Terror no Pântano e a picaretagem do filme “intencionalmente” galhofa

Cena do filme Terror no Pântano 2. Uma mulher está de quatro com seu amante atrás dela e o vilão do filme,  Victor Crowler, os observa no fundo da tela depois de cortar a cabeça do homem com sua machadinha

Quando eu era mais novo, eu morria de medo de filmes de terror. Era tanto a ponto que nem aquelas chamadas do SBT eu conseguia ver. Um jeito que eu achei para tentar reverter isso foi assistir alguns trechos de filmes de terror no YouTube. Na minha cabeça isso me ajudaria a criar mais “anticorpos” contra o meu medo. Foi numa dessas andanças pelo YouTube que eu dei de cara com Terror no Pântano (Hatchet).

Naquela época, acho que devia ser 2007 ou 2008, só havia o filme de 2006. Na década seguinte, Terror no Pântano viraria uma franquia com mais três sequências. As duas primeiras fecham uma trilogia e o quarto e último é uma espécie de soft reboot que tentou dar uma nova continuidade, porém (felizmente) falhou. Mas estou me precipitando, ainda tem mais um pouco de contexto antes que eu comece a dar minhas opiniões a respeito de Terror no Pântano.

Spoiler: não são nada positivas!

A cena do vídeo que eu cliquei mostrava um homem idoso bem gordinho, com um bigodão de respeito, mancando enquanto se apoia na sua esposa. Os dois vão até uma cabana toda acabada no meio do pântano enquanto um outro grupo de personagens tenta convencê-los de dar meia volta. O casal não dá ouvidos e a esposa começa a gritar por ajuda. De repente sai da cabana um homem deformado empunhando uma machadinha que mata os dois velhinhos brutalmente e o grupo foge.

Eu ainda era muito impressionável, então eu desliguei o vídeo imediatamente e eu nunca cheguei mais perto do filme. Tem bastante gore e os efeitos especiais são muito sanguinolentos, mas não é que eu tenha ficado tão traumatizado assim. Com o tempo eu apenas esqueci que Terror no Pântano existia. Isso foi mudar há um mês mais ou menos quando um vídeo que eu assistia mencionou o título. Isso ativou a memória daquele fatídico dia da minha juventude e, por curiosidade, resolvi dar uma conferida no filme e acabei por ver a franquia inteira.

Eita! Devo ter gostado muito de Terror no Pântano, não é mesmo? Pelo contrário, esses foram quatro dos filmes mais horríveis que eu já tive o desprazer de assistir na minha vida!

Admito que posso ter exagerado um pouco porque eu sou melodramático. É que a memória ainda está fresca e meu sangue ainda está quente. Mas para ser sincero, já vi coisas muito piores que Terror no Pântano. Essa é apenas uma franquia cujos filmes variam numa escala entre ruim e medíocre. O que me faz detestá-la de verdade não é exatamente a sua (falta de) qualidade e sim algo que o filme simboliza que estou farto de ver no cinema e na TV. É uma desculpa que diretores como Adam Green – que criou, roteirizou e dirigiu a maior parte dos filmes de Terror do Pântano – para mascarar o fato que eles não possuem o real talento para fazer uma obra genuinamente competente. A chamo de picaretagem do filme “intencionalmente” galhofa.

Eu já deveria ter imaginado que eu não ia gostar nenhum pouco de Terror no Pântano quando os primeiros comentários que encontrei sobre o filme o descreviam como um bom exemplo de “um terror das antigas”. Pode parecer uma fala banal, mas depois de um tempo você percebe como ela é um dos maiores red flags nesse campo. Sempre que as pessoas falam sobre “terror das antigas” elas estão se referindo a um período bem específico da história do gênero. Terror existe desde os anos 30 e desde então já se dividiu nos mais diversos estilos, subgêneros e tendências. O que é comumente colocado nessa caixinha de “terror das antigas” é o fenômeno que originou na década de 70 e foi explodir e saturar – nos anos 80: os filmes slashers.

Cena de Halloween - A Noite do Terror, clássico de 1978 de John Carpenter. Laurie Strode (interpretada por Jamie Lee Curtis) está encostada com medo na parede enquanto o vilão Michael Myers a observa nas sombras

Ao longo do que se considera a era dourada dos slashers tivemos muitos ótimos exemplos como Noite de Terror (Black Christmas), O Massacre da Serra Elétrica, Halloween e A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street). Isso pensando aqui na América, porque do outro lado do Atlântico tínhamos ao mesmo tempo o auge do giallo no cinema italiano, onde eu sempre gosto de destacar o clássico Prelúdio Para Matar (Profondo Rosso).

Porém, se por um lado os slashers nos trouxeram tantos filmes bons, por outro ele trouxe uma infinidade de bombas. Ainda que muitos não irão admitir, Sexta-Feira 13 é uma péssima franquia de slashers que só consegue um pouco de generosidade porque o Jason Voorhees se tornou um personagem icônico. Eu até poderia tentar citar outros filmes, mas são tantos que daria um texto à parte. Halloween e A Hora do Pesadelo, por exemplo, tiveram diversas sequências terríveis (outras um pouco subestimadas).

Enfim, é por isso que quando eu ouço alguém falar em “terror das antigas” eu reviro os olhos. Porque dá para ver que a pessoa está tomando como padrão de qualidade filmes nos quais essa qualidade não estava no topo da lista. Aí que mora meu problema. Não com filmes per se. Mesmo com todos os seus problemas, eu os reconheço como parte da história do terror no cinema e acho que merecem ser vistos, analisados e até celebrados quanto qualquer outro filme. Até porque a trasheira deles por vezes cria experiências involuntariamente divertidas. O que me incomoda é acharem que essa que foi a “época boa de verdade” dos filmes de terror.

Então chega o Adam Green com seu Terror no Pântano, propondo fazer uma homenagem aos slashers oitentistas. Não é à toa que ao longo de toda franquia nós encontramos muitos rostos conhecidos desse universo cinematográfico do terror. Só no primeiro filme temos o Robert Englund, o eterno Freddy Krueger, e o saudoso Tony Toddy, de O Mistério de Candyman (Candyman) e Premonição (Final Destination), fazendo uma pequena ponta. Aliás, Terror no Pântano 2 só foi minimamente tragável para mim porque o personagem do Tony Toddy volta e ele assume o papel de antagonista. Outro ator importante de se destacar é o Kane Hodder, conhecido por interpretar o Jason em quatro filmes da sua série, que aqui encarna o vilão principal, Victor Crowley.

Pois bem, a história dos filmes de Terror no Pântano gira em torno da lenda de Victor Crowley. Conta-se que ele vivia isolado com seu pai Thomas no pântano. Victor nascera com uma deformação e por isso seu papai o mantinha em casa para protegê-lo das pessoas. Mesmo assim, numa noite de Halloween, três garotos resolvem pregar uma peça em Victor que estava sozinho no momento e acabam ateando fogo na cabana. Para salvá-lo, Thomas tenta quebrar a porta com um machado sem saber que o filho estava atrás dela e assim o matar por acidente. Contudo, alguns anos depois, o espírito ressurge e passa a assombrar a cabana, matando qualquer um que se aproxime dela.

Eu não vou entrar em mais detalhes da história porque consistência não é algo muito forte nos filmes de Terror no Pântano. Os detalhes da maldição mudam a cada filme, bem como a força do próprio Victor que aumenta e diminui conforme seja mais conveniente pro roteiro. O que se mantém mais ou menos consistente é o fato do vilão ser imortal, pois ele pode ser incapacitado temporariamente até que seu corpo se regenere. Quaisquer semelhanças com o Jason são mera coincidência, hein? Eu digo mais ou menos é porque tem horas que isso também fica flexível. Num momento derrubam o Victor com um único tiro e no outro filme ele aguenta várias rajadas de metralhadora como se fossem balas de festim.

Normalmente eu não me ateria a esses detalhes bobos porque eu sou bem generoso com a ficção. Com BOA ficção. Se um filme não faz nada além do que o slasher mais chulé faz, esses defeitos não só se destacam como também se acumulam e eu não consigo mais relevar. E Terror no Pântano tem muitos, porém esse não é o seu principal problema. O que pega é quanto os seus filmes tentam se justificar através da muito conveniente ideia que estão sendo galhofas por intenção.

Não precisa ser um fã de terror para saber da má-reputação que os slashers receberam na década de 80. Todas as tropes que filmes como Noite de Terror e Halloween estabeleceram ou ajudaram a popularizar logo se tornaram clichês repetidos a rodo. Cada novo filme além de reproduzir os pontos negativos dos anteriores também trazia novos. Fica até difícil contestar a ideia que tais obras eram apenas uma exploração pueril de violência e sexualidade quando muitos deles eram apenas isso mesmo. Assim ficávamos com roteiros Ctrl + C, Ctrl + V que não se desenvolviam para além das suas premissas. Personagens eram feitos apenas para serem descartados. A cinematografia carecia de qualquer respingo de criatividade. A atmosfera se limitava a jumpscares baratos. Histórias fracas, atores ruins, diálogos tenebrosos.

Terror no Pântano tem tudo isso, porém vai malandramente fingir que é de caso pensado. Afinal, já que ele é uma “homenagem” aos slashers dos anos 80, ele também tem que replicar todas suas características, das positivas – que eu ainda não sei quais são – até as negativas. Então não é que o Adam Green fez uma série de filmes slasher ruins não por sua própria incompetência, é que os filmes dele são intencionalmente galhofas. “É pra ser ruim mesmo!”, dirão alguns alheios à ironia contida nessa afirmação. É sátira, é paródia, é comédia!

Aí entramos em outra questão porque a comédia também é uma desculpa bem conveniente. Não é só humorista brasileiro e usuário de internet que usa do humor como um escudo para qualquer pataquada que disserem. Filmes também! É o que eu passei a chamar de “método MCU de comédia”, mas que se aplica para qualquer roteirista que se julga muito mais esperto do que realmente é ao chamar a atenção para uma situação ridícula na intenção de criar uma justificativa para a existência daquela cena. A ficção – novamente, BOA ficção – não precisa disso, contudo os picaretas vão utilizar essa retórica para mascarar suas falhas ao dizer que fizeram tudo de maneira autoconsciente.

No primeiro filme de Terror do Pântano a gente não tem nenhum exemplo gritante. Isso vem aparecer no terceiro, o que reforça a picaretagem. Nesse filme temos uma cena em que a protagonista Marybeth, a outra personagem que conecta toda a franquia, presa numa cela sendo interrogada pelo xerife. Ele reconta os eventos dos filmes anteriores e termina com a seguinte frase:

Diálogo do xerife em Terror no Pântano em que ele diz "Essa é a história mais estúpida com as escolhas mais forçadas e idiotas que eu já ouvi na vida."
“Essa é a história mais estúpida com as escolhas mais forçadas e idiotas que eu já ouvi na vida.”

Hm, quem será aquele cara que aparece no último frame? Essa é uma tentativa descarada de dar aquela piscadinha pro público, tentando recontextualizar Terror no Pântano como uma grande piada que seu criador está bem ciente. E como o Adam Green é um sujeito sem muita criatividade, ele vai lá e faz isso DE NOVO em Terror no Pântano 4. É a mesma piada, porém com uma pitada de humor autodepreciativo que chega a ficar um tanto vergonha-alheia.

Para você se situar, dessa vez o protagonista agora é Andrew Yong, um dos sobreviventes do filme anterior. O personagem se torna uma pequena celebridade devido a sua autobiografia em que ele relata os eventos de Terror no Pântano 3. Dez anos depois ele está num avião voltando ao pântano de Victor Crowley para uma entrevista especial. Por motivos que não valem nem a pena esclarecer, o avião cai e Victor ressuscita. Andrew e mais algumas pessoas se trancam nos destroços para se proteger e durante uma discussão acalorada com apresentadora do programa, a personagem fala:

E você acha que você, Andrew Yong, um zé-ninguém, um merdinha convencido, vale um milhão de dólares só por contar a mesma porcaria de história que você vem capitalizando há uma década? Você não é um herói. Você só é um homenzinho patético que lucrou com a morte de outras pessoas. (…) Esqueci de mencionar, um músico fracassado. Não é, Andrew? Calma aí, vocês nunca ouviram falar da banda Haddonfield? Glam metal era uma merda nos anos 80 e continua uma merda, Andrew!

*sigh*

Eu não sei se é a repetição da piada ou a obviedade desse diálogo que me irrita mais. De qualquer forma, não tem como deixar mais evidente com o quanto Terror no Pântano quer nos convencer que ele é intencionalmente galhofa. Admito que existe uma certa sagacidade nessa tentativa de humor autoconsciente porque vai persuadir parte do público que vai entender como o diretor rindo de si mesmo, da sua obra e dos clichês do gênero. Mas não se enganem, é tudo um trambique para relevar o quanto Terror no Pântano é um filme ruim. Para deixar isso mais claro, eu vou recomendar um contra-exemplo de um filme que é de fato uma comédia de terror e que de fato satiriza as tropes dos slashers: Terror nos Bastidores (The Final Girls).

O filme começa com a jovem Max Cartwright cuja mãe, Amanda, é uma atriz que ficou conhecida por participar do clássico cult Camp Bloodbath. Ao voltar de um teste de elenco, as duas sofrem um acidente de carro e a mãe de Max morre. Alguns anos depois, a pedido do irmão de sua melhor amiga, ela aceita participar de uma sessão dupla no cinema local onde irão passar os primeiros filmes de Camp Bloodbath. Entretanto, um incêndio ocorre e Max e seus amigos escapam por um buraco no meio da tela do projetor. Assim eles vão parar no universo do próprio filme, dando a chance de Max reencontrar sua mãe através da sua personagem em Camp Bloodbath.

Por se tratar de um filme dentro de um filme, Terror nos Bastidores consegue brincar esses clichês dos slashers sem parecer que só está usando o humor como escudo. É interessante observar que o filme nem faz isso exatamente como sátira, porque ele não está necessariamente ridicularizando filmes como Sexta-Feira 13 e Chamas da Morte (The Burning), que eu acredito serem as principais alusões de Camp Bloodbath. É uma celebração dessas obras, entendendo que seus problemas eram parte do contexto da produção cinematográfica da época e sendo genuinamente grato pela sua existência.

Terror no Pântano, pelo contrário, usa esses elementos de maneira cínica para se resguardar de possíveis críticas. Os diálogos e a história não são ruins porque o Adam Green não sabe escrever um bom roteiro. Ele só está reproduzindo a cafonice dos filmes dos anos 80! As atuações não são péssimas porque o Adam Green não sabe como dirigir seus atores. É só para trazer aquela canastrice das atuações daquela época! O filme não apela excessivamente para o gore e jumpscares baratos porque o Adam Green não sabe construir uma atmosfera mais aterradora. É porque são marcas registradas do gênero!

Entendem como é tudo muito conveniente? Basta dizer que o filme é para ser galhofa mesmo que, pronto, você consegue justificar toda e qualquer crítica que alguém tiver sobre o filme. Não caiam nesse papinho. Existe uma grande diferença entre um filme de terror cômico e um filme de terror que usa da comédia para esconder a sua mediocridade. Quando tiverem dúvida de qual é qual, é só usar Terror no Pântano como parâmetro. 


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