. Não uso esse termo como demérito, nem mesmo como uma forma de diminuir as expectativas em relação ao jogo. Oniken é simples porque ele precisa ser simples.

O jogo é um claro tributo aos jogos de plataforma de ação que surgiram no período de transição dos anos 80 para os 90. A influência do retrofuturismo e da jogabilidade da trilogia clássica de Ninja Gaiden, talvez o maior expoente do gênero na geração do Nintendinho, também é evidente. Essas não são as únicas referências que podemos elencar, tem por exemplo uma fase especial bem aos moldes de Contra, mas o mais importante é definir esse “período histórico” que o jogo está retratando.

Oniken tem muita influência do retrofuturismo de Ninja Gaiden

Se a JoyMasher quisesse, ela poderia colocar vários recursos na gameplay de Oniken, mas a intenção aqui é mantê-lo o mais fiel a forma dos jogos daquela geração. A ação é focada numa única direção. Você segue pra direita, desvia de obstáculos e destrói o inimigo que tiver na frente. Pulo, ataque normal, granadas e um único power-up para arma. Não tem mistério, não tem nenhuma tentativa de reinventar a roda. É a mais pura experiência de um plataforma de ação de 30 anos atrás.

Até a estética do jogo é toda feita para evocar o espírito dos jogos de 8-bits. Não só pelas paletas, mas também pela inclusão de um filtro que simula as antigas TVs de Tubo CRT. Até encurvaram as extremidades da tela para se assemelhar aos antigos monitores. Tanto dos aparelhos televisivos quanto dos computadores, onde muitos de nós emulamos esses jogos. Os designs de personagens também são feitos a fim de trazer esses mesmos temas retrô. Não é a toa que o protagonista é descaradamente inspirado no Kenshiro de Punho da Estrela do Norte que é um personagem que grita action hero japonês dos anos 80.

Mas há um detalhe a se destacar aqui porque ao mesmo tempo que Oniken é um claro tributo aos plataformas mais antigos, ele não é feito exatamente como um jogo daquele período. Ainda entra uma modernização na jogabilidade, por mais simples que ela seja. Os controles não são duros e você tem um personagem bem ágil. Aqueles tão comuns glitches gráficos não ocorrem aqui e as animações e designs de personagens são muito melhores.

Um dos chefões de Oniken

Fora que Oniken toma outras decisões para deixar a gameplay menos frustrante. Ainda que o personagem tem uma quantidade limitada de vidas, continues não são uma preocupação. O jogo também salva automaticamente no final de cada fase e assim você nunca precisará recomeçar do zero caso perca todas as vidas. Este rapaz com reflexos questionáveis agradece, JoyMasher!

Não que isso deixe o jogo mais fácil. Certamente não é a mesma dificuldade de um clássico Ninja Gaiden, contudo ainda há desafio suficiente para te manter investido. E diria que é um desafio muito mais justo. A princípio as fases parecem quase que impossíveis, mas logo você pega o ritmo, entende os padrões, seus reflexos se acostumam e rapidamente você se vê alcançando o chefão sem perder qualquer vida.

Fora que as fases são bem curtas e isso funciona bastante a favor do jogo porque logo a gente nota que não existe tanta variedade de inimigos assim. Mesmo assim o level design não deixa a desejar, com blocos que não se estendem muito e trazem seus desafios específicos, você nunca sente Oniken ficar repetitivo, o que é fundamental para um jogo de ação funcionar.

Não há muito mais o que falar de Oniken, é um jogo bem eficiente que serve para mostrar a o know-how da JoyMasher em trazer uma experiência retrô. Tanto para os jogadores mais antigos quanto os mais novos. E no jogo seguinte eles demonstram isso com mais habilidade ainda.

ODALLUS, UM “CASTLEVANIA” DIFERENCIADO

Tela título de Odallus - The Dark Call
Odallus eleva o nível da JoyMaser sem perder o charme retrô

Alguns anos após Oniken, a JoyMasher volta com mais um título original que mostra o crescimento do estúdio como uma referência em jogos indepedentes. Se quisessem, eles poderiam ter transformado Oniken numa trilogia aos moldes de Ninja Gaiden, o final do jogo deixa espaço para uma continuidade. E eu até gostaria que um dia tivesse, hein? Porém não é isso que ocorre. Odallus: The Dark Call traz um novo personagem, um novo contexto e, principalmente, um novo gênero.

As inspirações mudaram, pois aqui temos uma jogabilidade que dá para associar mais a jogos como o Castlevania clássico pela ambientação que puxa elementos de terror gótico e fantasia sombria. Também poderíamos citar o infame e até o infame Zelda II: The Adventure of Link, pois as mudanças não são apenas estéticas e a gameplay resolve buscar um novo caminho em relação a Oniken. O jogo tende mais para um típico plataforma de aventura onde o elemento da exploração se torna mais fundamental que a ação.

Odallus - The Dark Call, segundo jogo do estúdio brasileiro, JoyMasher, que tem inspirações bem claras em Castlevania

Ainda temos uma estrutura de fases, mas já não podemos encarar o jogo como puramente linear. Odallus até que se mostra assim no começo. Contudo, mais a frente o jogador se vê obrigado a refazer as mesmas fases a procura de novas rotas, tal como em Demon’s Crest, jogo de Super Nintendo, que acredito que também serviu de inspiração para a JoyMasher. O protagonista adquire novas habilidades que o permite a acessar novas áreas nos mapas anteriores e assim desbloquear novas fases. A maior diferença é que você não tem um mapa-múndi e sim algo mais aos moldes de QuackShot. Finalmente consegui citar esse jogo aqui no blog!

Como podem notar, Odallus tem uma jogabilidade um pouco mais complexa comparada a de Oniken. Contudo isso não significa que ele é melhor. Para mim, ambos estão em pé de igualdade nas suas respectivas propostas. O que acontece é que como a gameplay de Odallus tem no seu núcleo esse lado de aventura, isso implica num universo com mais lore e mapas maiores, além de equipamentos e habilidades para complementar a jogabilidade.

Porém eu ainda acho interessante avaliar Odallus tendo Oniken como um referencial. Não para comparar os dois em termos de qualidade, mas para ver o amadurecimento da JoyMasher como desenvolvedora de jogos sendo capaz de diversificar seu catálogo com diferentes tipos de gameplay.

Um dos chefões de Odallus - The Dark Call

Como eu disse, se ela quisesse poderia ter feito um Oniken II, contudo o estúdio opta por arriscar mais um título original fortalecendo o mantra do “We know retro”. E eu uso risco aqui porque pra Odallus, muitas outras coisas precisaram entrar no planejamento do jogo. A história, por exemplo, já não poderia ser apenas uma premissa para a gameplay pois os jogadores prestariam mais atenção nela. Sendo assim a narrativa teria que ir além de apenas intercalar fases com alguma cutscene tal como ocorria em Oniken. Isso sem contar o world-building, a mudança de ambientação e a atmosfera que um jogo como Odallus deveria ter.

Eu poderia entrar em maiores detalhes sobre a jogabilidade e até mesmo sobre narrativa que acabei de citar. Mas eu não gosto de ficar descrevendo mecânicas quando a própria página da Steam já tem todas as informações necessárias. No mais, todo elogio que eu fiz pra Oniken pode ser replicado em alguma extensão para Odallus. É novamente um bom jogo retrô que executa perfeitamente a sua proposta de um clássico plataforma de aventura. A única rusga que eu tenho é com a revelação do antagonista, que pareceu um tanto convoluta, e um cliffhanger que até hoje ainda não foi aproveitado numa sequência. Mais outra sequência que poderia vir um dia, hein? Fora isso, foi outra ótima adição ao portfólio do estúdio e a minha biblioteca também.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez a principal qualidade de Oniken e Odallus: The Dark Call é que esses jogos conseguem conversar com dois públicos. Evidentemente os gamers mais velhos, entusiastas do retrogaming e os nostálgicos de plantão acharão interessante a possibilidade de reviver a sensação daquele período com jogos originais. Ao mesmo tempo eu acredito, ou pelo menos quero acreditar, que eles também cativarão o público mais novo já que a jogabilidade é mais suavizada para os padrões modernos.

Com Oniken e Odallus, o jogador tem a possibilidade de experimentar duas diferentes gameplays que por tanto tempo moveram a indústria nas décadas de 80 e 90. Eles recriam perfeitamente a sensação de pegar um clássico de jogos de plataforma, seja de ação ou de aventura, com uma familiaridade que te faz até esquecer que são títulos originais e atuais. Portanto, se você está buscando uma experiência retrô, seja por nostalgia ou curiosidade, a JoyMasher irá te entregar exatamente o que procura.


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