Sifu: frustração & recompensa

A imagem é uma colagem de duas fotos diferentes do protagonista de Sifu formando um único rosto. Na metade esquerda ele tem uma expressão mais sombria, frustrada, enquanto na metade direita seu rosto está iluminado e ele parece feliz

Aviso: para o bem de todos e felicidade geral da Nação,
não haverá trocadilhos saturados com Sifu neste texto.

Eu já falei muito tempo atrás que tenho um fascínio pelo conceito de curva de aprendizagem nos vídeo games. Contudo isso não quer dizer que eu goste de jogos difíceis, é até o oposto. Graças a todas essas discussões insuportáveis que circundam jogos como Dark Souls eu perdi o tesão nessa ideia de desafio. Fora que eu também não sou um jogador exímio. Eu sempre penso duas e até três vezes antes que começar qualquer título que seja conhecido pela sua dificuldade e por isso relutei um pouco para instalar Sifu.

Mas, sendo um grande fã de filmes de artes marciais, era questão de tempo até eu me render à curiosidade. Isso aconteceu há alguns meses e para adiantar: eu gostei do jogo. Atualmente se encontra entre os meus beat’em ups favoritos. Só que isso foi acontecer apenas depois de muita, muita mesmo, muitíssima, bota muita nisso, MUITA frustração!

Sifu, desenvolvido pelo estúdio Soclap, foi uma das apostas de para renovar o interesse nos beat’em ups em 2022. Não que o gênero esteja morto, – e eu já linkei o canal do The Flying Kick várias vezes aqui para confirmar isso – apenas longe dos olhares do mainstream. Infelizmente isso só acontece quando há o envolvimento de um IP conhecida, como foi com Streets of Rage 4 e Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge. Entretanto Sifu tinha algo ao seu favor: ser um jogo 3D. Quisera eu que isso fosse apenas uma piada. É notável como o gamer médio ainda tem a mentalidade que 3D é a norma e 2D, onde a maioria dos beat’em ups transita, é datado.

Enfim, Sifu esteve aí, gerou um burburinho e mostrou uma tomada interessante no gênero. O pai do protagonista – que pode ser tão um homem ou uma mulher – é o mestre, ou sifu, de uma escola de artes marciais chinesa do estilo Bak Mei. Uma noite, um ex-discípulo seu, Yang, invade o dojô depois de ser expulso por tentar usar o talismã que eles deveriam proteger. Com a ajuda de quatro artistas marciais habilidosos, Fajar, Sean, Kuroki e Jinfeng, Yang derrota todos os alunos e acaba matando seu antigo sifu em combate.

Escondido, o filho do sifu assiste toda a luta sem poder fazer nada e no final ainda é descoberto e morto por um dos aliados de Yang. Contudo a criança revive graças a outro talismã que carregava consigo. Ela então dedica os anos seguintes da sua vida a treinar e rastrear todos os responsáveis pela morte do seu pai. O talismã que salva a vida do protagonista é um elemento que funciona dentro da narrativa e da jogabilidade, se tornando o pilar central da dificuldade de Sifu.

Para quem não está familiarizado com o jogo, toda vez que o personagem morre o talismã o ressuscita a custo de uns anos de vida. O contador começa com um e vai aumentando progressivamente conforme você morre consecutivas vezes, acelerando o processo de envelhecimento. Existe um limite de idade que o personagem pode chegar, se não me engano são 75 anos, e a cada década ele perde parte do seu HP máximo e ganha um pouco mais de força. Sendo assim, você precisa tentar morrer o menos possível já que a idade com que você termina um estágio carrega para o seguinte.

E aí as coisas começam a ficar frustrantes!

Sifu tem somente cinco fases, porém não é um jogo curto. Os mapas nem são tão grandes e você consegue liberar alguns atalhos depois. O que estende a duração da gameplay é a quantidade de vezes que você é obrigado a refazer uma mesma fase até dominar o combate que pode ser bem punitivo em certos momentos. Não falo nem apenas dos chefões, alguns inimigos mais fortes do meio das fases podem te dar um bom trabalho.

Lembro que na minha primeira tentativa no primeiro estágio eu consegui chegar no primeiro chefão, Fajar, e não passei da sua primeira fase. Meu personagem já estava com 50 e tantos anos e não levou muito para eu ser derrotado. Na segunda tentativa – ou terceira, não sei ao certo – para minha surpresa eu consegui vencê-lo. Com 74 anos de idade. Resultado: morri nos primeiros minutos da boate de Sean. Logo me vi sem escolhas a não ser recomeçar a fase do Fajar toda de novo até que eu fosse capaz de sair dela com meu personagem bem mais novo. Essa é uma ação que eu repetiria pelo restante do jogo.

Quase como um roguelike, porém sem RNG, Sifu leva em conta que o jogador terá que passar repetidas vezes por suas fases. Tanto que existem algumas interações que revelam detalhes da história que só são possíveis depois que você avança no próprio estágio ou nos posteriores. Um bom exemplo é uma porta logo antes de você encontrar o Fajar que só abre depois que você encontra um item num quarto do spa do Yang, a última fase.

O mesmo se aplica aos golpes e outras habilidades que você pode desbloquear com a experiência dada ao derrotar inimigos. Quando você reseta uma fase, também reseta todas as habilidades mantendo apenas aquelas que você possuía ao entrar nela. Para que os golpes fiquem permanentes, você tem que comprá-los cinco vezes. Logo, como podem imaginar, será necessário farmar experiência recomeçando as fases mesmo quando você tem um desempenho satisfatório nelas.

Como se isso não bastasse, as chances são que você terá que refazer cada um dos estágios depois de derrotar o Yang apenas para obter o famigerado true ending. Assumo que chega horas que esse fator de repetição enche o saco e acredito que é quando muitas pessoas decidem abandonar Sifu. Em vários momentos eu me senti tentado a fazê-lo, porém sempre dava uma segunda chance. Não porque eu quisesse obter o final, mas sim porque ao mesmo passo que o jogo me frustrava ele também começava a me dar satisfação. A cada nova repetição em que eu notava que conseguia avançar mais longe sem deixar meu personagem morrer era seguida de uma alegria de perceber que eu estava melhorando. E aqui eu gostaria de fazer uma comparação.

Eu não gosto de Titan Souls! Com toda ênfase possível. Esse é um jogo de 2015 cujo combate gira em torno de duelos contra chefões e o conceito de one-hit kill. Seu personagem tem uma única flecha e só precisa acertar o ponto fraco dos titãs para derrotá-los. Em contrapartida, ele também morre se for acertado pelo chefão. O jogo tenta ter uma qualidade de Shadow of the Colossus, com uma história minimalista deixada à interpretação do jogador ao explorar os mapas.

Até hoje eu tenho uma rusga com Titan Souls e não é por conta da dificuldade. Consegui zerá-lo, contudo não senti qualquer prazer ou satisfação em fazê-lo. Sabe aquela sensação orgulhosa de “te venci, jogo maldito”? Comigo foi mais um sentimento confuso, questionando se eu realmente conquistei aquela vitória. Parece estranho, mas tem tudo a ver com a forma que o combate é conduzido nas lutas. Na maioria delas eu não saía com um espírito vitorioso porque a minha impressão é que eu apenas dei um literal tiro de sorte. O último chefão é algo que ainda me irrita porque eu venci atirando sem querer ao disparar a flecha numa outra direção. Eu “acertei tentando errar” e isso tirou qualquer sentimento gratificante que eu poderia ter naquele momento.

Agora com o caso de Sifu foi diametralmente oposto, eu saí de cada fase com a satisfação que conquistei essa vitória. Porque essa vitória não veio graças a eu usar o combo certo no momento certo, ela foi consequência da minha melhoria em dominar as mecânicas de combate de jogo. Passei a ter reações mais rápidas, fiquei mais eficiente no uso das mecânicas de parry e de desviar, consegui identificar e de vez em quando até prever alguns padrões de ataques dos oponentes, preparar estratégias previamente uma vez que eu já conhecia a rota da fase.

Nesse contexto, os chefões serviram de um excelente marco para determinar que esse crescimento ocorria. A Kuroki, por exemplo, que você enfrenta na terceira fase. Nos meus primeiros embates, ela simplesmente me destroçava. Um tempo depois ela se tornou um dos chefões que eu conseguia derrotar com mais facilidade sem perder uma vida. O Sean, que me deu tanto trabalho nas minhas primeiras horas em Sifu, eu consegui derrotar somente defendendo até quebrar a sua postura. Quando eu encarei o Yang, só na primeira fase ele já me deixou mais perdido que o Bambam apanhando do Popó. Agora eu consigo chegar na segunda com relativa tranquilidade.

É evidente que, sendo um jogo com ênfase em combate, Sifu demanda que o jogador desenvolva uma certa habilidade. Só apertar soquinho + soquinho + soquinho não vai te levar a nenhum lugar que não seja o chão. Entender como os inimigos se comportam e qual é a melhor forma de contra-atacar é fundamental para você conseguir avançar e finalizar o jogo. Contudo eu não acho que seja apenas uma questão de habilidade, é necessário persistência. Você não vai conseguir vencer na primeira, na segunda, na terceira, possivelmente nem na quarta tentativa e invariavelmente terá que refazer seus passos para ter anos suficientes para gastar com o Yang. Então vira um exercício mais de perseverança do que aptidão.

É frustrante, eu entendo. Passar n-vezes pelo mesmo mapa incomoda. Mas é muito recompensador quando você se vê derrotando aquele chefão que te fez passar tanta raiva sem precisar apelar para o talismã. E qualquer um consegue chegar nesse ponto, podem ter certeza disso. Porque o mesmo cara que saiu da primeira fase com 74 anos é o mesmo cara que dias depois depois foi capaz de pegar a conquista de zerar o jogo deixando o personagem com 25 ou menos anos.


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