Igão e Mítico, apresentadores do PodPah, um dos maiores podcasts da atualidade do YouTube brasileiro
Conversa de bar é o cacete!

Um dos momentos que eu considero mais memorável na história dos mesacasts, um formato que angaria tanto fãs quanto críticos, é o famigerado esporro que o Rogério Skylab deu no Flow Podcast em 2020. Esse corte não só ficou muito emblemático como, ao longo desses quatro anos, também foi reutilizado repetidas vezes quando o podcast passava por alguma polêmica. Inclusive naquele fatídico episódio do “eu sou mais louco que todos vocês” que iria mudar para sempre o programa.

Mas pra mim esse é um momento importante porque se tornou uma crítica universal ao formato de mesacasts com a máxima “Isso não é um butiquim”.

Quando o Skylab conversou com o Igor3k e o Monark eles já estavam há quase um ano e meio na condução do Flow, ou seja, não eram principiantes. Pode-se dizer que eles não tinham ainda os mesmos recursos que o podcast conseguiria levantar nos anos seguintes, porém não dava mais para tratar os caras com a mesma condescendência dos primeiros episódios. A crítica do Skylab é bem contundente, precisa e, infelizmente, sempre ignorada.

O podcast já movimentava um público considerável e em vários episódios eles conseguiam bater a margem das milhares de visualizações. Assim surgia a necessidade do canal se entender como aquilo que ele era, um veículo de comunicação, e como tal o Flow precisava assumir as responsabilidades pelo que era veiculado na sua plataforma. Por mais que se tentava vender a ideia de que aquilo não era um programa de entrevista tradicional e mais um bate-papo, isso não isentava os apresentadores de qualquer crítica. E vamos lembrar que já nos seus primórdios o Flow tocava em pautas que iam para muito além de uma conversa descontraída.

Então, eu acho que chamar um programa como Flow é um bate-papo é uma ideia um tanto errada. Bate-papos tem caráter pessoal entre um pequeno grupo de amigos e/ou conhecidos. Porém a partir do momento que você transmite isso para uma audiência você já está mudando fundamentalmente a dinâmica da conversa. As informações que serão trocadas ali também serão passadas para o público, ainda mais em tempo real, então é necessário ter o mínimo de compromisso com o que é falado e como é falado.

Pois bem, como eu disse, o esporro do Skylab se tornou a crítica mais recorrente a qualquer mesacast que foi surgindo no YouTube brasileiro nos anos que se sucederam ao Flow, alguns que nasceram do próprio estúdio que o canal formou. Bom, talvez não todos. Aí que chega o PodPah na história.

Criado por dois youtubers que já estavam há anos na plataforma, o Igão e o Mítico, o PodPah foi um dos primeiros a surfar com força na onda do Flow. No início eles até foram apadrinhados pelo Monark e o Igor3k, gerando uma pequena intriga quando decidiram ter um estúdio próprio. O PodPah cresceu exponencialmente ao longo dos anos seguindo a mesma proposta descontraída que o Flow trouxe. Tanto que eles se descrevem como “o canal mais zika da internet.

Entretanto, de um tempo para cá e sobretudo nos últimos dias, o PodPah passou a receber as mesmas críticas que eram direcionadas ao Flow quatro anos atrás. Um caso recente aconteceu meses atrás no episódio com o Wagner Moura. Nele ficou muito visível que nenhum dos apresentadores fez qualquer pesquisa sobre o convidado e nem receberam o famoso briefing, um publicitarês para resumo. Lembro que na época até viralizou um trecho em que Wagner fala “você não fez sua pesquisa direito”. Até hoje muita gente bate nessa tecla da falta de preparo e ressalta que esse é um padrão recorrente.

Então, poucos dias atrás, uma usuária no Twitter trouxe de volta a crítica sobre o formato dos mesacasts de forma bem dura:

Apesar dela não direcionar o comentário a um podcast específico, era inevitável que o nome do PodPah fosse aparecer. Nisso me chamou atenção dois outros tweets que surgiram a partir dessa discussão. Um deles veio de outro usuário no comentário da Marie em que ele disse “não gosto desse discurso de que tem que ter repertório, soa bem elitistazinho“. E o outro veio do Felipe Neto:

Óbvio que acho furada esses dois argumentos que tentam servir de defesa ao PodPah. Primeiro porque chamar de elitismo exigir que um canal com tamanho alcance e que está constantemente conversando com diversas figuras públicas e pessoas de influência, dentre elas o atual presidente do país que na época estava em campanha política, é de uma baixeza abismal. Eu diria até o oposto nesse caso. Você achar que, só porque os caras terem essa linguagem “da quebrada” no seu programa, eles não precisam buscar mais reportório que é um pensamento elitista.

Segundo, em relação ao comentário do Felipe Neto, eu discordo ainda mais. Porém tenho que reconhecer que considero um dos canalhas mais profissionais do YouTube brasileiro então tendo a revirar os olhos pra muita coisa que ele diz. De qualquer forma, considero a fala dele uma condescendência galopante. Não porque o formato de programas como o PodPah não é um bicho-de-sete-cabeças que os artistas e parte do público ainda não conseguiram entendera. Mas sim porque esse simplesmente não é o ponto da crítica.

De novo, mesmo que se vendam como um bate-papo isso não os isenta das responsabilidades como comunicadores. E sim, toda pessoa que fala publicamente para um grande público é uma comunicadora, quer ela goste do título ou não. Com isso não vem apenas a necessidade de se ter repertório, mas também responsabilidade. Para com o seu público e para com seus convidados.

Agora eu gostaria de propor um exercício de imaginação. Digamos que no meio de uma das entrevistas do PodPah um dos convidados começa a emplacar um discurso antivacina e solta aquela clássica de que “vacinas causam autismo”. Que já foi desmentida diversas vezes. Cês acham que seria de bom o bastante o Mítico ou o Igão apenas falar “ih esse tio tá loco kkkkk” e seguir com o programa normalmente? Afinal, nenhum dos dois atua no campo da medicina então eles não precisam contestar o convidado, certo? Óbvio que não! É sim responsabilidade do podcast com o público que os assiste que aquele é um discurso falso e perigoso. No mínimo o trecho deveria ser removido ou então, algo que acho mais intelectualmente honesto, inserir um paratexto que indique que se trata de uma conspiração rasteira e mentirosa.

Assumo que isso esse exemplo possa ter forçado a barra um pouco, até porque não tenho conhecimento de uma polêmica assim acontecendo no PodPah. Mas o que eu queria ilustrar ali é que independente da abordagem e do formato, o programa ainda precisa tomar responsabilidade por aquilo que for dito ali dentro. Ser a tal da conversa descontraída não vai te tornar passível aos deveres que todo veículo de comunicação tem.

Para citar um exemplo real, eu sigo um podcast gringo chamado Trash Taste, apresentado por três youtubers que surgiram da comunidade de animês, Garnt, Joey e Connor. Durante os programas, eles ficam falando de tópicos diversos: a vida no Japão, várias formas de entretenimento, a comunidade do YouTube, notícias, etc. Tudo isso durante um “bate-papo” bem descontraído, até mesmo quando tem convidados.

Algo que eu achei bem legal que a equipe por trás do Trash Tase faz é um fact-checking do que os apresentadores e convidados comentam. Algumas vezes é para confirmar uma informação, esclarecer uma confusão, corrigir um erro ou então expandir a conversa. Os apresentadores nunca se vendem como especialistas em nada, mas há um compromisso em passar as informações corretas para o público. E quando recebem alguém no programa, existe todo um preparo para garantir que a entrevista flua da melhor maneira. Porque esse tipo de comprometimento vai para além da proposta do podcast, é um entendimento que aquilo que está sendo falado ali dentro vai repercutir com o público assistindo.

O mesmo deveria se aplicar a qualquer outro mesacast que o valha. A crítica pesa mais para o Flow e o PodPah porque são dois dos maiores. Eles não são mais o Whindersson Nunes no início do seu canal quando ele só podia contar com uma webcam e seu carisma. Dada as devidas proporções, eles estão na mesma posição que o Whindersson está hoje na sua carreira. PodPah não é um canal comandado apenas por dois caras e mais um terceiro que checa as câmeras e os microfones. Eles são uma empresa, tem toda uma equipe em atividade para garantir que o canal siga funcionando.

Sendo assim, eles possuem recursos mais do que suficientes para contratar alguém que possa fazer uma pesquisa prévia de cada convidado e repassar um resumo para os apresentadores antes de ligarem as câmeras. Vejam que isso não é nem pedir para que reformulem a estrutura do podcast. As críticas apenas exigem que se faça o mínimo de profissionalismo dentro de um veículo de comunicação.

O Faustão tem aquele bordão do “quem sabe faz ao vivo” e é bom entendermos a frase na sua completude. Não é só uma questão de talento e desenvoltura para falar para uma câmera em tempo real. É também responsabilidade de buscar repassar as informações corretas para seu público e ter alguma noção foco daquele episódio. Que no caso dos mesacasts são o convidados. Não adianta dizer que não é uma entrevista quando todo o marketing sobre o episódio é que vão conversar com a pessoa X ou Y. Pode não ser uma entrevista no jeito mais formal, contudo a dinâmica é bem análoga.

É muito fácil querer gozar com os benefícios de ficar trocando ideia com várias pessoas e receber por isso. Difícil é querer assumir que você tem um papel e uma responsabilidade ao se dispor a criar tal conteúdo querendo se valer com essa desculpa que é só uma conversa de bar. Não existe conversa de bar transmitida para centenas de milhares de pessoas. A gente já falou sobre isso, repetidamente, ao longo de quatro anos. Então o pau que já deu no Flow agora também tem que dar no PodPah!


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